A rodovia que liga Manaus a Porto Velho não chegou à situação caótica em que está hoje apenas por conta do clima hostil que a Amazônia reserva para qualquer asfalto que se meta em seu caminho. Tampouco pode-se resumir a situação ao esgotamento de recursos e à irresponsabilidade do governo militar.
Boa parte do descaso histórico que transformou a BR-319 em um golpe no bolso do cidadão também pode ser explicada pela falta de viabilidade econômica da estrada e do alto custo para manter em condições razoáveis uma rodovia aberta numa região onde o volume médio de chuva chega a atingir 3 mil milímetros por ano, mais de duas vezes a média de São Paulo.
Ao contrário da maioria das obras de infraestrutura de transporte realizadas no país, a BR-319 nunca foi objeto de um plano detalhado de viabilidade financeira. Se tivesse sido, certamente o cenário econômico não seria dos mais atrativos. Enquanto a estrada apodrecia nos últimos 30 anos, outras alternativas de escoamento se consolidavam.
Hoje, a hidrovia do Madeira – que começa em Porto Velho e corre paralelamente à estrada, numa distância média de 50 a 100 quilômetros – segue navegável até a sua foz, próxima aos portos de Manaus e Itacoatiara, á no rio Amazonas.
A viagem pelo Madeira já se consolidou como uma rota competitiva para o transporte das commodities agrícolas que saem do Mato Grosso e acessam a hidrovia a partir de terminais de grãos erguidos em Porto Velho.
Quem dá o tom é o senador e ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi (PR-MT). Um dos maiores produtores agropecuários do país, ele não titubeia ao ser questionado se passaria a utilizar a BR-319 como rota de escoamento rodoviário, caso a rodovia estivesse hoje em perfeitas condições de uso. “Sinceramente, eu não usaria. Temos outros caminhos mais viáveis”, diz.
A situação não muda de figura no outro extremo da rodovia, onde está localizada a Zona Franca de Manaus. Os produtos industrializados que hoje deixam Manaus em milhares de contêineres buscam apenas dois caminhos: o transporte por avião, ou a descida pelo rio Amazonas, até chegar a Belém e, a partir daí, o transporte por caminhão para todo o país.
“O fato de a rodovia não ter hoje forte vocação para carga não significa que ela não seja necessária”, afirma Maggi. “Sempre há espaço para o transporte de alguns produtos, principalmente os de maior valor agregado. Além disso, todo cidadão deve ter direito a serviços básicos, como água, energia, educação ou comunicação. Não há por que ser diferente quando o assunto é transporte.”
Nos anos em que esteve em operação, entre 1973 e 1988, a rodovia Porto Velho – Manaus chegou a incomodar muita gente, principalmente donos de balsas que faziam o transporte de produtos e pessoas pelo rio Madeira. Corre a história de que balseiros, preocupados com a competição que a estrada iria gerar, chegaram a contratar tratores para arrancar o asfalto.
Em diversos trechos da rodovia é possível ver cortes precisos, com trechos de terra e pedaços de asfalto ainda em bom estado. Quem vive nas margens da estrada desde aquela época afirma que as máquinas entravam no trecho, jogavam o asfalto para o acostamento e sumiam, sem dar explicações. Os balseiros não confirmam.
Fonte: Valor Econômico, Por André Borges
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