terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Intervenções quebram monopólio das empresas de ônibus em Brasília

Com serviço ruim e carros velhos, dois grupos dominavam sistema de transporte coletivo no DF, onde 70% da frota operava sem licitação

Brasília – O problema das más condições do transporte público não apresenta muitas diferenças no Brasil como um todo, mas desde o final de dezembro revela novo nuance no Distrito Federal (DF), depois de ação civil movida pelo Ministério Público, no último semestre. A ação tomou como base um relatório técnico cujos dados revelaram que, além das péssimas condições, 70% dos ônibus em circulação no DF não eram licitados. O governador Agnelo Queiroz (PT) deu continuidade às licitações e, como ponto culminante, nos últimos dias de dezembro decretou intervenção no maior grupo de empresas do setor: a Viplan, que operava em 214 linhas, com 744 ônibus – dos quase 2 mil em circulação no DF.
A medida, em fase de execução, levará o Governo do Distrito Federal (GDF) a investir, nos próximos meses, perto de R$ 15 milhões em demissões e rescisões de trabalhadores rodoviários pertencentes à Viplan, mas fazem parte de uma complicada engenharia estrutural montada para salvar o transporte coletivo urbano na capital do país.
O grupo, com três empresas do setor, possuía cerca de 40% da frota de ônibus do DF, operava sem licitação e era campeão de denúncias de passageiros por ter ônibus velhos, apresentando panes constantes e equipamentos quebrados.
Conforme investigação do governo após a intervenção, a Viplan também operava cerca de 200 ônibus pirateados, que garantiam aos seus responsáveis um lucro extra totalmente irregular e um faturamento global diário de R$ 800 mil.
As linhas antes operadas pela Viplan estão sendo entregues a outras companhias. Ontem (12), começaram a circular no Gama 130 ônibus das empresas Pioneira e Planeta
Descaso
A história das intervenções e do descaso com o sistema de transporte público no DF não é novidade para os moradores de Brasília e das antigas cidades satélites (hoje chamadas de “regiões administrativas”).
Operam, atualmente, em todo o cinturão que envolve o Distrito Federal, 12 empresas de ônibus. O grande problema é que, até bem pouco tempo, a maior parte não funcionava mediante licitação e sim, por meio de sistema de concessões de linhas baseado em prorrogações de contratos antigos.
Como a prática é ilegal, o Ministério Público moveu a ação pedindo a regularização da frota. Foi quando o Governo do Distrito Federal (GDF), que já tinha iniciado processo de intervenção em outro grupo empresarial – o grupo Amaral – deu continuidade às demais licitações, concluídas recentemente. E, então, deparou com um novo imbróglio: a reclamação, por parte dos empresários, de falta de mão de obra entre os rodoviários.
De acordo com informações dos responsáveis pela intervenção, como o grupo Viplan não participou de nenhuma licitação, não teria mais condições de operar no transporte público do DF, a não ser em situações de urgência ou emergência. Mas os contratos de licitação tinham como cláusula exigida às empresas vencedoras o aproveitamento dos trabalhadores daquelas operadoras que estavam prestes a deixar o serviço, como forma de garantir aos usuários um bom atendimento, por profissionais da área e experientes e, também, de evitar a demissão dessa massa de assalariados.
“O tempo foi passando, a Viplan não demitiu os seus trabalhadores, não parou os serviços e as empresas ganhadoras da licitação tiveram que deixar perto de 900 ônibus parados sem que pudessem circular. O GDF não poderia pedir a saída desses trabalhadores de uma única vez, porque isso levaria ao colapso do sistema, mas o grupo atrapalhava qualquer tipo de transição. Por isso que se optou pela intervenção”, afirmou o advogado Anselmo Siqueira, que participou dos estudos e do processo de licitação de duas das empresas.

Herdeiro da Vasp

Em circulação no DF há 40 anos, o grupo Viplan possui três empresas - Viação Planalto, Condor e Lotáxi. O proprietário é o empresário Wagner Canhedo Filho (cujo pai, Wagner Canhedo, foi dono da Vasp), que desde o anúncio da intervenção tem se recusado a conceder qualquer tipo de entrevista.
A empresa acumula um pedido no MP para sua extinção, bem como histórico de infrações cometidas e multas não pagas.  Não se sabe se passará a operar em outros estados ou se, diante da sua situação contábil, fechará de vez as portas.
Para o promotor Ivaldo Lemos Júnior, da Promotoria de Patrimônio Público (do MP do Distrito Federal), o fato dos ônibus passarem a circular mediante licitação é importante, mas não suficiente pra solucionar o problema do transporte urbano no DF.
“É preciso que todo esse processo seja benfeito, com base em um estudo atual da situação do DF e que promova a competitividade entre as empresas, evitando a formação de oligopólios”, destacou.
Esta foi a segunda intervenção feita pelo GDF numa empresa de ônibus na gestão do governador Agnelo Queiroz. Em fevereiro passado, o governo assumiu as três empresas do Grupo Amaral (Rápido Brasília, Viva Brasília e Rápido Veneza) – pertencentes ao ex-senador do DF, Walmir Amaral.
Nesse caso, a situação foi diferente porque as empresas corriam risco de paralisar os serviços. A operação junto ao grupo Amaral resultou em investimento de R$ 35 milhões para o governo, na compra de combustível e pneus, além de recuperação da metade dos ônibus das empresas, que estavam sem condições de circulação.

‘Necessidade’

Medidas que foram adotadas para evitar um caos total no serviço de transportes dos moradores de Brasília e regiões administrativas, como deixou claro durante entrevista o governador Agnelo Queiroz.
“A obrigação das permissionárias é cumprir os contratos. O GDF não vai se furtar a tomar as providências necessárias e a decisão de intervir depende muito mais das empresas do que de nós”, afirmou Queiroz, durante a intervenção.
Informações da secretaria de Transportes do DF são de que, em dezembro, dentro do cronograma inicial de transição das empresas antigas para as vencedoras da licitação, a Viplan já deveria ter deixado de operar 74 linhas e 221 ônibus das ruas, mas a empresa vinha adotando diversas manobras protelatórias. Ao falar sobre o caso, o secretário de Transportes do DF, José Walter Vazquez Filho destacou que o governo encontrou o grupo em situação crítica.
“Assim que passamos a responder pela gestão das empresas do Canhedo, descobrimos que ele continuou atuando de forma pirata em várias linhas e com isso, impactava no faturamento dos outros grupos”, enfatizou, ao reconhecer que o problema atingiu um limite devido às dificuldades de controle e fiscalização do setor por parte do poder público.
“Brasília vivia com a situação de ter o transporte coletivo há mais de 40 anos funcionando sem concorrência pública. Por mais que tentássemos controlar, era difícil. Justamente por isso trabalhamos tanto para conseguir licitar todas as linhas. A partir de agora, o Governo do DF passa a ter o controle de toda a gestão do sistema em suas mãos. Poderemos planejar e fiscalizar”, acrescentou. Segundo o secretário, a expectativa do GDF é de que o valor a ser arrecadado com o pagamento das passagens cobrirá os custos da operação

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