Quinta-feira à tarde, véspera da Sexta-feira da Paixão. A rodovia Cônego Domenico Rangoni, que liga a capital de São Paulo a Guarujá e Cubatão, no litoral, tem 6 quilômetros de caminhões parados em direção ao porto de Santos, o maior do país.
No mesmo horário, a avenida Santos Dumont, em Guarujá, em cuja margem estão os maiores terminais de grãos e de contêineres do porto, está com o tráfego livre.
A chegada ao terminal da Cutrale, que no calor das discussões foi apontado como um dos “vilões” dos congestionamentos de mais de 20 quilômetros que se formaram nas últimas semanas na Cônego por supostamente receber mais carretas do que o programado, mostra que o debate sobre esse gargalo está fora do eixo. Nos quase 600 metros entre a avenida e o portão de acesso à instalação da empresa não há qualquer veículo. Nem dentro do terminal.
O cenário abre a discussão e, para especialistas, mostra que são variadas – e provocadas por fatores conjunturais e estruturais – as causas das filas que travaram o acesso rodoviário à Baixada Santista e expuseram as deficiências da infraestrutura de transporte brasileira. E que não há fórmula pronta para evitá-las.
“O problema é conjuntural”, sustenta Renato Barco, presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Segundo ele, tudo começa com a supersafra, passa pela falta de silos na origem, esbarra no desequilíbrio da matriz logística de escoamento – que pretere ferrovias e hidrovias e preserva o papel das rodovias – e desemboca em acessos escassos. “O porto acaba levando a fama de vilão, mas tem de estar muito claro que estamos sofrendo principalmente com relação à acessibilidade ao porto”, afirma Barco.
Assim, boa parte da safra brasileira de soja destinada à exportação – cerca de 30% dos embarques do grão são em Santos -, por exemplo, depende hoje de um funil de 1.100 metros batizado como “Rua do Adubo” para acessar a zona portuária de Guarujá.
É essa via urbana que distribui todo o fluxo de cargas do comércio exterior brasileiro movimentado pela margem esquerda de Santos. Coisa de 4 mil caminhões por dia.
Segundo Ronaldo José da Silva, responsável por operações portuárias da Cutrale, há espaço de sobra no terminal da companhia. Há capacidade para receber 300 caminhões por dia no local, mas o número está bem abaixo disso.
“Estamos operando cerca de 180 caminhões por dia”, diz, mostrando uma planilha com a média diária desde que a instalação, especializada na exportação de suco de laranja, foco da empresa, passou a operar também com grãos neste ano, em 24 de janeiro. Por hora, a oferta é para 750 toneladas.
A Cutrale afirma que tem controle da carga desde a origem até a chegada ao porto. Conforme Silva, o transporte é agendado no site da empresa. Se o caminhão é liberado na origem, o “gate” do terminal em Guarujá tem o controle do veículo que está programado para aquele dia. “A gente trabalha, no máximo, com 70% de nossa capacidade. Se você observar, o terminal está sem fila, ocioso. E os bolsões estão vazios”.
Renato Barco, da Codesp diz que uma das metas deste ano é fazer com que 100% dos terminais do porto interliguem seus dados de agendamento à central da estatal. Hoje, entre 65% e 70% dos terminais fazem isso.
Como o terminal da Cutrale em Guarujá é privativo, a empresa não tinha essa interface com a autoridade portuária, apesar de estar dentro do porto organizado. Agora terá, diz Barco. De acordo com ele, tanto terminais arrendados como os privativos têm se mostrado empenhados em resolver logo essa questão.
O terminal da Cutrale é especializado em suco de laranja a granel concentrado e integral, destinado especialmente à Europa. A decisão de embarcar grãos – sobretudo soja, mas também milho -, foi uma forma de otimizar a instalação. Uma oportunidade de mercado, já que o CPP (Citrus Pulp Pellets), também conhecido como farelo de polpa cítrica, deixou de ser exportado.
O terminal em Guarujá é um dos três que a Cutrale, com sede em Araraquara, no interior paulista, tem no porto de Santos, por onde a empresa escoa a produção de suas seis fábricas de suco. A unidade de Guarujá é a única que embarca soja e milho.
A instalação fica entre o terminal da Dow Química e a favela de Conceiçãozinha. Tem 172 mil metros quadrados e 40 mil metros quadrados de área construída. Desde janeiro, os embarques de grãos se alternam com os de suco, de acordo com a demanda. Nesta véspera de feriado, o embarque é de soja.
Desde 26 de março, o navio “STX Dynamic” está atracado no cais da Cutrale embarcando soja. O destino é a China. Até 11 de abril o berço privativo só receberá embarcações para transporte de granel sólido. O berço tem 260 metros extensão e 13,3 metros de profundidade na maré alta.
No total 66 mil toneladas serão embarcadas no cargueiro. Por dia, são carregadas de 15 mil a 17 mil toneladas, se não chover – e choveu bastante nas últimas semanas. Ao menor sinal de água, a tripulação fecha o porão do navio para evitar que a soja fermente. O terminal tem dois armazéns para grãos, cada um deles para 75 mil toneladas estáticas.
A carga vem do interior dos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Sozinho, Mato Grosso responde por pelo menos 50% do total enviado. Neste ano, em três meses, a Cutrale já recebeu 407 mil toneladas, mais do que o operado no ano passado inteiro, quando 405 mil toneladas chegaram ao terminal. A expectativa é exportar mais de 1 milhão de toneladas de grãos nesta safra. Cerca de 80% da soja chega por caminhão e 20% por trilhos.
“Nossa capacidade ferroviária está ociosa. Os produtores reclamam que faltam vagões”, diz Silva, da Cutrale. Existe um ramal que acessa o terminal. A oferta é para descarregar de 60 a 80 vagões por dia. “Estamos fazendo apenas 30% disso”.
Cada caminhão que chega dá entrada no “gate”. Se os dados batem com os da agendamento prévio, ele é destinado a uma fila no bolsão para pesagem na balança. Em seguida, é feita a classificação do grão.
O sistema de amostra é realizado por uma empresa terceirizada credenciada pelo Ministério da Agricultura. A soja brasileira exportada é do tipo II, que não é para consumo final e precisa ser reprocessada. Uma vez liberado, o caminhão pode descarregar.
No terminal da Cutrale, a área de descarga é um espaço de 16 metros por 50 metros, no meio dos dois armazéns. Tem seis vagas para vagão ou duas para caminhão. O grão é descarregado no chão.
A área é “gradeada” e a carga escorre caindo numa correia transportadora subterrânea, que a distribui para os armazéns. O acesso ao interior dos armazéns é por uma torre de 16 metros chamada de “elevador de caneca”, que despeja os grãos nos armazéns.
Cada armazém tem 40 moegas (bocas no chão). O grão é transportado por correias que desembocam em outro elevador de caneca que leva, agora por cima, até o “shiploader”, o carregador de navio, já no cais. O shiploader trabalha a uma vazão de 1 mil toneladas. Mas às 19 horas desta quinta-feira está chovendo e a operação está parada.
Fonte: Valor Econômico, Por Fernanda Pires
Nenhum comentário:
Postar um comentário