sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A primeira parada do cartel

Em reunião com dirigentes das empresas da máfia dos trens, promotores dão prazo de dez dias para devolução de R$ 800 milhões

Pedro Marcondes de Moura
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Marcelo Milani
O Ministério Público deu um ultimato nas empresas acusadas de integrarem a máfia paulista dos trens. Em uma audiência no começo da tarde da quarta-feira 19, os promotores deram um prazo de dez dias úteis para que Alstom, Siemens, Bombardier, Tejofran, Temoinsa, Iesa, MPE e Trans Sistemas devolvam R$ 800 milhões aos cofres públicos referentes aos contratos superfaturados para a reforma de 98 trens das linhas 1 e 3 do Metrô paulista. As autoridades também exigem a entrega de dez veículos já modernizados que estão nos pátios dos consórcios contratados. Estavam presentes no encontro os promotores do Patrimônio Público Marcelo Milani e Otávio Garcia, presidentes e diretores das companhias acusadas e um dirigente da estatal. As companhias não adiantaram se acatarão a exigência. No entanto, o MP já sinalizou que pedirá na Justiça o fechamento das empresas envolvidas caso o prejuízo não seja ressarcido.

Há dois anos, o MP apura irregularidades na reforma dos trens assinada nas gestões dos governadores tucanos José Serra e Geraldo Alckmin. Chamou a atenção das autoridades o fato de cada um dos quatro lotes em que o serviço foi dividido ter sido disputado por apenas um consórcio. Sem concorrência, os valores apresentados eram bem acima da tomada de preço realizada pela estatal com as próprias companhias. As investigações, porém, esbarravam na falta de uma base de comparação de valores. A iniciativa de reformar veículos com cerca de quatro décadas em operação só existe no Estado de São Paulo. Em outros lugares do mundo, os veículos virariam sucata para segurança dos usuários e desempenho do sistema.

Ao aprofundar as investigações, no entanto, o MP confirmou as irregularidades. Ao contrário do argumento do Metrô de que a reforma seria vantajosa por custar 60% do valor de um novo, ficou constatado que os veículos foram reformados a preços mais caros do que o de novos adquiridos por metrôs pelo mundo. Isso se deve a uma manobra do governo paulista que fracionou o serviço e acrescentou outros seis contratos. A reforma foi, oficialmente, orçada em R$ 1,6 bilhão. Só que, na verdade, a modernização dos 98 trens, com 588 vagões, custou R$ 2,87 bilhões sem contar as correções monetárias. Em depoimento ao MP divulgado com exclusividade em dezembro por ISTOÉ, o ex-diretor do Metrô Sérgio Correa Brasil confirmou que a estatal não previa no orçamento “o chamado truque, bem como a caixa que importariam em 40% do custo final”. Mas esses e outros itens foram licitados e trocados.

Não bastassem os prejuízos, os 46 veículos reformados já entregues estão constantemente envolvidos em incidentes. Desde 2012, já houve um choque entre trens, o descarrilamento de outro e até uma locomotiva que andou sozinha nos trilhos. Parte desses problemas deve-se a falhas na implantação do CBTC, um sistema que diminui o intervalo entre os trens. Apesar da solicitação do Ministério Público para que o Metrô paulista cancele o contrato vencido pela empresa francesa Alstom, a estatal, que até já interrompeu os pagamentos pelos problemas de implementação, negou-se a romper o acordo.

Para o Ministério Público houve conluio incentivado por agentes públicos no contrato do CBTC. Em depoimento ao MP, o engenheiro Nelson Branco Marchetti, ex-diretor-técnico da divisão de transportes da Siemens, relatou que representantes da multinacional alemã e da concorrente Alstom foram chamados para uma reunião por dirigentes do Metrô e da Secretaria de Transportes Metropolitanos. Na época, a pasta era comandada por José Luiz Portella. Durante o encontro, as companhias foram incentivadas a montar um cartel para vencer a disputa pelo contrato do sistema de sinalização dos trens das linhas 1, 2 e 3 do Metrô. Os executivos das empresas ainda sugeriram que a estatal licitasse a sinalização linha por linha, o que triplicaria a concorrência. Mas o governo foi enfático ao dizer que gostaria que um consórcio formado pelas duas empresas vencesse o certame. A Alstom acabou ganhando sozinha o contrato.
Foto: Divulgação

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