- Do
A edição de domingo do jornal O Globo trouxe uma
manchete com tom alarmista: “Caos logístico faz Brasil perder R$ 6,6 bi na soja ”. O jornal
afirma que “com estradas federais esburacadas, falta de armazéns e burocracia
nos portos, o Brasil sofre prejuízo de R$ 6,6 bilhões por ano nas exportações de
soja, segundo especialistas”.
O problema é que a matéria tem omissões e
informações sem fundamentos, como bem ressalta José Augusto Valente,
diretor-executivo do Porta T1. Ele escreveu um minucioso artigo sobre o tema,
que agora divido com vocês.
A reportagem não trata devidamente da questão dos
silos, do regime de quase-escravidão dos motoristas de caminhões e dos
investimentos em rodovias. Leia abaixo esse importante artigo
Matéria do jornal O Globo de hoje, com o título
“Caos logístico faz Brasil perder R$ 6,6 bi na soja”, tem omissões importante e
algumas afirmações que carecem de fundamentação, não ajudando no diagnóstico e,
portanto, na solução dos problemas da cadeia logística da soja.
1. Como funciona a cadeia logística da
soja?
A soja produzida por dezenas de produtores rurais
é comprada pelos embarcadores, que são as empresas que comercializam esse grão.
Alguns embarcadores têm armazéns (silos) suficientes para guardar toda a
produção comprada e regular o fluxo dela em direção aos centros de processamento
da soja, para o mercado interno brasileiro, e em direção aos portos marítimos e
fluviais como Paranaguá, São Francisco do Sul, Santos, Santarém e Porto Velho,
entre outros, para exportação.
Nos Estados Unidos, há uma capacidade instalada
de silos na proporção de cinco para um. Ou seja, se o país produz 100 milhões de
toneladas, a capacidade de silagem é de 500 milhões.
Infelizmente, no Brasil, os embarcadores não
investem na construção de silos para os grãos (especialmente soja e milho). A
capacidade instalada de armazenamento é metade do volume produzido: pouco mais
de 40 milhões de toneladas para uma produção de 80 milhões.
Desse modo, os caminhões são transformados em
silos ambulantes. A matéria, no entanto, não fala nada sobre isso e dá a
entender que armazenagem é problema do governo federal. A matéria poderia,
inclusive, apurar como é feito nos EUA e veria que lá eles dão conta desse que é
um dos principais pilares da cadeia logística de grãos.
Esses caminhões iniciam viagem em direção aos
portos, independentemente de ter ou não autorização para tal. O que está errado
e a matéria não diz isso. Já faz tempo que o então governador Requião instituiu
a correta norma de que caminhões somente poderiam ser liberados na sua origem,
em direção ao porto de Paranaguá, quando autorizado, forçando os embarcadores a
construir silos. Santos, entretanto, somente agora está estudando aplicar essa
norma.
Os portos graneleiros, por sua vez, não têm
capacidade ilimitada de armazenar soja (bem com milho e açúcar) e muito menos de
embarcar. É assim no mundo todo. Ninguém constrói estruturas caríssimas como são
os terminais graneleiros para funcionar em três meses de pico e ficar ocioso nos
outros nove meses do ano.
Por outro lado, os navios, que vêm buscar soja
para levar para os países consumidores, têm como missão sair daqui completamente
carregado, não importando se há janela disponível para atracação ou não. Assim,
tecnicamente, os navios que ficam até trinta dias aguardando fundeados, não
podem ser considerados com atraso de atendimento. Essa escolha é deles, não do
porto. Assim mesmo, para eles não há alternativa e eles preferem ficar esperando
na baía. Muitas vezes, a soja que vieram buscar ainda não está disponível no
estoque.
2. O regime de “quase-escravidão” dos
motoristas de caminhão
O caminhão até aqui é o responsável pelos longos
deslocamentos dos centros produtores até os portos. Tem sido assim devido às
condições “quase escravas” a que são submetidos os motoristas. Dirigem por mais
de vinte horas, com pequenas paradas para descanso; vendem seu frete por preços
aviltados; viajam com excesso de carga tornando o veículo menos governável e
danificando seriamente as estradas; morrem e matam diariamente nos seus
trajetos; e, como são silos ambulantes, têm que esperar, às vezes, vários dias
estacionados em algum lugar, em condições sub-humanas, aguardando autorização
para descarregar. Muitas vezes, têm que aguardar mais dois ou três dias até
conseguir carga de volta, pois a “máquina” de embarcar soja não para de
funcionar e precisa dele lá na origem.
Entretanto, com a nova lei de direção, que não
permite esse regime de trabalho “quase-escravo”, essa condições vão mudar e,
consequentemente, “encarecer” o frete. Como o motorista não poderá dirigir mais
que dez horas, decorrerá a necessidade de ter um segundo motorista, caso se
queira fazer a viagem sem interrupção. Como é em qualquer país minimamente
civilizado.
3. Como está a infraestrutura logística
da cadeia logística da soja?
É verdade que as estradas no interior de Mato
Grosso e Goiás têm vários trechos estaduais e federais em más condições. Mas, é
fato, também, que grande parte dos trechos que os caminhões utilizam, de Goiás
para o Sul, têm boas condições de trafegabilidade, especialmente nas rodovias
federais em Goiás, Minas, São Paulo e Paraná.
Mas esse não é um dos principais problemas. Grãos
não podem ser transportados por mais de 200km em caminhões. Eles precisam de
ferrovias e hidrovias, para percursos de grande distância.
Entretanto, o governo FHC não investiu em
ferrovias e hidrovias para atender as necessidades de um futuro que já se
visualizava nos anos 80-90. A Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, obra iniciada no
governo Sarney, parou durante os anos 90 e somente voltou a ser construída no
primeiro mandato do presidente Lula. Idem em relação à Transnordestina.
4. O que nos reserva o
futuro?
Atualmente, estão em execução as ferrovias
Oeste-Leste (FIOL), na Bahia, e a de integração do Centro-Oeste (FICO). No
entanto, a demanda ainda é grande e essas obras levam tempo para construir e
entrar em operação. Idem em relação a algumas hidrovias, como Araguaia-Tocantins
e Teles Pires-Tapajós.
Completando a pavimentação da BR-163/MT/PA, em
2014, grande parte da produção de soja do nordeste do Mato Grosso sairá
totalmente pelos terminais de Miritituba e Santarém, ambos no Pará. O que
reduzirá bastante a pressão sobre os terminais de Santos e Paranaguá. Mas ainda
será utilizado o caminhão, até que a hidrovia Teles Pires-Tapajós esteja em
operação.
De todo modo, nos próximos cinco anos, ainda
teremos que conviver com essa situação de ineficiência logística. Que será
bastante atenuada se o governo Dilma lançar um programa de forte indução à
construção de silos para granéis comestíveis. É assim que funciona nos países
desenvolvidos!
José Augusto Valente – Diretor Executivo
do Portal T1
Nenhum comentário:
Postar um comentário