segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Governo Alckmin contrata por R$ 2,7 bilhões empresas acusadas de envolvimento no propinoduto tucano

por Conceição Lemes
Atente bem às datas em negrito desta reportagem. No final, vai descobrir por quê.
19 de julho. A IstoÉ  revela um esquema de fraude e superfaturamento em licitações realizadas pelo Metrô e pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) para aquisição de vagões de trem, manutenção e construção de ferrovias e linhas de metrô.
O conluio operou durante os últimos 20 anos de governos do PSDB. O objetivo seria, além de favorecer as “empresas-parceiras”, abastecer um milionário propinoduto para políticos tucanos. Estimam-se que os cofres paulistas tenham sido lesados em, pelo menos, R$ 450 milhões.
22 de maio. A investigação que permite tudo isso vir à tona começa a partir de um acordo de leniência firmado nessa data. Foi entre a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa  Econômica (Cade), a Siemens, a multinacional alemã que participava da armação, o Ministério Público Federal (MPF) e o do Estado de São Paulo (MP-SP).
Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos, a Siemens abre o bico. Confessa como ela e outras companhias formaram cartel para manipular concorrências, com preços superfaturados, e corromperam autoridades ligadas ao PSDB e a servidores públicos de alto escalão.
A Siemens delata também as outras empresas que atuavam no “projeto”:  Alstom (francesa),  Bombardier (canadense),  CAF e Temoinsa (espanholas),  ABB (sueco-suíça) e  Mitsui (japonesa). A investigação inclui, ainda, a Trans e outras empresas de menor porte, entre as quais Tejofran,  MGE,  TCBR Tecnologia, Iesa e Serveng-Civilsan.
4 de julho. Agentes do Cade e da Polícia Federal  fazem uma operação em 19 empresas localizadas em Brasília (DF) e em Diadema, Hortolândia e São Paulo (SP).
Segundo nota do Cade, pelo menos, estas cinco licitações podem ter sido alvo do suposto cartel:
a) Construção da Linha 5 (fase 1) do Metrô de São Paulo;
b) As propostas para a manutenção do trem de a série 2000, 3000 e 2100, a partir da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM;
c) Manutenção do Metrô do Distrito Federal;
d) de extensão da Linha 2 do Metrô de São Paulo;
e) Projeto “Boa Viagem” da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, que visa a reforma, modernização e manutenção de trens;
f) As propostas para a compra de vagões de trem pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, com os objetivos de desenvolvimento de sistemas, formação do pessoal, e dando apoio técnico e complementar serviços.
De acordo com a Siemens, a fraude durou, no mínimo, de 1998 a 2008.  Já promotores paulistas suspeitam que o cartel ainda atue no Metrô de São Paulo capital.
2013. Uma busca minuciosa que fizemos no Diário Oficial do Estado de São Paulo revela que as empresas do cartel denunciado pela Siemens seguem ganhando licitações para reforma/manutenção e compra de trens da  CPTM. E o governo Geraldo Alckmin (PSDB) continua contratando-as.
Há indícios da participação do cartel denunciado em contratos assinados em 2013, como demonstra a tabela abaixo.  Ela foi feita a partir de dados do DOESP. Os oito contratos encontrados somam R$ 2,7 bilhões.

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CONTRATOS PARA COMPRA DE NOVOS TRENS ASSINADOS APÓS DENÚNCIAS VIREM A PÚBLICO
Os seis primeiros contratos da tabela elaborada pelo Viomundo  referem-se à reforma/manutenção de trens já em circulação. Totalizam R$ 907 milhões e foram assinados no primeiro semestre de 2013.
Aqui, vale relembrar, que a Siemens denunciou como integrantes do cartel que viciava licitações, superfaturava-as e utilizava terceirização ou subcontratação para beneficiar todas as empresas do esquema, a saber: Alstom, Bombardier, CAF, Temoinsa, ABB, Mitsui, Trans, Tejofran, MGE, TCBR Tecnologia, Iesa e Serveng-Civilsan.
E quem ganhou a concorrência aberta em 2012 pela CPTM para manutenção/reforma de 196 trens (três a quatro carros cada), dividida em 6 lotes, que correspondem aos seis primeiros contratos da tabela acima?
A  CAF (delatada pela Siemens) foi vitoriosa em duas licitações e os consórcios TMT, em quatro.
Os consórcios TMT envolvem a Temoinsa (sempre), Trans Sistemas de Transportes e Trail Infraestrutura.  A Temoinsa e a Trans são citadas como integrantes do concluio que envolvia superfaturamento e desvio de verbas.  A Trail Infraestrutura, que poderia não ser do cartel, pertence aos controladores da Tejofran, envolvida nas denúncias.
Chama-nos a atenção o fato de que em todos os lotes para reforma de trens da CPTM só empresas denunciadas pela Siemens como integrantes do cartel tiveram propostas válidas.
Isso, por si só,  já é indício fortíssimo que deveria ser investigado pelo Ministério Público.
O próprio MP, aliás, apontou para essa questão em outros quatro contratos para reformas de trens do Metrô, realizados entre 2008 e 2009 e ainda em vigor, que custaram R$ 1,8 bilhão.
Em despacho sobre esses mesmos contratos do Metrô, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo concluiu:
“A análise das presentes contratações revelou um contexto no qual houve apenas uma proposta do licitante único de cada lote. Em outras palavras, não houve propriamente uma disputa licitatória, mas, uma atividade de consorciamento, reunindo duas ou três empresas em cada consórcio, que por sua vez, ofereceu a proposta única de cada respectivo lote”.
Os dois últimos contratos da tabela acima são relativos à  compra pela CPTM de novos trens, que custarão aos cofres públicos R$ 1,8 bilhão.
Um deles foi com a mesma CAF (vencedora nas licitações para  manutenção). O contrato foi assinado em 31 de julho de 2013 e publicado no DOESP de 2 de agosto de 2013.


O outro contrato para aquisição de novos trens foi feito com o consórcio Iesa-Hyundai Rotem, assinado em 9 de agosto de 2013. A assinatura saiu no DOESP saiu em 13 de agosto de 2013. A Iesa também está sendo investigada como integrante do cartel fraudador.

Ou seja, os dois contratos para aquisição de novos trens foram assinados após a delação da Siemens ter se tornado pública, através da reportagem da IstoÉ, em 4 de julho.
LAVORENTE, UM DOS HOMENS DO PROPINODUTO TUCANO, ASSINA OS EDITAIS DESSAS LICITAÇÕES
Curiosidade: assinam os editais para reforma/manutenção assim como de compra de trens Mílton Frasson, diretor Administrativo e Financeiro, e José Luiz Lavorente, diretor de Operação e Manutenção da CPTM.

 José Luiz Lavorente é simplesmente um dos homens que operaram o propinoduto do tucanato paulista.
Segundo a IstoÉcom base em documentos em poder do Cade e Ministério PúblicoLavorente é um dos cinco operadores:
“afamados como bons quadros tucanos, que se valeram de seus cargos nas estatais paulistas para atender, ao mesmo tempo, aos interesses das empresas do cartel na área de transporte sobre trilhos e às conveniências políticas de seus chefes.
Em troca de benefícios para si ou para os governos tucanos, forneciam informações privilegiadas, direcionavam licitações ou faziam vista grossa para prejuízos milionários ao erário paulista em contratos superfaturados firmados pelo metrô. As investigações mostram que estes técnicos do Metrô e da CPTM transitaram pelos governos de Serra e Alckmin operando em maior ou menor grau, mas sempre a favor do esquema.
Em um documento analisado pelo CADE, datado de 2008, Lavorente é descrito como o encarregado de receber em mãos a propina das empresas do cartel e distribuí-las aos políticos do PSDB e partidos aliados.
O diretor da CPTM é pessoa da estrita confiança de Alckmin. Foi o governador de São Paulo que o promoveu ao cargo de direção na estatal de trens, em 2003. Durante o governo Serra (2007-2008), Lavorente deixou a CPTM, mas permaneceu em cargos de comando da estrutura administrativa do governo como cota de Alckmin. Com o regresso de Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes, em 2011, Lavorente reassume o posto de direção na CPTM.
Além de ser apontado como o distribuidor da propina aos políticos, Lavorente responde uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que aponta superfaturamento e desrespeito à lei de licitações. O processo refere-se a um acordo fechado por meio de um aditivo, em 2005, que possibilitou a compra de 12 trens a mais do que os 30 licitados, em 1995 e só seria válido até 2000.
 A CPTM é uma das estatais subordinadas à Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos, que é dirigida por Jurandir Fernando Ribeiro Fernandes, também homem de confiança de Alckmin.  Jurandir é apontado  como um dos que chefiaram de perto e coordenaram as atividades dos altos executivos tucanos que estão sendo investigados.
A propósito:
1. Por que mesmo depois das denúncias sobre o propinoduto do tucanato paulista, Lavorente continua à frente da diretoria de Operação e Administração da CPTM e conduzindo licitações?
2. Por que o governo Alckmin não adiou, pelo menos, a assinatura dos contratos da CPTM de 31 de julho e 9 de agosto de 2013, para melhor apuração da atuação das empresas denunciadas e maior proteção do patrimônio público?
3. Por que o presidente da CPTM, Mário Manoel Bandeira, não aconselhou o governador Alckmim a não assinar tais contratos?
4. Será que esses contratos sob suspeição foram assinados pelo próprio presidente da CPTM, Mário Manoel Bandeira?
5. Que medidas concretas Alckmin vai tomar em relação às licitações ocorridas em 2012 e 2013, já que as empresas ganhadoras, segundo a Siemens, fazem parte do cartel envolvido em concorrências viciadas e superfaturamento e que lesaram os cofres públicos?

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