Após três licitações fracassadas, a completa reformulação das regras para o trem de alta velocidade (TAV) está conseguindo atrair o interesse da iniciativa privada pelo projeto. Pelo menos 19 empresas (entre grupos de construção, operadores ferroviários e fabricantes de máquinas e equipamentos) já se movimentam para a disputa. O edital definitivo deve ser publicado no mês que vem.
O que mais tornou o projeto atrativo para as empresas foi o fato de o governo, agora, pagar completamente o custo das obras civis do empreendimento – previstos, nos estudos originais, em R$ 27 bilhões. Essas obras incluem terraplenagem, além de construções de pontes, viadutos e túneis, por exemplo. Além disso, a concessionária também ficará livre da dor de cabeça das desapropriações – e do custo decorrente delas.
“A modelagem ficou equilibrada e por isso sinto que as empresas estão mais animadas, com muito estrangeiro interessado”, diz a advogada Letícia Queiroz de Andrade, sócia do Siqueira Castro Advogados. O atual processo de licitação, em fase de audiências públicas, tem o objetivo de definir a concessionária de um dos mais ambiciosos projetos brasileiros de infraestrutura nos últimos anos, que terá direito a um contrato de 40 anos.
O presidente da Alstom no Brasil, Marcos Cardoso Costa, anunciou em entrevista recente ao Valor uma parceria com a estatal francesa de operação ferroviária Société Nationale des Chemins de fer Français (SNCF, que opera o TAV naquele país) para estudar e eventualmente disputar em conjunto o projeto brasileiro, mas que a Alstom não deve liderar dos investimentos. “Preferimos destinar nosso capital ao desenvolvimento de nossos produtos”, disse.
O caso da Alstom deve se repetir na maioria dos consórcios: os fabricantes de tecnologia não irão liderar os investimentos. A canadense Bombardier também tem interesse no projeto. “Acompanhamos de perto o projeto brasileiro há vários anos e somos naturais interessados. Estamos em conversas com diversas empresas, como operadores da Alemanha e da Itália, além de grupos brasileiros de concessão”, disse um executivo da Bombardier ao Valor.
A fabricante espanhola Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles (CAF) já informou que formará um consórcio, com a também espanhola Renfe, estatal operadora de trens. Os japoneses da Mitsui estão formando um consórcio em associação com outras grandes companhias daquele país, como Toshiba, Hitachi e Mitsubishi Heavy Industries.
Os sul-coreanos, liderados por Samsung, LG e Hyundai, estão em processo de definição de dois representantes locais e ainda pretendem firmar parceria com uma empresa especializada em concessão. O grupo já desembolsou em estudos do TAV brasileiro cerca de US$ 10 milhões desde 2006.
Além do fornecedor da tecnologia, todo consórcio deve ter – como sócio ou subcontratado – um operador especializado, experiência que só existe no exterior. A maioria das cerca de 50 companhias operadoras pelo mundo é estatal – um obstáculo a mais para o projeto brasileiro.
“As estatais existem primeiramente para cumprir uma função social, não para dar lucro. Ficaria difícil explicar, para a população de determinado país, um investimento grande sendo feito fora de seu território”, resume Letícia, do Siqueira Castro.
Pelo montante a ser aplicado pela concessionária (cerca de R$ 9 bilhões), fontes da área jurídica dizem que os consórcios devem ser liderados por empresas com perfil investidor – como subsidiárias de grandes grupos originados da construção pesada, além de companhias especializadas em concessão de transportes e fundos de investimento.
Dentre as candidatas de concessão, Odebrecht Transport, CCR (de Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa) e Invepar (de fundos de pensão e da OAS) estão interessadas. Já descartaram participação OHL Brasil, EcoRodovias e Triunfo Participações e Investimentos.
No ramo da construção, estão interessados Queiroz Galvão, CR Almeida e o grupo Galvão. “Somos interessados, inclusive na concessão. Cada vez mais queremos estar em projetos em que podemos prestar serviços [em vez de atuar apenas na construção]“, diz o presidente do grupo Galvão, Dario Galvão, que ainda espera as regras definitivas.
Pelo volume de investimentos, o número de concorrentes deve ser menor que o dos aeroportos – quando 28 empresas e fundos de investimento, em 11 consórcios, apresentaram propostas. Fonte que assessora uma empresa arrisca um número: quatro consórcios.
Para Luciano Amadio, presidente da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), o número de concorrentes pode aumentar. “Concessão hoje é muito disputada. Pequenas e médias se juntam e mesmo quem não atua em concessão hoje pode passar a atuar”, diz.
O governo também está exigindo a presença de um operador especializado – algo presente também no leilão dos aeroportos, em fevereiro. A diferença é que, agora, o Planalto está “filtrando” os operadores antes da disputa, exigindo pré-requisitos. Se no caso dos aeroportos o objetivo era dar celeridade ao processo, agora o governo busca o “estado da arte” da tecnologia.
A minuta do edital exige uma experiência de dez anos – o que elimina o operador da Coreia do Sul, o Korea Railroad Corporation, que está na atividade desde 2004. Fontes acreditam que o governo vai flexibilizar as regras, fazendo com que a condição de dez anos de experiência possa ser aceita até o início da operação – prevista para 2020. Segundo especialistas, a experiência coreana é importante por ser similar ao projeto brasileiro, com topografia desfavorável.
Os operadores japoneses se destacam, já que o país foi o pioneiro em trens de alta velocidade. O chamado Shinkansen, na rota entre Tóquio e Osaka, foi inaugurado em 1964, com velocidade máxima de 270 km/h.
O operador também não pode ter registrado acidentes fatais há uma década – o que elimina o chinês China Railways, que registrou um acidente em 2011 com 33 mortos. “O governo está colocando como elemento fundamental a segurança da operação”, diz Roberto Dias David, gerente executivo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
O governo também exige que o capital mínimo da sociedade deve ser de R$ 1,5 bilhão – o que deve barrar competidores de pequeno porte. “É um projeto para onde estão sendo destinados grandes aportes públicos, então é uma forma de conceder para quem tenha solidez”, diz a advogada Maria Virgínia Mesquita, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. “[A regra] atende a própria lei de licitações, que demanda a melhor proposta”, completa a advogada Ana Carina de Souza.
Apesar dos pré-requisitos, o critério final para a escolha do consórcio será o preço. Uma fórmula classificará os candidatos com base em dois critérios principais: maior valor de outorga paga ao governo e, paralelamente, menor custo decorrente da tecnologia escolhida pelo consórcio – número que deve ser apresentado pelo proponente.
O vencedor arcará com a chamada “superestrutura”, o que inclui material rodante (trens), via permanente (trilhos e dormentes), proteção acústica da via e equipamentos de manutenção. O custo previsto é de R$ 8,75 bilhões, sendo 70% financiados pelo BNDES.
A estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL) terá 10% da concessionária, conforme explica Fernando Marcondes, do L.O. Baptista SVMFA Advogados. (Colaborou Ivo Ribeiro, de São Paulo)
Fonte: Valor, Por Fábio Pupo
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