Na terça-feira, a presidente Dilma Rousseff resolveu ouvir quatro ministros sobre um assunto do qual vem apanhando injustamente: o leilão do trem-bala. Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Guido Mantega (Fazenda), Miriam Belchior (Planejamento) e César Borges (Transportes) sentaram-se à frente dela para discutir se o governo adiará ou não o leilão do trem de alta velocidade (TAV) que fará a ligação Rio de Janeiro-São Paulo-Campinas. A entrega de propostas está marcada para o dia 16 de agosto. Dilma não tomou uma decisão taxativa, mas está realmente inclinada a suspender o leilão.
É um processo, no entanto, cheio de minúcias – e o adiamento, se concretizado, fará jus à complexidade do empreendimento. A presidente simpatiza com a ideia de adiar a licitação, mas sem jogar a data para daqui a três ou quatro meses.
Diante das críticas ao projeto, Dilma prefere, em caso de adiamento, simplesmente levar o debate sobre a viabilidade do TAV à campanha presidencial de 2014. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato já definido, e o ex-governador José Serra, este ainda um presidenciável, já se declararam contra o trem-bala.
Fazer o leilão agora tem seus riscos. Os espanhóis, que estavam firmes na disputa, ainda sofrem com a ressaca do acidente em Santiago de Compostela. A ministra de Infraestrutura da Espanha, Ana Pastor, mandou uma carta pedindo o adiamento da licitação brasileira.
Os alemães, que haviam desaparecido da contenda, voltaram em cima da hora e percorreram gabinetes de Brasília para dizer que, dentro de quatro meses, são capazes de montar um consórcio encabeçado pela Siemens. Para isso, fazem um apelo por mais tempo e espalharam que, se necessário for, um ofício da chanceler Angela Merkel chegará às mãos de Dilma nos próximos dias.
Sobraram os franceses. A Alstom e a operadora SNCF estão prontas para entregar uma oferta no dia 16. Ao contrário do que se pensa, as chances de sucesso do leilão são altas, ainda que ele tenha um único concorrente.
Os franceses só querem que o governo anuncie logo a entrada de “sócios estratégicos”, basicamente fundos de pensão estatais e o BNDES, no capital da futura concessionária do trem-bala. Com isso, compartilham os riscos na operação do projeto. Aí começam os problemas.
O chamado “fundo noiva”, que casaria com o vencedor do leilão, ainda não foi oficializado, a menos de 15 dias da entrega de propostas. Ele está quase pronto, mas os consórcios terão pouco tempo para estudá-lo e entendê-lo.
Não dá para desprezar também o efeito das manifestações de junho e o clamor por mais investimentos em mobilidade urbana. As ruas têm voz própria, mas os porta-vozes dela correram para interpretar um suposto recado dos manifestantes: eles não querem o trem-bala e essa montanha de dinheiro poderia ser mais bem empregada na ampliação dos metrôs.
Em meio ao custo político de levar adiante o leilão do TAV, mais criticado do que elogiado, Dilma tende a tomar a seguinte decisão: o projeto executivo de engenharia, que está perto de ser contratado pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL), continuará com seus trâmites. Ele dará uma noção exata do custo do empreendimento e de todas as dificuldades para tocar as obras civis. O projeto ficará pronto no fim do ano que vem.
Já o leilão para definir quem vai operar o trem-bala e fornecer toda a tecnologia ficaria suspenso por pelo menos 18 meses. Dilma afaga a ideia de levar o debate sobre o TAV à campanha presidencial que termina em outubro de 2014.
Se ganhar as eleições, terá legitimidade para enfrentar os críticos e fazer o leilão no início de 2015, com uma vantagem: o projeto de engenharia estaria pronto. Se perder para Aécio, por exemplo, que é contra, o trem-bala é simplesmente engavetado.
A última estimativa do governo, atualizada nesta semana, é que construir o TAV exigirá investimentos de R$ 38 bilhões nas obras civis. Os críticos do projeto podem até argumentar que é devaneio gastar tanto dinheiro com outras prioridades pela frente, mas ficarão decepcionados ao constatar que o adiamento não abrirá um centavo a mais no orçamento federal para metrôs ou corredores de ônibus.
A União já tem quase R$ 10 bilhões parados, no PAC Mobilidade Urbana, porque governos estaduais e municipais não conseguiram tirar do papel seus projetos para transportes públicos de massa.
Estão disponíveis para o primeiro que chegar no balcão do Ministério das Cidades. Mas só cinco Estados ou prefeituras, entre mais de 80 propostas selecionadas e com dinheiro a fundo perdido da União, conseguiram fazer o básico do básico: concluir um projeto de engenharia e realmente tirar as obras do papel.
O pior é que a discussão está fora de foco. O trem-bala pode até custar R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões – ninguém sabe ao certo -, mas jamais custaria isso aos cofres públicos. O leilão do TAV tem um valor mínimo de outorga de R$ 30 bilhões. Ou seja, o futuro operador terá que pagar esse montante ao governo. Se nunca ocorrer, é dinheiro que nunca entrará no caixa da União, portanto jamais existirá.
O desenvolvimento do potencial imobiliário no entorno das futuras estações pode render outros R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões. De resto, há financiamento subsidiado do BNDES – como Belo Monte ou as empresas de Eike Batista – e “equity” dos vencedores do leilão, junto com seus sócios estatais (a EPL e os integrantes do fundo noiva).
Ainda assim, é um projeto caro e polêmico. Por tudo isso, e para não contaminar todo o pacote de concessões, Dilma tende a tomar a posição mais cautelosa: deixá-lo para janeiro de 2015.
Fonte: Valor Econômico, Por Daniel Rittner
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