Autor: Fernando Brito
Começo o dia lendo a matéria da Folha sobre o suposto “exagero” das obras ferroviárias planejadas pelo Governo Federal, entre elas a Ferrovia Bioceânica, que a China pretende financiar.
“Para justificar as obras, safra de MT teria que quadruplicar“, chama a matéria, para narrar a “inviabilidade econômica” das obras, que teriam escala faraônica.
Bom, a primeira coisa incompreensível é porque a comparação “só” com a produção de Mato Grosso, embora este seja, longe, o maior produtor de grãos brasileiro, com quase um quarto da produção nacional.
Diz que a produção do Mato Grosso é de 50 milhões de toneladas, que deve passar a 100 milhões em 10 anos e que a capacidade de carga das ferrovias é de 200 milhões, o que daria a eleas uma ociosidade em torno de 50%, no caso de escoarem-se por ela todos os grãos.
A conta é errônea e “plantada” aos repórteres por gente que quer colher apenas desgaste político e suspeitas morais contra o Governo, sem nenhuma preocupação com esta “abominável” ideia de desenvolvimento nacional.
E na mistificação se “embarca” pela simples razão de demonstrar uma sabedoria maior que a dos planejadores e estudiosos de logística que propuseram as obras- todas elas com interessados – e desconsideram aquilo que é evidente.
Por que?
Primeiro, obvio, porque as ferrovias não cruzam “só” – que imensidão! – o Mato Grosso, mas Goiás, Tocantins, Rondônia, Pará e São Paulo e um trecho ao Norte do Mato Grosso do Sul, justamente aparte daquele estado onde a produção e grãos se concentra.
Segundo, porque a evolução da produção tem ligação direta com a facilidade de escoamento, porque isso interfere no preço do frete, que custava cerca de 90 dólares por tonelada, em janeiro deste ano, quando a tonelada do grão era vendida ao exterior alcançava no máximo 565 dólares.
Portanto, o frete – que é o decisivo em ferrovias – representava, no mínimo, 16% do valor do produto. Não precisa ter estudado economia em Harvard para saber que isso pesa estupidamente numa commodity de preço formado em escala global.
E, finalmente, a pergunta evidente: faz-se uma ferrovia para estar com sua capacidade esgotada? Pior, nem isso, porque várias das mostradas como “exageradas” só estarão prontas – é da natureza da obra ferroviária, isso – daqui a vários anos, talvez mesmo no limite destes dez anos em que se prevê a obra.
Ajudo, com o gráfico ao lado, a verem como o Brasil precisa desesperadamente de ferrovias para competir com países de extensão semelhante.
Depois, se você não faz a via principal, não pode, depois, fazer as obras de otimização do uso: duplicação de trechos, para reduzir o número de cruzamento de comboios, novos pontos de embarque ou ampliação da composição, etc….
Porque estas ferrovias serão insuficientes em 20 ou 30 anos. E ferrovia se faz para prazos assim ou maiores.
E nem assim, se olharmos a evolução da produção.
Mesmo aceitando ficar “só” no Mato Grosso, o que aconteceu com a produção de soja.
Em 2000, eram 10 milhões de toneladas. Em 2010, 20 milhões. Este ano, 27,6 milhões de toneladas.
No Brasil inteiro, ela passou de 16 milhões de toneladas em 1990para mais de 70 milhões em 2010 e95 milhões, este ano.
Mais que quintuplicou em 25 anos.
Vou poupar-me e ao leitor sobre adjetivos em relação à sabedoria da reportagem.
Tenho, afinal, piedade com a mente simplória, como a do pai do taxista que, uma vez, suspirava num engarrafamento de final de tarde no Eixo Monumental de Brasília, aflitos, eu e ele, com a hora do embarque num voo.
– Cada vez que fico parado aqui lembro do meu pai, que veio para cá na construção da cidade. Ele dizia que o JK fez uma avenida deste tamanho porque estava roubando.
-Como assim?
-Ele teimava que o JK tava ganhando propina por metro de asfalto. Porque não tinha carro para uma estrada desta largura. Coitado do velho, morreu faz muitos anos. Não foi capaz de ver isso engarrafado deste jeito para ver como não era muito, era pouco.
Imagino se não apareceu um repórter para escrever, lá em 1960: “Para justificar o Eixão, frota de veículos teria de centuplicar”.
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