sábado, 23 de março de 2013

Rodovias que ligam São Paulo ao litoral têm 34 deslizamentos

ANDRÉ CARAMANTE
MOACYR LOPES JÚNIOR
ENVIADOS ESPECIAIS AO LITORAL DE SP


Quatro rodovias do litoral de São Paulo têm atualmente ao menos 34 pontos de desmoronamentos em seus entornos. Todos eles sob risco de novas quedas de terra.

É o que aponta um mapeamento feito pela Folha nas duas últimas semanas nas rodovias Anchieta (15 deslizamentos) e Imigrantes (5), no sentido do litoral sul, e Rio-Santos (8) e Mogi-Bertioga (6), no litoral norte paulista.

Segundo geólogos que acompanharam esse mapeamento, Anchieta, Rio-Santos e Mogi-Bertioga exigem mais cuidados --as duas últimas ficaram bloqueadas na última semana com deslizamentos.

Desses 34 pontos, ao menos 15 estão sob intervenção de máquinas e operários.
Na Mogi-Bertioga e na Rio-Santos, há rochas soltas nas encostas, que podem cair em caso de chuva forte.

Na Rio-Santos, um dos pontos atingidos continua parcialmente bloqueado, com estreitamento de pista.

O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) trabalha em todos os pontos de deslizamento nas rodovias administradas pelo Estado.

Deslizamentos nas estradas de São Paulo

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Moacyr Lopes Junior/Folhapress
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Marcas de deslizamento de terra, no trecho de serra na rodovia Anchieta, estrada do sistema gerenciado pela concessionária Ecovias
Já nas rodovias que ligam a Grande São Paulo ao litoral sul, a Ecovias, concessionária responsável, tenta impedir o avanço dos deslizamentos usando lonas plásticas.
Há um mês, a gerente gerente de sistemas Lilian Aparecida de Souza, 43, morreu em um deslizamento de terra no km 52 da Imigrantes.

A gerente foi atingida por um tronco e arrastada pela enxurrada ao sair do carro assim que viu o deslizamento.

Funcionários da Ecovias se revezam no trabalho no local.
Já a Anchieta, com as duas pistas utilizadas por caminhões que pagam até R$ 127 de pedágio para trafegar rumo ao porto de Santos, tem deslizamentos que lançam terra às margens das pistas.

Em alguns casos, tentativas de sinalização são feitas com cones, mas constantemente eles são encontrados tombados na estrada.

A Anchieta foi construída nos anos 40 com métodos de engenharia baseados no corte das encostas da serra do Mar, área de terreno instável.
"É nítido que o solo nos trechos de serra da Rio-Santos e da Mogi-Bertioga estão à beira de um colapso. Está tudo encharcado, e o monitoramento de deslocamento do solo precisa ser permanente."

A constatação é de Deyna Pinho, geólogo do Serviço Geológico do Brasil, órgão federal ligado ao Ministério de Minas e Energia. A mesma avaliação foi feita na Anchieta e na Imigrantes pelo geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, estudioso da serra do Mar e ex-diretor do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), vinculado ao governo paulista.
"Deslizamentos mostram que a natureza manda recado. A concessionária [Ecovias] precisa tomar medidas preventivas. Não há motivo para alarmismo, mas é preciso ter atenção", diz Santos.

Os dois geólogos acompanharam o mapeamento dos deslizamentos das rodovias a pedido da Folha --Pinho no litoral norte e Santos, no sul.

Ao analisar os trechos com deslizamento da Rio-Santos e da Mogi-Bertioga, Pinho amassou com as mãos pedaços de barro molhado para mostrar água pingando.
"Imagina a força que essa água acumulada pode exercer nessas encostas. É muito provável que isso tudo vá cair. Nesses casos, a melhor solução sempre é interromper o tráfego e fazer uma limpeza controlada das encostas."

Outro grave problema, diz Pinho, é a infiltração da água da chuva nas rochas. "Com o tempo, a água acaba lançando grandes pedaços de pedras no chão das estradas."
Ao se referir principalmente à Anchieta, Santos pensa da mesma forma. "Entre dezembro e março, período das chuvas mais fortes, não ficaria tranquilo em saber que algum parente tem de trafegar pela Anchieta."


Apesar de deslizamento, Ecovias e DER dizem que estradas são seguras

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DOS ENVIADOS AO LITORAL DE SP


A Ecovias, concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes, afirmou que as duas rodovias operam em segurança, apesar dos deslizamentos de terra constatados pela Folha.


"Em condições normais de projeto e para as chuvas previstas para a região, as encostas e obras de arte (pontes, túneis e viadutos) da Anchieta e Imigrantes apresentam plenas condições de segurança", informou a Ecovias.

Um mapeamento feito pela Folha mostra que há atualmente ao menos 34 pontos de desmoronamentos em seus entornos. Todos eles sob risco de novas quedas de terra.
A concessionária afirmou que, desde maio de 1998, quando assumiu as vias, investiu R$ 170 milhões em monitoramento de encostas e outros serviços para manter a segurança dos usuários.

A Secretaria Secretaria Estadual de Logística e Transportes, responsável pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagens), administrador das rodovias Rio-Santos e Mogi-Bertioga, afirmou manter monitoramento e inspeção 24h nas rodovias, por meio dos veículos de fiscalização das UBAs (Unidades Básicas de Atendimento).
"Quando verificada qualquer anormalidade, como a possibilidade de deslizamentos de terra, a rodovia é imediatamente interditada".

O órgão estadual também afirmou investir anualmente R$ 40,6 milhões na conservação e manutenção das rodovias no litoral paulista (norte e sul) e da Grande São Paulo.
Leia a nota oficiais da Ecovias:

Desde que assumiu a administração do Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI), em maio de 1998, a Ecovias mantém um programa de monitoramento contínuo das encostas próximas das rodovias.

A degradação da lona plástica, constatada pela reportagem, é consequência do trabalho de contenção de encostas em curso desde o dia 22 de fevereiro quando a forte chuva atingiu o sistema.

A lona é substituída várias vezes até que o trabalho seja concluído. Neste caso, antes de ser novamente trocada a lona foi danificada pela exposição às intempéries, como o vento, por exemplo.

Mas mesmo essa ocorrência pontual não representou riscos aos usuários do sistema, pois esses locais estão sendo monitorados pelas equipes de engenharia.

A ocorrência de chuvas fortes não determina que um deslizamento possa acontecer. Não é possível prever nem que a concentração de chuva vai se elevar a níveis extraordinários, como foi o caso no dia 22 de fevereiro, nem que essa alta concentração provocará alguma ruptura nas encostas.

Mas a partir do momento que foi detectado que começava a cair detritos sobre a pista, o tráfego foi desviado imediatamente e isso impediu que milhares de veículos entrassem no trecho afetado.

A rodovia Anchieta, nos trechos de serra das pistas norte e sul, não possui acostamento. Por este motivo, a percepção de proximidade das encostas com a pista é aumentada, principalmente após a ocorrência de um deslizamento, mesmo quando de pequeno porte.
Quanto aos cones citados, quando houver necessidade de colocá-los neste tipo de situação, sem acostamento, os mesmos permanecem muito próximos e sujeitos a queda pela passagem muito próxima dos veículos, especialmente os caminhões.

A queda de cones é uma situação recorrente e nossas viaturas de inspeção, que circulam permanentemente pelo sistema, reposicionam os mesmos sempre que caídos ou fora do sua posição certa.

As rodovias Anchieta e Imigrantes são seguras.
Assessoria de Comunicação da Ecovias

Nota do DER:

O DER informa que mantém monitoramento e inspeção 24h nas rodovias sob sua administração, por meio dos veículos de fiscalização das UBAs (Unidades Básicas de Atendimento).

No trecho onde aconteceram as quedas de barreira da Rio-Santos existem unidades de UBA em Caraguatatuba, São Vicente e Mogi das Cruzes. Quando verificada qualquer anormalidade, como a possibilidade de deslizamentos de terra, a rodovia é imediatamente interditada. Quando há alto nível de precipitação pluviométrica, as equipes da UBA ficam em alerta para interditar a rodovia na ocorrência de indícios de deslizamentos, que possam comprometer a segurança do usuário.

Em função das fortes chuvas, na Rodovia Rio-Santos (SP-055), entre o km 157 e km 160, o DER mantém a liberação de trânsito monitorada, com desvio nos três pontos de maior atenção.

Quando necessário, o DER implanta "Operação Pare e Siga" ou "Comboio" caso sejam constatadas situações de novas chuvas com intensidade no trecho. Em situações emergenciais o DER pode retirar a terra para liberação da rodovia. Durante as obras, o material depositada nas encostas é removido para estabilização dos taludes.

A Mogi-Bertioga recebe monitoramento de viaturas da UBA próximo aos trechos com queda de talude e ao menor risco de deslizamentos a via é interditada.

As pedras com riscos de queda nas duas rodovias serão todas removidas, assim como as respectivas obras para estabilização dos taludes serão realizadas.

No dia seguinte aos deslizamentos [semana passada], engenheiros e geólogos do DER realizaram vistoria nas rodovias para elaboração de relatório que apontará o tipo de obra necessária para contenção dos taludes nas vias.

A contratação de empresa especializada para execução destas obras será definida na próxima segunda (25), em reunião no Departamento de Estradas de Rodagem (DER).

Análise: Apesar da engenharia, a natureza foi agredida e reagiu

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JOSÉ BERNARDES FELEX
ESPECIAL PARA A FOLHA


Os desmoronamentos na serra do Mar ocorrem porque, ao longo do tempo, o homem interferiu nos maciços sensíveis, solos, rochas e formas que a geologia da serra tem.


Na grande maioria das vezes, a intervenção se deu de maneira quase predatória.
Primeiro, foi morar, caçar ou plantar nas encostas. Depois, a economia exigiu melhores meios de transporte. Trilhas foram trocadas por rodovias, ferrovias e oleodutos ligando o litoral ao planalto.

Apesar da melhor engenharia, a natureza foi agredida. Indústria e comércio se instalaram na serra do Mar. Camadas mais carentes da população passaram a morar em altos patamares na área.

Encostas são vivas. A ação do homem provocou o que vulgarmente poderia ser chamado de "caminhamento": as encostas tendem a descer, pedras tendem a escorregar.
A engenharia brasileira usou o melhor da tecnologia nas obras na serra.
Mas há mais obras e ocupação na região. A natureza agiu e agora há novos desafios a vencer. Não bastam obras de emergência. Observar, com a melhor técnica, os movimentos das encostas e diagnosticar para prever deslizamentos e intervir antes dos desastres é fundamental.
JOSÉ BERNARDES FELEX é engenheiro civil, consultor em transportes e professor titular da USP São Carlos



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