Do caos à lama, são aproximadamente 3 mil quilômetros de distância. O caminhoneiro que optou pelo primeiro destino, o caos, hoje agoniza nas filas intermináveis que se formaram ao redor do porto de Santos. Aquele que partiu para a segunda opção, tenta a sorte na BR-163, uma promessa de rodovia que neste ano completa três décadas, e que nunca se cumpriu.
Não há terceira via. O drama vivido hoje por quem produz soja e milho no norte do Mato Grosso, maior celeiro de grãos do país, escancara a situação da logística nacional. A confusão que tomou conta dos portos do Sul e Sudeste não pode ser compreendida ou explicada apenas pelas limitações dos terminais portuários. Para entendê-la, é preciso encarar a lama.
Durante uma semana, a reportagem do Valor percorreu mais de 1,5 mil quilômetros da BR-163, também conhecida como rodovia Cuiabá-Santarém. A viagem teve início na região central da produção de grãos do Mato Grosso, nos municípios de Lucas do Rio Verde e Sorriso, e seguiu sentido norte, até o porto de Santarém, no Pará, onde a BR-163 termina de frente para um oceano de água doce, o encontro das águas dos rios Tapajós e Amazonas.
Do lado mato-grossense, a estrada de pista simples e asfalto castigado sofre com o movimento intenso dos caminhões. Os acostamentos são precários e, em muitos trechos, sequer existem. Essa rota, no entanto, torna-se bem mais complicada quando se chega à fronteira com o Pará.
Do empoeirado município de Guarantã do Norte (MT), na divisa dos dois Estados, até Santarém, são 1.094 quilômetros de aventura. Conforme se avança rumo à floresta amazônica, ficam mais nítidas as razões que levaram milhares de caminhoneiros a fugir dessa rota para se aglomerar, dias a fio, nas entradas de Santos e Paranaguá.
Quase 600 quilômetros da BR-163 permanecem exatamente como sempre foram: uma arriscada estrada de terra. Nos trechos com asfalto – muitas vezes, apenas alguns metros de chão com revestimento – há problemas graves de sinalização. Buracos e atoleiros testam a habilidade dos motoristas. Caminhões deslizam pelo barro. Por vezes, tombam pelo caminho e despejam toneladas de grãos mata adentro.
Aberta 30 anos atrás, a BR-163 nasceu com a vocação de se transformar em um dos principais corredores para o escoamento do Centro-Oeste. A partir de seu traçado rumo ao norte do país, é possível acessar a hidrovia do Amazonas, uma porta de saída privilegiada para levar a produção nacional aos grandes compradores mundiais. Uma miríade de problemas, porém, tem adiado essa missão.
A Cuiabá-Santarém reúne os principais gargalos que travam a evolução da infraestrutura logística do país. Dificuldades com regularização de terras e licenciamento ambiental, omissão do poder público e corrupção minaram o potencial da rodovia.
Um estudo, que acaba de ser realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), calcula que poderiam ser economizados até R$ 1,4 bilhão por ano com o transporte de cargas da região, a partir da conclusão da rodovia.
Ao se converter em uma alternativa para o escoamento, essa rota ajudaria a desafogar portos estrangulados e impactaria diretamente no preço do frete que hoje é cobrado do produtor rural.
As contas feitas pelo Movimento Pró-Logística, que representa a indústria do Mato Grosso, sinalizam para uma redução de 34% nas despesas com transporte para cada tonelada de soja e milho que saem da roça. Hoje, a tabela de preços praticada no Brasil é 425% superior à da Argentina e 370% mais cara que a dos Estados Unidos.
Sem alternativas, o produtor segue fazendo a sua parte. Na safra 2011/2012, o chamado “Nortão” do Mato Grosso colheu 52% da produção brasileira de soja e milho. Foram 68,2 milhões de toneladas de grãos.
É um resultado que deveria ser comemorado, mas o clima não é de festa. “A impressão que dá é que nós arrumamos um problema, que foi ter produzido demais. É como se tivéssemos feito algo de errado, e agora temos que pagar o preço por isso”, diz o produtor Elso Vicente Pozzobon, também conselheiro da Aprosoja, associação que representa o setor no Mato Grosso. “Investimos em tecnologia e mais do que dobramos nossa produção. Mas nossa estrada sempre foi a mesma, a situação ficou insustentável.”
A BR-163 não é a solução de todos os males da infraestrutura nacional, mas sua conclusão teria capacidade de fazer uma reviravolta no mapa logístico. A capacidade de transporte de cargas para os portos da região Norte é avaliada em aproximadamente 45,5 milhões de toneladas.
Os benefícios não seriam apenas internos. Pelo litoral norte, é possível reduzir entre três e cinco dias o tempo que hoje é gasto para navegar do porto de Santos até Roterdã, na Holanda. Isso significa maior competitividade e redução de custos.
A distribuição de mercadorias no país também sai ganhando. A estrada beneficiaria o escoamento da Zona Franca de Manaus, que hoje segue de barco até Belém (PA), para depois enfrentar 2,9 mil km de estrada até São Paulo. Pela BR-163, essa viagem seria encurtada em dois dias.
“Não existe nenhuma razão para que isso não vá para frente. Temos que virar o mapa do país e pensar no arco Norte. O país não pode mais prescindir disso”, diz Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-logística.
Nos 745 quilômetros da BR-163, entre Cuiabá e a divisa com o Pará, um censo industrial feito pelo Sebrae listou mais de 800 empresas que poderiam ter suas operações turbinadas pela conclusão da rodovia. Enquanto essa promessa não se cumpre, prosperam negócios que vivem, de alguma forma, da degradação da estrada.
Em Lucas do Rio Verde, a Borracharia Sabiá tornou-se parada obrigatória para os caminhoneiros. Lúcia Abegg, dona do comércio, abriu sua loja dez anos atrás, com dois funcionários.
Hoje são 14 borracheiros, que não conseguem atender a demanda. “A gente tem recebido cerca de 200 caminhões por dia, com todo tipo de problema. Os caminhoneiros fazem uma fila enorme. Eles ficam nervosos com a demora. A gente tenta atender todo mundo, mas está difícil”, diz Lucia. “Quebram a mola, o freio, a balança, furam pneus. Não conseguimos vencer o serviço. Temos que trabalhar de segunda a domingo, o tempo todo.”
Fonte: Valor Econômico, Por André Borges . Colaborou Ruy Baron
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