Após um 2013 caótico, o transporte da safra de soja volta a enfrentar problemas no país – e já há quem chame o cenário atual de “tempestade perfeita”.
Em plena colheita, o quadro inclui terminais alagados em Porto Velho (RO), BR-163 intransitável, hidrovia Tietê-Paraná com baixo nível, dificuldades em ferrovias e os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) no limite de suas operações.
Isso às vésperas do Carnaval, quando o escoamento por rodovias enfrenta restrições. Assim, nas próximas semanas ou essa rara combinação de extremos climáticos perde força ou as filas nas estradas rumo aos terminais portuários voltarão a dar o tom.
No Norte, fazendas que podem estão armazenando soja a pedido das tradings, que alegam não ter como transportá-la.
E, com as chuvas constantes, cresce o temor com a qualidade do grão estocado, já que umidade excessiva reduz preços. No rio Madeira, a cheia é histórica. Por causa dela, a prefeitura de Porto Velho decretou estado de calamidade pública.
Terminais foram inundados e foi interrompido o fluxo de produtos que abastecem Manaus (AM) e o de grãos para Santarém (PA). “Em dez anos que operamos em Porto Velho, é a primeira vez que o rio chega a essa altura”, disse ao Valor Altamir Olivo, gerente de logística de grãos e processamento da Cargill.
A trading americana opera um terminal privativo fora do porto público de Porto Velho. Por ficar em um terreno mais baixo, parte das instalações estão submersas – os silos não foram atingidos – e as operações foram paralisadas na sexta-feira.
“Deixamos de escoar 105 mil toneladas de Porto Velho a Santarém”, disse Olivo. Segundo ele, 7 mil toneladas por dia de soja do oeste de Mato Grosso e Rondônia seguem a Santarém via Porto Velho. O impacto está sendo maior porque, embora os transbordos tenham parado só na semana passada, a Cargill, dada a situação, já vinha pisando no freio.
Responsável pelo escoamento de 2,5 milhões de toneladas de grãos da Cargill, o porto de Santarém está até ocioso. Além do alagamento de Porto Velho, a múlti não está conseguindo subir com a soja de caminhão pela BR-163 devido a chuva e atoleiros.
A Amaggi, por sua vez, retomou na manhã de ontem o escoamento de soja. Diferentemente da Cargill, a empresa está dentro da área do porto público, que é mais alto e não foi inundado. Mas teve as operações interrompidas por dois dias esta semana porque a cheia elevou os riscos de ruptura da estrutura do cais, que é flutuante.
A Amaggi escoa 18 mil toneladas de grãos por dia de Porto Velho a seu porto de Itacoatiara (AM). De lá, transborda os grãos para navios que rumam ao exterior.
A retomada foi possível após o reforço nas amarras de sustentação do cais, informou a Sociedade dos Portos e Hidrovias de Rondônia, que administra o porto de Porto Velho.
Jorge Zanatta, diretor de navegação da Amaggi, afirmou que a situação preocupa porque ainda chove muito na região, principalmente nas cabeceiras do Madeira – os rios Madre de Dios e Beni, na Bolívia. “Essa água toda vai chegar aqui”, afirmou ele.
Na tarde de ontem, o rio Madeira batia o recorde de 18,6 metros de altura – a última grande cheia foi em 1997, quando atingiu 17,51 metros.
A estimativa da Marinha é que em até uma semana o rio possa alcançar 19,15 metros. Conforme Zanatta, a Amaggi opera em capacidade máxima e, por isso, até prestou serviços pontuais de ajuda à Cargill. “Mas o terminal está no limite. Não temos espaço para nada que não esteja contratado”, afirmou o executivo.
A trading americana ainda tem 83 caminhões parados com soja a espera de embarque em Porto Velho. Para a companhia, não há uma saída fácil, já que é precária a infraestrutura logística do país.
A Cargill está tentando fazer a soja chegar a Santos e Paranaguá e tentará aproveitar os terminais portuários gaúchos. “O problema é que essa soja não foi originada para sair pelo Sudeste ou pelo Sul. Ela foi pensada para sair por Santarém. Estamos falando de uma perda significativa com custos de frete”, disse Olivo.
O custo para enviar uma tonelada por caminhão ao Sudeste é de R$ 333 – em média, R$ 80 a mais do que por Porto Velho. Por isso, a multinacional tem hoje represados nas fazendas e em armazéns próprios 75 mil toneladas.
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais e Grãos (Anec) estuda fazer um anúncio “oficial” sobre a impossibilidade de escoamento de soja de Porto Velho (RO) ao porto de Itacoatira pelo rio Madeira, por motivos de força maior.
Se o documento for expedido, as tradings terão um instrumento para renegociar o demurrage dos navios (multa por tempo de estadia) e eventuais multas contratuais com clientes.
Por enquanto, a Anec só foi sondada por uma trading que atua no porto, mas o presidente Sérgio Castanho Teixeira Mendes diz que acompanhará de perto a situação do rio para decidir.
A Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rondônia (SOPH) enviou um ofício às tradings, no dia 25, solicitando que não mandem soja de Mato Grosso para o porto porque não há como receber o grão.
Conforme Mendes, as tradings estão presas a contratos prévios com navios, atracadores e terminais e não têm como simplesmente mudar a rota de escoamento. O prejuízo pelos dias de paralisação das operações ainda não foi calculado pela entidade.
Ainda assim, haverá migração para o escoamento rodoviário rumo ao Sudeste e ao Sul, e esses caminhões adicionais certamente encontrarão outros que também não deveriam estar ali nas estradas.
Isso porque, devido à falta de chuvas na região, a hidrovia Tietê-Paraná, com 800 quilômetros de extensão, está operando com dois terços de sua capacidade de transporte.
Os 20 comboios atualmente em operação na hidrovia estão levando, cada um, até 4 mil toneladas, quando em condições normais o volume chega a 6 mil toneladas.
A estimativa é que só essa redução transfira até 140 mil toneladas por mês para as rodovias. Seriam 133 carretas a mais por dia nas estradas em direção ao porto de Santos.
Hoje, o calado é de 2,25 metros, enquanto o mínimo para circulação é 2,20 metros. O calado padrão, com os comboios, é de 2,70. O agronegócio é o principal usuário da Tietê-Paraná – ocupa 14 dos 20 comboios disponíveis.
Barcaças de soja são carregadas em São Simão (GO) e navegam 650 quilômetros até Pederneiras (SP), onde a carga é transferida para a ferrovia que chega a Santos.
Fonte: Valor Econômico, Por Bettina Barros, Fernanda Pressinott e Tarso Veloso
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