Sem fechar as portas para novas concessões de aeroportos no futuro, o governo anunciou ontem as regras básicas para transferir a administração do Galeão (RJ) e de Confins (MG) à iniciativa privada, com exigências maiores do que no primeiro grande
leilão do setor. As novas licitações estão previstas para setembro de 2013.
Na prática, a barreira de entrada definida para esse segundo lote de privatizações restringirá o certame a um grupo restrito de 13 operadoras internacionais, no máximo. Além de exigir que os grupos formados para disputar o Galeão e Confins tenham uma empresa com experiência em administrar aeroportos de 35 milhões de passageiros, no mínimo, essa operadora estrangeira deverá ter pelo menos 25% de participação acionária nos consórcios.
Na primeira rodada de concessões – Guarulhos, Viracopos e Brasília -, a exigência era de 5 milhões de passageiros anuais e participação de 10%. Os atuais controladores desses aeroportos ficaram impedidos, conforme antecipou o Valor na terça-feira, de disputar o Galeão e Confins.
Só gigantes do setor, como a alemã Fraport e a anglo-espanhola BAA, poderão participar das novas concorrências. A mexicana Asur, que participou sem sucesso do primeiro leilão, não atende às exigências e está automaticamente fora da próxima disputa.
Também não preenchem os requisitos mínimos nenhuma das três operadoras que assumiram recentemente os aeroportos de Guarulhos (a sul-africana ACSA), de Viracopos (a francesa Egis) e de Brasília (a argentina Corporación América). Seus aeroportos mais movimentados recebem entre 5,5 milhões e 18,6 milhões de passageiros por ano.
A presidente Dilma Rousseff fez questão de explicar ela mesma, em discurso no Palácio do Planalto, os motivos de apertar as regras. “Não temos tradição de operar aeroportos privados. Nós queremos que essa tradição se crie e se fortaleça”, disse Dilma.
“Queremos fortalecer e fazer com que seja mais rápida a nossa apropriação das melhores práticas”, continuou. Para a presidente, o Brasil deve “construir grandes operadores” e tem grupos privados de grande porte com condições de cumprir esse papel, mas que precisam se associar a
empresas com experiência em administrar os maiores aeroportos do mundo para adquirir o know-how necessário. E sugeriu que não haverá dificuldade em encontrar interessados no mercado. “Os aeroportos brasileiros são um ótimo negócio”, frisou.
Com as exigências anunciadas por Dilma, um conjunto seleto de operadoras internacionais se habilita a participar da concorrência pelo Galeão e por Confins, aliando-se às empreiteiras nacionais.
Ao todo, segundo levantamento feito pelo Valor com base nos números do Conselho Internacional de Aeroportos (ACI), 33 aeroportos no mundo têm movimentação superior a 35 milhões de passageiros por ano. Mas a maioria deles, como o de Atlanta ou o de Tóquio, é operada por órgãos locais sem nenhuma pretensão de se internacionalizar.
Depois do primeiro pente-fino, restam 15 operadoras, mas três delas têm uma associação estratégica e devem participar juntas da disputa pelo Galeão: a francesa Aéroports de Paris, a holandesa Schiphol e a turca TAV.
Além delas, o grupo das habilitadas é formado por outras 12 empresas: Ferrovial / BAA (Inglaterra), Fraport (Alemanha), Dubai Airport (Emirados Árabes), Aena (Espanha), AOT (Tailândia), Changi (Cingapura), ADC&HAS (Estados Unidos), Munich (Alemanha), Malaysia Airports (Malásia), ADR (Itália), Hochtief (Austrália) e Incheon (Coreia do Sul).
O cronograma apresentado pelo ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, é ambicioso e começa com a apresentação dos estudos de viabilidade econômica.
Eles deverão ser concluídos em abril e vão permitir ao governo fixar os valores mínimos de outorga para o Galeão e Confins, bem como a duração dos contratos de concessão. Os editais saem em agosto e os leilões ocorrem em setembro.
A previsão feita por Bittencourt é que os investimentos ao longo das duas concessões atinja R$ 11,4 bilhões em modernização e ampliação da capacidade – R$ 6,6 bilhões no Galeão e R$ 4,8 bilhões em Confins. O BNDES deverá financiar aproximadamente dois terços do montante total.
Dificilmente, conforme reconheceu o próprio ministro, as futuras concessionárias terão tempo suficiente para fazer grandes intervenções até a Copa do Mundo de 2014. “Não existe nenhuma preocupação. Essas concessões não estão sendo feitas para a Copa. A Infraero já tem tomado todas as providências”, afirmou.
A ampliação do terminal 2 do Galeão, por exemplo, deverá ser inaugurada em dezembro de 2013. Também foi dada a largada, pela estatal, no processo de revitalização e expansão do terminal de passageiros de Confins.
Com a exigência de que pelo menos 25% de participação nos consórcios privados caibam às operadoras, os demais 75% podem ficar nas mãos de grupos nacionais, que já se articulam para formar suas alianças. “Todo mundo está conversando com todo mundo. As parcerias mais sólidas tendem a se manter, mas podem ocorrer novas arrumações”, afirma a advogada Letícia Queiroz, do escritório Siqueira Castro, que auxiliou um dos consórcios no primeiro leilão de aeroportos.
O Galeão, segundo o Valor apurou com várias empresas interessadas na próxima rodada de concessões, desperta bem mais interesse do que Confins. Também era prioridade para a Triunfo, controladora do aeroporto de Viracopos, que ficou impedida de participar da concorrência.
Foi ao presidente da Triunfo, Carlo Alberto Botarelli, que Dilma quis dar um recado, em trecho de seu discurso, no Palácio do Planalto. Botarelli havia reclamado de que o governo estava mudando as regras do jogo ao vetar sua participação nos novos leilões.
“Qual foi a regra do jogo?”, questionou Dilma, para responder em seguida. “Quem participasse de Guarulhos não poderia participar de Viracopos, nem de Brasília, nem vice-versa. Que são esses que não podem participar? Os acionistas majoritários, aqueles que detêm o chamado bloco de controle. Essa regra se mantém para o caso de Galeão e Confins. Eu acho muito estranho que digam que nós estamos mudando as regras do jogo”, rebateu.
O consórcio que vencer o leilão, pelo critério de maior valor de outorga, ficará com 51% dos aeroportos. A Infraero mantém participação de 49%. Bittencourt não quis falar sobre novas concessões, mas lembrou que o crescimento do setor aéreo forçará algumas capitais a pensar em novos aeroportos, e disse o governo pode entregar à iniciativa privada a tarefa de construí-los.
Fonte: Valor Econômico, Por Daniel Rittner, André Borges, Rafael Bitencourt e Thiago Resende