O município de São José dos Campos, situado no Vale do Paraíba paulista e distante 94 km de São Paulo, tem cerca de 640 mil habitantes (IBGE 2011) e é há algumas décadas um dos polos industriais e de conhecimento de ponta do estado e do Brasil.
Lá estão situadas indústrias como a Embraer, General Motors, Refinaria Henrique Lage (Revap) e diversas outras, que aproveitam a mão de obra altamente especializada, formada em instituições de excelência como o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), inúmeros centros universitários do município e região.
Tudo isso ajuda a explicar a contemporaneidade da cidade. Mas não é apenas nessas áreas que São José desenvolve conceitos inovadores. O programa Calçada Segura, que começou a ser implantado na cidade em 2007 e foi transformado em lei, denominada Lei da Calçada, nº 8077, em 2010, merece destaque pela transformação que operou nas calçadas locais, sempre adotando o conceito de acessibilidade universal. Hoje, cerca de 30% das calçadas de São José já se adequaram; faltam se adequar cerca de 20% delas, enquanto nos corredores centrais, apenas 10% precisam ser refeitas.
Conscientização e técnica
A receita para o sucesso da iniciativa envolveu planejamento, informação e conscientização da população, assessoria técnica e fiscalização, nessa ordem, explica Rony W. Pereira, coordenador do programa Calçada Segura de São José dos Campos.
Do início, em 2007, quando a prefeitura ainda buscava os rumos que daria ao programa, à consolidação a partir de 2010, um caminho seguro conciliou o levantamento de informações com treinamento aos funcionários que participariam dessa coleta, definição das melhores técnicas a serem adotadas, legislação amparada em experiências de outras prefeituras e com base técnica consistente, cartilhas para divulgação dos conceitos e das técnicas e formação de mão de obra especializada para a execução das obras. “Percebemos, com nossas experiências iniciais, que a população acolheria melhor se os funcionários que fariam os esclarecimentos e preencheriam as planilhas com os dados das calçadas dos moradores fossem idosos”, recorda Pereira.
Definição feita, foram convocados funcionários de secretarias da prefeitura e contratados novos, todos na faixa etária mais elevada, que passaram a visitar os moradores das ruas definidas pelo programa, começando pelos bairros centrais e, posteriormente, abrangendo todas as regiões de São José dos Campos. “Os agentes do programa receberam orientação específica e iniciaram os trabalhos explicando o programa e preenchendo ficha com a situação da calçada de cada residência e estabelecimento comercial. Foi uma ação educativa e de levantamento de dados”, explica o coordenador do programa. Esse levantamento, portanto, não foi por amostragem – ele resultou, desde seu início até setembro de 2012, em cerca de 65 mil residências e estabelecimentos comerciais e industriais com a situação de suas calçadas cadastradas. Esse trabalho é permanente e a tendência é de que a cidade tenha todas as suas calçadas cadastradas em alguns anos.
A consolidação das informações sobre a situação das calçadas aconteceu ao mesmo tempo em que a legislação era revisada, visando à sua atualização, e à produção de material de divulgação e informação sobre o programa. A Prefeitura produziu uma cartilha sobre a Lei da Calçada, a 8077/2010, que contém os principais itens do programa e esclarecimentos técnicos, e um Manual de Execução – Guia Prático com as orientações técnicas sobre a execução dos três tipos de sistemas construtivos definidos pela lei: pavimento intertravado e placas pré-moldadas de concreto e piso cimentado com junta seca. A cidade foi dividida em duas grandes áreas: A I, denominada Setor Central e Corredores, que abrange cerca de 25% da cidade, e Setor Geral, os 75% restantes. Nas áreas centrais, o piso proposto em lei foi o intertravado de concreto, pelas vantagens proporcionadas por suas características de acordo com a cartilha: facilidade de instalação, de retirada para pequenos reparos, de reposição com reaproveitamento das peças, pelo fato de ter junta seca, que permite o escoamento das águas da chuva; por oferecer diversas cores, formatos e espessuras; e por ser antiderrapante, permeável e de fácil limpeza.
A legislação também estabeleceu tipos de faixas (de serviços, livre e de acesso), com a largura mínima de cada uma delas e os tipos de materiais para cada faixa, por perímetro/setor.
Rampas de acesso para pedestres também foram especificadas, com detalhes como piso tátil de alerta com textura e cor diferenciadas, favorecendo a orientação e a segurança da pessoa com deficiência visual, cadeirantes, carrinhos de bebê pessoas com mobilidade reduzida.
Cuidados com o tratamento de esquinas e calçadas comerciais, nas quais definiram-se os parâmetros para colocação de equipamentos e objetos, como mesas e cadeiras por exemplo, na faixa de acesso. Também foi especificada a exigência de inclinação de acordo com a da rua, em calçadas situadas em ruas inclinadas. A legislação e a orientação aos moradores ajudaram a remover muitos obstáculos existentes anteriormente.
A legislação também inovou em outras questões. Entre elas, por exemplo, a exigência de que qualquer edificação precisa ter a calçada executada segundo as exigências da Lei da Calçada para ter o Habite-se. E definiu a possibilidade de empreendimentos privados realizarem obras de regularização das calçadas, de acordo com a regulamentação do programa, como contrapartida. Um exemplo pode ser observado nas calçadas do Vale Sul Shopping, no bairro de Cidade Jardim, que utilizou os pisos intertravados em toda a sua área externa como contrapartida pela construção. “Os empreendedores veem vantagens em tornar suas calçadas regularizadas, fornecendo ao mesmo tempo a vantagem da acessibilidade e melhores condições urbanas para a população”, explica Pereira.
Planejamento e formação da mão de obra
Segundo Pereira, além dessas importantes providências, a prefeitura adotou também outras, geralmente esquecidas em ações do gênero. Em todas as regiões em que o programa é levado, além da conscientização dos moradores e cadastramento da situação das calçadas, é feito um planejamento que permite verificar quais ruas receberão pavimentação, “para agir antes e evitar retrabalhos” e com as concessionárias de saneamento, energia e telefonia. “As concessionárias são orientadas a fazer ou refazer as calçadas nos padrões determinados na lei.”
O sucesso do programa em São José passou também pela formação de mão de obra técnica para execução dos serviços na cidade. Para atender de forma eficiente ao crescimento da demanda, a prefeitura realizou, em 2011, numa parceria com a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), Senai e Urbam (empresa de urbanização municipal), um curso teórico e prático, com uma semana de duração e 20 horas no total, para 150 pessoas. “A partir desse curso, ministrado pelo engenheiro Cláudio Oliveira, foram capacitados assentadores de pisos intertravados, placas de concreto e cimento queimado”, explica Ricardo Moschetti, gerente da Regional São Paulo da ABCP.
Como resultado desse curso, foram criadas 16 microempresas especializadas no assentamento dos pisos. “Essa iniciativa é muito importante, porque garante a boa execução das calçadas, com qualidade, oferecendo acessibilidade à população”, avalia Eduardo Aoki, sócio-diretor da Arevale, de Taubaté-SP e um dos maiores fabricantes de pisos intertravados do Vale do Paraíba.
A prefeitura de São José dos Campos desenvolve diversas outras ações no sentido da acessibilidade, como o programa Travessia Segura, que procura dotar de instrumentos urbanísticos adequados para os pontos mais críticos para pedestres, especialmente os com dificuldades de locomoção ou outras, ao mesmo tempo que oferece assistência técnica aos munícipes. A prefeitura também oferece assistência técnica aos moradores, orientando-os tecnicamente sobre como executar a calçada de forma correta. “Explicamos as exigências da lei e as questões técnicas de execução, para que o cidadão possa realizar o serviço de forma adequada”, diz o engenheiro Fernando Barbosa Jr., da Assessoria de Políticas para Pessoas com Deficiência. Assim, São José dos Campos tornou-se também referência na região e inspiração para outras prefeituras do Vale do Paraíba quando o assunto é acessibilidade e calçadas seguras e bem-realizadas.
Fonte: Mobilize Brasil, Por Silvério Rocha
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