As novas concessões em infraestrutura vão exigir um esforço adicional de caixa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos próximos anos. O banco poderá ter de buscar, já a partir de 2013, alternativas de capital, incluindo novos aportes do Tesouro, para fazer frente à demanda das concessionárias de infraestrutura. Estimativas indicam que os desembolsos do banco para os setores de energia e logística, incluindo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, devem atingir R$ 40 bilhões em 2015, com aumento de 70% sobre os R$ 23,5 bilhões previstos para 2012.
Neste ano, a equação financeira do banco está fechada. O BNDES deve liberar cerca de R$ 150 bilhões em empréstimos para financiar o setor produtivo em 2012. Em junho, o Tesouro repassou R$ 10 bilhões ao BNDES na primeira parcela dos recursos autorizados pelo governo para a instituição neste ano, de R$ 45 bilhões. A dúvida do mercado é o que vai acontecer a partir de 2013, uma vez que em um horizonte de quatro a cinco anos o banco terá de apoiar um fluxo grande de investimentos na área de infraestrutura.
O pacote de concessões de rodovias e ferrovias lançado pelo governo em agosto prevê investimentos de R$ 133 bilhões em 25 anos, dos quais R$ 80 bilhões a serem aplicados nos próximos cinco anos. Se em 2012 os desembolsos do BNDES para energia e logística vão representar 15,5% das liberações totais do banco, em 2015 o percentual estará na casa dos 20%.
O economista Mansueto de Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), teme o uso crescente de recursos do Tesouro para o BNDES financiar toda gama de empreendimentos. Ele acredita que o banco deve financiar infraestrutura, mas não indiscriminadamente. Para ele, deve-se dar prioridade aos projetos com o maior número de beneficiários ou que sejam mais relevantes para o desenvolvimento regional, tecnológico e de cadeias produtivas.
Mansueto defende, porém, a participação do banco no apoio ao financiamento em infraestrutura: “Se é para financiar mais indústrias de setores consolidados ou participações em empresas que poderiam tranquilamente se financiar no mercado, prefiro que vá [o dinheiro do BNDES] para a infraestrutura.” Ele ressalva, porém, que nem todo investimento em infraestrutura deve ter o envolvimento do banco. A participação do BNDES no financiamento deve ser complementar à capacidade dos concessionários de captar recursos de outras origens, diz.
Para o economista, especialista em contas públicas, é preciso que o governo defina prioridades que, na sua opinião, não podem incluir projetos como o do Trem-Bala, para que a capacidade de emprestar dinheiro do BNDES não seja ainda mais pressionada, exigindo mais e mais aportes do Tesouro. Segundo Mansueto, historicamente o banco de fomento não tinha mais de 10% do seu passivo vinculado a dívidas com o Tesouro, o que, em números absolutos, significava menos de R$ 10 bilhões em 2007. Neste ano, segundo as suas contas, as dívidas com o Tesouro deverão fechar em R$ 360 bilhões, na faixa de 50% do passivo do banco, devendo ultrapassar os R$ 400 bilhões com as novas concessões. Procurado, o banco não quis comentar como pretende garantir o financiamento das futuras concessões e nem as críticas do economista.
Um exemplo da pressão que o programa de concessões deverá exercer sobre o BNDES está nas projeções de crescimento do setor de logística (rodovias, ferrovias, portos e aeroportos) dentro da área de infraestrutura do banco. Em 2012, os R$ 23,5 bilhões de desembolsos da área de infraestrutura, incluindo energia, serão 25% maiores do que em 2011. Em 2013, segundo projeções, o crescimento da área será de 30% sobre 2012. E em 2014 e 2015 as liberações vão se expandir 15% ao ano. Mas os desembolsos do setor de logística vão crescer acima das liberações da área de infraestrutura.
As estimativas indicam que, em 2013, os desembolsos do banco para o setor vão aumentar 35% e, em 2014 e 2015, 20% por ano. O crescimento da logística acima da média da área de infraestrutura será resultado direto do processo de novas concessões.
Em relatório publicado após a divulgação do pacote de concessões pelo governo, a agência de classificação de risco de crédito Fitch Ratings disse que o BNDES terá de procurar alternativas de capital para oferecer crédito às concessionárias de infraestrutura no país, se quiser acelerar os investimentos no setor e atrair parceiros fortes da iniciativa privada. Para a Fitch, é importante que o BNDES subsidie os projetos, mas se o financiamento chegar próximo de 80% dos custos, a interferência do banco pode fazer com que as concessões não sejam tão atrativas. “Minimizar os subsídios é fundamental para aumentar os benefícios do programa”, avaliou a agência. E acrescentou: “Acreditamos que o maior desafio desses projetos é como o BNDES vai estruturá-los financeiramente. Alguns deles, como as ferrovias, vão precisar de grandes subsídios públicos.”
Segundo a Fitch, um fator importante a curto prazo será como o BNDES vai maximizar o uso de fontes alternativas de capital para expandir a capacidade do país de acomodar o nível de investimento que se pretende alcançar. “Subsídios são geralmente necessários até mesmo para projetos autossustentados a longo prazo, mas a minimização desses subsídios é fundamental para maximizar o benefício do programa.”
Na semana passada, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse que o banco tem interesse em trabalhar junto com o mercado de capitais para estimular o ritmo de emissão de debêntures. “Estamos seriamente empenhados em estimular a emissão de debêntures.” E disse estar “otimista” quanto à evolução de novas emissões de papéis ligados à infraestrutura.
Coutinho fez os comentários logo após o BNDES anunciar medidas de estímulo à emissão de debêntures corporativas. Com isso, as emissões de debêntures vinculadas a empresas de propósito específico que realizem projeto de infraestrutura poderão, a critério do banco, compartilhar garantias com a operação de crédito contratada para o mesmo projeto.
O economista Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), está mais preocupado com o novo modelo anunciado para as concessões ferroviárias do que com a capacidade do BNDES para suportar a demanda por financiamentos que as novas concessões vão impor. Na sua avaliação, o banco tem condições de suprir as necessidades, até porque o governo vem tomando medidas para atrair recursos privados para complementar a demanda e porque os projetos de infraestrutura oferecem risco elevado na fase de construção, mas quando prontos têm risco baixo.
O complicado, para Castelar, é “o risco político e o risco operacional” embutidos no novo modelo proposto, com a estatal Valec assumindo as vias para fazer a comercialização da capacidade de transporte delas. “Temos essa separação entre o dono da infraestrutura e o dono do trem. Esse modelo deu errado na Inglaterra”, adverte. Para o pesquisador da FGV, o mercado seria, em princípio, capaz de resolver esse problema de fixar preços e assegurar o acesso. “Vejo não como um problema, mas como um risco que precisa ser mais bem discutido e esclarecido”, pondera.
O consultor Flavio Martins, que atua na área ferroviária, disse que o modelo no qual o concessionário constrói e mantém a via e vende a capacidade de carga para uma empresa (no caso, a Valec) comercializar no varejo vem obtendo sucesso em regiões dos Estados Unidos e da Europa e pode ser uma solução para garantir o livre acesso de cargas às ferrovias no Brasil, algo que hoje praticamente não existe. Em certo sentido, ele vê nesse papel da Valec “um certo retorno ao modelo da antiga Rede Ferroviária Federal”, estatal que era a dona da maior parte das ferrovias do país.
Martins acha que em uma primeira etapa a necessidade de investimentos será muito grande, porque os atuais concessionários não cuidaram da expansão das suas linhas. Ele vê o BNDES em condições de suprir a demanda. Mas alerta para a necessidade de estudos meticulosos antes da tomada de decisão. “Para não se correr o risco de esticar linha onde não tem demanda.”
Fonte: Valor, Por Francisco Góes e Chico Santos
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