Um consultor investigado pela Polícia Federal sob a suspeita de ter intermediado o pagamento de propina da Alstom para políticos tinha um parceiro na cúpula da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do governo paulista, que lhe fornecia dados internos do Metrô e da CPTM.
O acesso privilegiado do consultor José Fagali Neto foi revelado por sua ex-secretaria Edna Flores, em depoimento aos Ministérios Públicos federal e estadual. Ela entregou e-mails que comprovam a relação.
As mensagens também mostram a proximidade de Fagali Neto com consultores e empresas investigados pela PF e o Ministério Público pela suposta formação de cartéis no sistema de trens do Estado entre 1998 e 2008, segundo a delação feita pela Siemens em maio deste ano.
A ex-secretária disse à Folha que o engenheiro Pedro Benvenuto, atual secretário-executivo do conselho gestor de Parcerias Público-Privadas da Secretaria do Planejamento do governo Alckmin, frequentava o escritório de Fagali Neto em 2006 e 2007.
Na época, Benvenuto era coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Transportes Metropolitanos. Metrô e CPTM são empresas ligadas à secretaria. Em 2006, Geraldo Alckmin (PSDB) era o governador; José Serra assumiu em 2007.
“Ele às vezes usava o meu computador para alterar dados de planilhas de assuntos que ele tinha com o Fagali”, diz Edna. Segundo ela, Fagali mandava-a para o shopping quando executivos da Bombadier iam ao escritório.
Mensagens
Em julho de 2006, Benvenuto transmitiu a Fagali Neto cópia de um e-mail com discussões e planilhas sobre o Programa Integrado de Transportes Urbanos do governo até 2012. Na época, os dados públicos sobre gastos do Metrô, reunidos no Plano Plurianual, só iam até 2007.
Em setembro de 2006, a um mês das eleições para o governo do Estado, Benvenuto usou um e-mail pessoal para encaminhar a Fagali um plano de ações da futura gestão na área de transportes.
Um conjunto de e-mails reunido pela secretária também mostram que empresas como Bombardier e Tejofran contrataram os serviços de Fagali Neto para tentar conquistar uma parceria público-privada com a CPTM para reformar trens da série 5000 –um negócio que poderia alcançar R$ 1 bilhão.
As duas empresas são acusadas pela Siemens de fazer parte de um cartel que atuava no Metrô, na CPTM e no governo do Distrito Federal.
Em um e-mail de novembro de 2007, o diretor de novos negócios na Tejofran, Telmo Porto, escreveu diretamente a Carlos Levy, presidente da Bombardier na época: “Preocupa-me a divisão do nosso grupo na PPP-5000, pois temo que dissidência inicial crie concorrente forte”.
O negócio, porém, não foi adiante. O Metrô preferiu comprar trens a reformá-los.
O consultor Fagali Neto tinha intimidade com o setor. Seu irmão, José Jorge Fagali, foi gerente financeiro do Metrô em 2006 e presidente da empresa entre 2007 e 2010.
Em razão da suspeita de o consultor ter intermediado propinas da Alstom, o governo da Suíça bloqueou uma conta atribuída a ele, com saldo de US$ 6,5 milhões.
Outro lado
O engenheiro Pedro Benvenuto disse em nota que nunca divulgou dados sigilosos do Metrô ou da CPTM. Ele não quis responder se frequentava o escritório de Jorge Fagali Neto nem se alterava planilhas de interesse dos clientes do consultor.
Benvenuto diz ter conhecido Fagali Neto em 1991, na então Secretaria de Transportes Urbanos. Conta ainda que, em 2006, não tinha ingerência sobre editais ou licitações.
A Secretaria de Transportes Metropolitanos diz que todos os dados enviados por Benvenuto eram públicos. A reportagem da Folha quis saber em quais documentos estavam os investimentos e recebeu reposta genérica: nos planos plurianuais e nos orçamentos. A reportagem não conseguiu localizar os valores em documentos públicos.
O advogado Belisário dos Santos Jr., que defende Jorge Fagali Neto, acusou Edna Flores de tentar chantagear seu cliente com pedido de “elevada soma de dinheiro” para não entregar dados de agenda e e-mails à polícia e à imprensa. Como ela não recebeu nada, ele diz que a ex-secretária então ajuizou ação trabalhista contra o consultor.
Santos Jr. não respondeu a uma série de questões enviadas por escrito sobre o conteúdo dos e-mails e do depoimento prestado por Flores.
O advogado diz ainda que os e-mails foram obtidos de “forma ilícita e fraudulenta” porque Edna induziu o provedor [da conta na internet] a erro.
A ex-secretária afirma que teve acesso aos e-mails por causa de sua função, exercida por três anos. Ela diz que procurou Fagali para tentar um acordo na ação trabalhista, mas nega chantagem.
A Bombardier afirmou que decidiu não participar do projeto relatado nos e-mails. A Tejofran diz que Fagali Neto estava fora do serviço público e que, por isso, não havia qualquer impedimento para a sua contratação.
Fonte: Folha de S.Paulo, Por Flávio Ferreira, Mario Cesar Carvalho e José Ernesto Credendio
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