Nenhuma companhia aérea planeja a queda de seus próprios aviões. Então, talvez tenha havido algum exagero retórico de minha parte, ao imputar comportamento criminoso à direção da TAM, devido à queda do avião no aeroporto de Congonhas.
Mesmo assim, não há como deixar de lado as responsabilidades não apenas da companhia como da própria Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
O relatório do acidente aponta erro humano como causa do acidente. Posto que pilotos são submetidos a treinamento continuado, é certo que erros humanos ocorrem em situações de estresse, em que o piloto se vê à frente de um acúmulo de problemas a serem administrados simultaneamente.
No acidente, havia a seguinte confluência de fatores. Nenhum isoladamente explicaria o acidente. A soma deles, sim.
A TAM agiu burocraticamente, tratando cada um dos fatores isoladamente, sem atentar que o perigo estava na confluência de todos eles.
Por exemplo:
1. Reverso travado
A regulamentação autorizava pousar em Congonhas mesmo com os dois reversos travados.
Em julho de 2007, a própria TAM decidiu não mais pousar com reverso travado em pistas curtas. Segundo matéria do Estadão (http://migre.me/atwnA):
A regra vale para todos os vôos, mas é considerada exigência fundamental para operações de aterrissagem e decolagem em aeroportos com pistas curtas, como os de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio. A partir de agora, a TAM só admite voar com o reverso pinado (travado) em aviões que façam escalas apenas em aeroportos com pistas longas e com grandes áreas de escape.
A decisão, que já é do conhecimento da Aeronáutica, e foi confirmada pela própria empresa ao Estado, significa, na prática, que a TAM admite ser perigoso operar em pistas curtas com aviões que não possam usar, como último recurso de segurança, o acionamento dos reversos das turbinas.
Ou seja, houve o reconhecimento que, mesmo isoladamente, o pouso com o reverso travado trazia riscos. Como é possível que uma companhia aérea só tenha acordado para o aumento de risco, com o reverso pinado, depois de um acidente que levou mais de uma centena de vidas?
2. Pistas sem teste de aderência
Na mesma reportagem, constata-se que o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) recomendou, em dias de chuva, a suspensão de todos os voos pela pista principal de Congonhas, até que todos os testes de aderência fossem realizados.
3. Avião super-pesado
O relatório da Cenipa, endossado pelo Ministério Público Federal, não analisou o peso do avião. Ele vinha de Porto Alegre, com os tanques cheios de combustível (enchia-se lá para fugir do ICMS de São Paulo), com todos os lugares lotados, a ponto de alguns passageiros (funcionários da TAM) viajarem na cabine do piloto.
No dia 2 de agosto de 2007, meu blog publicou o seguinte estudo de um leitor de nome Gustavo:
O peso do Airbus da TAM
Enviado por: Gustavo
Vou postar aqui um dado técnico, mais como frustação de não ver a imprensa querendo descobrir algo de fato:
Cálculos sobre o peso do Airbus A320 (Fonte: airbus.com)
Fazendo contas bastante conservadoras (que seguem abaixo com cálculos e dados oficiais), tudo indica que a aeronave da Tam estava acima do limite do peso. Três fatores serão importantes para se confirmar esses dados: 1) o cálculo DETALHADO do peso oficial da aeronave (a ser investigado por algum jornalista interessado), 2) as informações dosfamiliares quanto ao peso da bagagem dos passageiros, e 3) responder se há uma balança que calcule o peso das aeronaves nos aeroportos, se o computador de bordo faz isso, ou se o procedimento é o cálculo mesmo.
Para que o cálculo bruto da Tam (62,7 toneladas) esteja certo, a média de bagagem de check-in para cada passageiro teria que ser de 6,6 kg (excetuando correio e carga, daí o conservadorismo - e sabendo que o limite brasileiro é de 23 kg).
O excesso de peso poderia explicar a provável pane dos computadores (porque, para que as máquinas funcionem bem, é preciso respeitar os limites dentro dos quais elas são projetadas).
Seguem os dados:
Peso máximo de rampa: 77,4 toneladas
Peso máximo de decolagem: 77 toneladas
Peso máximo de aterrissagem: 66 toneladas
Peso máximo com zero combustível: 62,5 toneladas *
Capacidade máxima de combustível: 29.840 litros (23.872 Kg) **
Peso básico operacional (PB): 42,4 toneladas ***
Capacidade de carga paga (peso dos passageiros + bagagens)16,6 toneladas
Capacidade de passageiros recomendada: 150 passageiros
Média de peso por passageiro (incluindo bagagem de mão): 75 kg
* Avião totalmente carregado faltando apenas o combustível nas asas.
** Densidade do querosene: 0,8 g/cm3.
*** É o avião vazio, incluindo fluído hidráulico, óleo, combustível não drenável, poltronas na versão passageiro, e os equipamentos fixos. O PB é informado pela fábrica, mas a aeronave deverá ser eventualmente pesada pois as trocas de equipamentos, pintura, modificações estruturais, grandes revisões, sujidade e umidade acumuladas poderão alterar o PB.
Voo 3054:
Dados da segurança para pouso em Congonhas sem reverso:
Carga máxima: 64,5 toneladas
Peso do avião declarado pela Tam: 62,7 toneladas
Cálculos da pesagem:
Valor do peso do combustível declarado pela Tam: 9,2 toneladas
Passageiros e tripulação: 186 pessoas (186 x 75kg: 13.950kg)
Peso básico operacional: 42,4 toneladas
Combustível de saída: 9,2 toneladas (contestado por um mecânico da Tam)*
Combustível de chegada: 5,2 toneladas
Total parcial: 61,55 toneladas
Para que a conta da Tam feche, o peso da bagagem (dado que não tenho) deveria ser de 1.150 kg.
Limite brasileiro de peso de bagagem (por passageiro): 23kg
Peso estimado da bagagem do vôo 3054 (sem excedente): 1.150 kg
Peso estimado da bagagem por passageiro (174), para que a conta da Tam feche: 6,6 kg
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(...) um mecânico que teria inspecionado a aeronave teria afirmado que ela teria 12 t de querosene. A TAM teria informado que o Airbus decolara de Porto Alegre, ponto de origem do vôo, com 9,2 t. Cálculos de consumo indicariam que o trajeto não consumiria mais do que 4 t de combustível (folhaonline)
No dia 1o de agosto de 2007 o blog defendeu a memória do piloto da TAM, contra a versão encampada pela revista Veja, que jogava sobre ele (que não poderia se defender) a culpa pelo acidente:
Explicando a operação-abafa
Alguns leitores pedem explicações mais detalhadas sobre o que considerei a operação-abafa.
É simples. Quando ocorreu a tragédia, como sempre tem ocorrido nesses momentos de catarse, a mídia saiu correndo atrás de um culpado. Com a politização a pleno vapor, o enfoque preferencial das matérias era procurar jogar a culpa no governo.
Muitas das falhas apontadas são reais, como a falta de regulação do setor, o fato das empresas aéreas terem se apropriado da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), a imprudência de permitir a super-lotação de Congonhas, a pista recém-recapeada. Mas nenhum desses fatos foi decisivo para a queda do avião.
No início, a TAM escondeu qualquer informação sobre a manutenção do avião. Aí se descobriu a que o reverso não estava funcionando. Seguiu-se um festival de informações técnicas desencontradas, alegando que o reverso não era relevante. Depois, se admitiu que o reverso pinado exigiria procedimentos diferentes do pouso normal, e por alguma razão esses procedimentos não haviam sido seguidos.
Quando ficou claro que o reverso poderia ter provocado o acidente, havia duas hipóteses: ou erro do piloto, ou problemas mecânicos. Problemas mecânicos podem ser de estrutura (softwares com bugs) ou de manutenção. Se de manutenção, a responsabilidade é da empresa, a co-responsabilidade das autoridades fiscalizadoras.
Em geral, nesses acidentes, o resultado final das investigações leva tempo para aparecer, o caso esfria, é esquecido, morre. E, por uma questão de auto-defesa, o setor sempre evita incriminar-se. Por isso mesmo, a tese do erro humano era a mais cômoda e poder-se-iam jogar as conclusões para daqui um ano, quando o assunto já estivesse esfriado.
Quando a caixa preta foi para os Estados Unidos, e os deputados decidiram acompanhar a degravação, percebeu-se que não daria para manter as conclusões em sigilo. A caixa-preta inevitavelmente apontaria problemas mais sérios do que a pista ou um eventual erro do piloto.
O que as fontes fizeram? Se anteciparam à CPI, procuraram a "Veja" e a "Folha, que embarcaram na tese do erro do piloto. Só que, para embarcar nessa tese, tiveram que isentar as autoridades fiscalizadoras, e deixar de lado todas as acusações indevidas que haviam lançado contra o governo. A culpa ficaria sendo exclusivamente de um piloto que não poderia se defender. Esse foi o cerne da operação-abafa.
Quando os deputados da CPI se deram conta dessa jogada, decidiram liberar os diálogos dos pilotos na cabine. E aí a operação-abafa começou a ruir.
É possível que pilotos esquecessem que o reverso não estava funcionando e adotassem os procedimentos errados. Mas a degravação mostra que, na hora do pouso, ambos estavam alertas a esse problema. Como supor que cometeriam um erro minutos depois de terem constatado o problema?
Com isso, a tese do problema mecânico se fortalece. E aí, empresa e autoridades fiscalizadoras terão que prestar contas à opinião pública
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