Aeroporto do Galeão, no Rio: como os investimentos para ampliação já foram contratados pela Infraero, a meta agora é melhorar a capacidade de gestão
Após ter constatado o desinteresse de grandes operadoras europeias e asiáticas em associar-se à Infraero, com uma participação minoritária, o governo recuou do modelo de concessão de aeroportos que vinha ganhando força nas últimas semanas e já pensa em uma nova alternativa. Agora, a aposta é voltar ao desenho de repassar à iniciativa privada uma fatia majoritária dos aeroportos do Galeão (RJ) e Confins (MG).
A presidente Dilma Rousseff resiste em aplicar o mesmo formato do leilão que concedeu três terminais estratégicos, em fevereiro. Ela pretende deixar as empreiteiras fora da disputa e restringir a licitação às operadoras estrangeiras. Também prefere um leilão no qual o vencedor não seja escolhido pelo maior valor de outorga, mas por pontuação que privilegie critérios técnicos.
A gota d’água para o abandono da proposta levada recentemente à Europa, por uma comitiva de ministros e altos funcionários encabeçada pela ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, foi o fracasso da consulta feita à Changi – que administra o aeroporto de Cingapura e se associou à Odebrecht para participar da primeira rodada de privatização dos aeroportos, tendo ficado em segundo lugar na disputa por Viracopos. Em teleconferência com autoridades brasileiras, os asiáticos disseram não à proposta de entrar na Infraero com participação minoritária.
A apresentação do governo, obtida pelo Valor, previa a criação da Infrapar e a busca de um sócio estrangeiro para ficar com uma fatia de 20% a 49% da nova subsidiária da Infraero. Da mesma forma que já ocorre com a Petrobras e a Eletrobras, a Infrapar estaria livre da Lei 8.666/93, driblando as amarras do regime de contratações públicas.
Além do Galeão e de Confins, a subsidiária herdaria as participações da Infraero – 49% do capital – nos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília. O modelo não agradou a nenhuma operadora.
Pelo menos seis administradoras de aeroportos foram consultadas: a alemã Fraport (Frankfurt), a francesa ADP (Paris), a holandesa Schipol (Amsterdã), a britânica BAA (Londres), a coreana Incheon (Seul) e a Changi (Cingapura). Só a BAA, mesmo sem entusiasmo, deixou a porta aberta para eventual associação com a Infraero como minoritária. Ela é controlada hoje pela espanhola Ferrovial. A Fraport surpreendeu os ministros por sua franqueza “germânica” e foi enfática ao defender a retomada do modelo de concessões “puras”.
Apesar da frustração dos planos, o governo ainda resiste a voltar para esse modelo. Uma terceira opção, que agora começa a ser estudada, envolve o retorno da Infraero à condição de minoritária – com, no máximo, 49% de participação. Mas considera a possibilidade de uma “golden share” para a estatal. Por isso, está sendo chamada no Palácio do Planalto de “modelo Vale ” ou “modelo Embraer “, em referência às duas empresas que foram privatizadas nos anos 90, preservando poder de veto ao Estado nas decisões mais estratégicas.
A intenção do governo é evitar a participação de empreiteiras, como ocorreu no leilão de fevereiro. Na ocasião, todos os 11 grupos que entraram na disputa tinham a presença das gigantes nacionais da construção. Odebrecht e Queiroz Galvão lideraram seus consórcios diretamente, enquanto outras tiveram participação indireta, por meio da CCR (Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez) e OAS (Invepar).
Para Dilma, Galeão e Confins enfrentam menos gargalos do que as três primeiras concessões e os principais investimentos para ampliação de capacidade de seus terminais já foram contratados pela Infraero, tornando dispensável a presença de empreiteiras no negócio. O objetivo maior nesses dois aeroportos, na avaliação da presidente, é melhorar a capacidade de gestão.
O próximo leilão também pode aposentar o maior valor de outorga como critério para a definição do vencedor. Auxiliares diretos de Dilma avaliam que isso pode levar à vitória de quem tem mais “bala na agulha” para oferecer ágios robustos, não importa se com propostas viáveis ou não do ponto de vista financeiro, impedindo a escolha das grandes operadoras, que podem transferir mais “know-how” à Infraero. Por isso, a ideia é ter uma disputa em que a proposta técnica defina os vencedores.
Outro grupo de assessores presidenciais avalia que há uma forma mais simples de apertar o funil da concorrência: aumentar, de 5 milhões para mais de 40 milhões por ano, o número mínimo de passageiros que um aeroporto estrangeiro precisa movimentar para que sua operadora seja habilitada ao leilão no Brasil.
O desenho final do modelo deverá jogar o anúncio do pacote de aeroportos, que deveria sair neste mês, somente para outubro. Além do novo sistema de administração do Galeão e de Confins, o governo pretende anunciar um plano de aviação regional, com investimentos de até R$ 4 bilhões. Também publicará decreto que libera a exploração comercial de novos aeroportos voltados para a aviação executiva.
De qualquer forma, segundo avaliam interlocutores de Dilma, não dá mais para insistir na busca de um sócio minoritário para a Infraero. Mesmo alterando o regime estatutário da estatal e liberando-a da Lei de Licitações, ela continuaria sendo submetida a fiscalizações do Tribunal de Contas da União (TCU) e correria o risco de ver projetos parados.
Apesar do receio em dizer isso abertamente aos ministros brasileiros, as operadoras estrangeiras comentaram com grupos privados brasileiros qual é a maior preocupação que têm em assumir uma participação minoritária na Infraero: a “falta de liquidez” de um ativo como esse.
Um exemplo citado pelas operadoras é o da Hochtief, uma das maiores construtoras da Alemanha, que comprou fatias minoritárias em aeroportos como os de Atenas e Hamburgo – em modelo semelhante ao que o governo brasileiro quer aplicar na Infraero.
No ano passado, o grupo espanhol ACS, do empresário Florentino Pérez, presidente do Real Madrid, fez uma oferta hostil e assumiu o controle da Hochtief, mas não se interessou por esses ativos na área de aeroportos. Desde então, tenta vender a participação nas operadoras de Atenas e Hamburgo, sem sucesso.
A Changi rejeitou comparações entre o modelo elaborado para a Infraero e a ofensiva que fez na Rússia, em junho, ao comprar 30% de participação em quatro aeroportos, incluindo o de Sochi, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Embora seja minoritária, a Changi se associou a parceiros locais e esses aeroportos não têm nenhuma participação estatal.
Fonte: Valor, Por Daniel Rittner
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