segunda-feira, 8 de abril de 2013

Novo aeroporto vira mato em Goiânia


O esqueleto de concreto em que se transformaram as obras do aeroporto de Goiânia, há seis anos paradas: quatro presidentes da Infraero já tentaram retomá-la. Foto: Daniel Rittner
Era para ser um novo aeroporto, com terminal de passageiros quase três vezes maior do que o atual, do outro lado da pista de pouso e decolagem. Hoje, no entanto, tudo o que se vê é um esqueleto de concreto, às margens da BR-153, uma das rodovias mais movimentadas do Centro-Oeste.
No exato local onde deveria haver balcões de check-in, o mato cresce descontroladamente, enquanto teias de aranha desencorajam a aproximação. Um antigo alojamento, que servia como apoio aos trabalhadores nos canteiros, ganhou ares de vila fantasma, com entulho acumulado e placas derrubadas pelos temporais.
Parece cenário de um filme de terror. O novo aeroporto de Goiânia, que atinge hoje a incrível marca de 2.174 dias de obras paradas, transformou-se em um monumento à ineficiência estatal em ampliar seus serviços de infraestrutura.
Desde abril de 2007, quatro presidentes da Infraero já tentaram retomar as obras, sem sucesso. O contrato previa a construção de um novo terminal de passageiros, pátio de aeronaves, pistas de táxi, sistema viário e estacionamento de veículos.
Na prática, todo o aeroporto mudaria para o outro lado da pista, aposentando o acanhadíssimo terminal existente. Mas os trabalhos foram interrompidos, em meio a um festival de suspeitas de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com apenas 33% de execução.
O problema é que, enquanto não se resolvia o impasse em torno das obras abandonadas, a demanda cresceu a um ritmo anual de 20% e o terminal antigo ficou ainda mais apertado.
“Isso aqui é uma catástrofe”, protesta Ivanilde Silva, funcionária de uma agência de viagens espremida na entrada do aeroporto. “A limpeza é muito precária, faltam lanchonetes e o terminal está saturado.”
Ivanilde diz que só acredita na ampliação do aeroporto, depois de tantas idas e vindas, quando ela estiver pronta. A malfadada história do novo terminal começou com a assinatura de um contrato pela Infraero, no valor de R$ 257,7 milhões, com um consórcio da Odebrecht com a Via Engenharia.
As obras tiveram início em março de 2005 e deveriam terminar em três anos. Em 2006, receberam um aditivo, aumentando para R$ 287,6 milhões.
Desde então, o que se vê é uma sequência infindável de denúncias, brigas judiciais e promessas descumpridas. O TCU atirou a primeira pedra. Em uma auditoria de fiscalização, encontrou 13 irregularidades nas obras, das quais 11 foram consideradas graves.
Para o tribunal, havia indícios de sobrepreço no valor de R$ 66,6 milhões e “significativas” alterações do projeto usado na licitação, o que levou à ordem de retenção cautelar de 20,23% dos valores a serem pagos pela Infraero às empreiteiras.
Alegando “extrema insegurança jurídica” e sem receber mais nenhum centavo, o consórcio construtor abandonou os canteiros, em 25 de abril de 2007. Daqui a duas semanas, completam-se nada menos que seis anos de paralisação.
Nada que se tenha feito desde então permitiu a retomada. A insatisfação dos goianos é tão grande que o prefeito da capital, Paulo Garcia (PT), chegou a pedir à presidente Dilma Rousseff que o aeroporto fosse simplesmente privatizado.
Técnicos da Secretaria de Aviação Civil e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) simpatizavam com a ideia, mas Dilma não lhes deu ouvidos.
As empreiteiras levaram o caso à Justiça Federal e cobram, nos tribunais, o pagamento pela Infraero de quase R$ 11 milhões por serviços executados. A estatal discorda e acredita que já pagou tudo o que devia.
“Duas perícias judiciais já foram feitas, mas não houve acordo em torno dos valores”, diz Cleyton Teodoro, gerente de empreendimentos do aeroporto de Goiânia.
Enquanto as partes não se acertam, o canteiro segue intocável, a fim de não alterar provas. “É como a cena de um crime. Até a Justiça se pronunciar, mesmo se fizermos uma nova licitação, ninguém poderá instalar suas máquinas por aqui”, comentou Teodoro, durante uma visita às obras abandonadas.
Para diminuir a sensação de aperto no terminal antigo, a Infraero construiu um “puxadinho” para ser usado como sala de embarque, que acrescentou uma área de 1,2 mil metros quadrados à estrutura existente.
Graças ao módulo operacional provisório e a mudanças nos cálculos de horas-pico, a capacidade do terminal passou de 600 mil para 3,5 milhões de passageiros por ano, mas quem usa o aeroporto ainda reclama da falta de comodidade.
“O aeroporto melhorou um pouco com o puxadinho, mas continua sendo um desastre”, diz o engenheiro Fábio Gervásio, morador de Belo Horizonte e executivo de uma mineradora, que usa o aeroporto pelo menos uma vez por mês. “Pelo tamanho da cidade, Goiânia merecia algo melhor. Não conheço nenhuma capital brasileira de médio porte que tenha instalações tão ruins.”
De 2006 a 2012, a movimentação anual de passageiros subiu de 1,37 milhão para 3,07 milhões, tornando o gargalo ainda mais evidente. O secretário estadual de Infraestrutura, Danilo Freitas, lembra que Goiás foi o Estado onde a indústria mais cresceu no ano passado e tem aumentado a captação de investimentos.
Para ele, a restrição de capacidade do aeroporto prejudica esse desenvolvimento, já que dificulta a maior oferta de voos e oferece uma vitrine ruim.
Em 2010, a fim de retomar as obras paradas do novo aeroporto, a Infraero assinou um termo de cooperação com o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército.
Os militares iam atualizar o projeto básico e concluir o projeto executivo de engenharia do empreendimento, mas também não conseguiram entregar o prometido, nem mesmo com um adiamento dos prazos. Até janeiro, concluíram apenas 53% dos trabalhos e encerraram a cooperação com a Infraero, sem a tarefa cumprida.
A última tentativa de solução é uma espécie de volta às origens. O consórcio construtor assinou um termo de acordo preliminar, com a Infraero, para complementar o projeto de executivo e torná-lo referência para a retomada das obras.
As empreiteiras já entregaram a primeira parte dos trabalhos, e a perspectiva é de que o TCU faça nas próximas semanas o reexame do assunto.
Em nota, a Odebrecht disse acreditar “de boa-fé” na possibilidade de um acordo para a conclusão das obras com base no projeto atualizado, mas chamou a atenção para fatores que “têm contribuído para a morosidade das obras”, como a falta de um referencial de preços específicos para intervenções em aeroportos.
Fonte: Valor Econômico, Por Daniel Rittner

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