Por Eveline Trevisan, Guilherme Tampieri e Marcelo Cintra*
Fotos: Guilherme Tampieri e Marcelo Cintra
Sair de Bremen e pedalar em qualquer outra cidade pode ser difícil. Com seus 25% de deslocamentos feitos por bicicletas, Bremen nos deixa, no mínimo, ‘mal’ acostumados. Todavia, desembarcar em Berlim, a capital alemã, e fazer parte dos 13% de pessoas que se deslocam de bicicleta diariamente é uma experiência bastante agradável.
À primeira vista, a palavra que poderíamos usar para descrever a cidade seria: enorme. Mesmo acostumados com as cidades brasileiras, Berlim se destaca pelo tamanho de suas ruas e, sobretudo, avenidas, sendo estas majoritariamente para passagem de automóveis.
Tendo isso em mente, nossa primeira providência foi alugar bicicletas (por toda a cidade encontram-se pontos de aluguel) e sair para explorar a cidade, com inúmeros tipos de estruturas cicláveis: ciclovia, ciclofaixa, ciclovia na calçada, faixa compartilhada com pedestres, zonas com velocidades reduzidas, ou desvelocidades (zonas 30), ruas para pedestres etc. Assim como em Bremen, onde vivenciamos o compartilhamento de espaço e de velocidade por todos os lados, em Berlim o conceito de “bike free” (ou fahrrad frei, em alemão) é plenamente exercido, e podemos também pedalar no contrafluxo. Essa ideia de “bicicletas livres” expressa bem a sensação de liberdade de pedalar por lá.
Diferentes estruturas cicloviárias.
Para além da infraestrutura de circulação de ciclistas, Berlim é uma cidade que possui inúmeros estacionamentos estratégicos para bicicletas. Estratégicos? Sim. Lá, os paraciclos e bicicletários estão próximos de pontos necessários: estações de transporte coletivo, centros comerciais, universidades e residências, por exemplo.
Sendo tão enorme quanto é, Berlim investiu não somente no uso da bicicleta, mas, também, na integração das magrelas com o transporte coletivo. Lá, as pessoas podem embarcar com suas bicicletas dentro dos transportes sobre trilhos sem problemas, mediante pagamento de um bilhete adicional (mais barato que um bilhete padrão). Ou seja, se você se cansar de pedalar, não se preocupe: existe um transporte coletivo à sua disposição e de sua bicicleta.
Em Berlim, não só os transportes coletivos são receptivos às bicicletas, mas também os parques. Na capital alemã é permitido pedalar nestes espaços públicos e, mais que isso, usar a criatividade para ocupá-los, mesmo de noite! Seja com um churrasco, um piquenique ou uma festa, os parques de Berlim estão lhe esperando! Essa simples escolha política de abrir os parques gera uma sensação de bem-estar e de pertencimento ao meio urbano aos cidadãos e cidadãs que por lá transitam, seja a pé, de bicicleta ou outro modo de transporte aceito nos parques.
Uma experiência incrível!
Pedalamos no Tiergarten, o parque central de Berlim, onde jovens, crianças, famílias e namorados entram com suas bicicletas e escolhem o melhor canto para aproveitar. Na Berlin Alexanderplatz, coração da cidade, vimos uma mostra da fauna de bicis de aluguel que existem por lá. Mas o mais impressionante de todos é o incrível Tempelhof, antigo Aeroporto central que foi transformado em parque urbano. Paraíso dos skates, patinetes, windskate (skate com vela), a grande atração é poder pedalar nas pistas de pouso, cada uma com 2 km de extensão.
Diversidade de bicis em Berlin Alexanderplatz, Ônibus-bici em manifestação política, Pista de “pouso” no Tempelhof (antigo aeroporto) e Pausa do Tiergarten para brincar com crianças.
A relação carros e bicicletas
Ao contrário do que o senso comum imagina, Berlim, como boa parte das cidades europeias, é tomada por veículos e possui índices de deslocamento por automóveis particulares (carros e motos) maiores que várias cidades do Brasil. Lá, 31% das pessoas usam carros diariamente, 30% a pé, 13% de bicicleta (como já dito) e 26% em transporte coletivo, segundo dados de 2008. É bastante possível que esse valor relativo à bicicleta seja superior atualmente, visto que os investimentos governamentais para a promoção do uso da bicicleta são muitos e, mesmo com um lobby automotivo fortíssimo na cidade e no país, a restrição ao uso do carro tem ganhado espaço, como proposto recentemente para a cidade de Hamburgo.
Ainda que a cidade possua inúmeros viadutos exclusivos para carros e enormes avenidas, a boa relação entre motoristas e pessoas em cima de suas bicicletas é um traço forte na Alemanha. Com anos incentivo e promoção da cultura da bicicleta, os motoristas berlinenses são, ousaríamos dizer, pouco capazes de maltratar um ciclista, visto que a maior parte deles também pedala. Lá, o respeito é mútuo, mas a prioridade é clara para ambos os agentes: primeiro o ciclista, depois o motorista. Essa boa prática é retro-alimentada pelo simples fato da cidade ter muita gente pedalando.
Outra coisa importante a ser dita sobre Berlim: nas obras viárias, o caminho dos ciclistas é contemplado durante o processo de reestruturação, mantendo a ciclovia de forma operacional. Ou seja, o ciclista não fica no limbo enquanto estão sendo feitas obras na cidade. Caso uma ciclovia precise ser temporariamente interditada, esta informação é passada para os ciclistas de forma clara.
A ciclovia operacional (amarela) com indicativo do que está provisoriamente apagado (com X).
Berlim ainda tem muito o que avançar
Como em qualquer lugar do mundo, Berlim não é uma cidade perfeita para se pedalar e está longe de o ser. Porém, a vontade de tornar a capital alemã uma cidade mais ciclável é algo que precisa ser apreciado por quem acredita na possibilidade do uso da bicicleta como modo de transporte em cidades que foram construídas para a circulação e estacionamento dos automóveis. O site www.copenhagenize.eu criou um índice que compara cidades e Berlim não faz feio, ficando no 12º lugar (CRIAR LINK http://copenhagenize.eu/index/) na avaliação de 2015.
Lá, é possível ver carros parados em cima das ciclovias, ônibus estacionados em cima das vias para ciclistas, muitas ciclovias na calçada que acabam gerando conflito com quem está andando a pé, ciclovias mal planejadas e que colocam em risco a vida de quem está em cima das bicicletas e outros problemas que se vê em cidades que tentam investir no uso da bicicleta.
É comum ver veículos estacionados em cima das ciclovias.
Entretanto, Berlim, como a Alemanha em geral, está passando por um processo importante de devolver as ruas às pessoas. Ou seja, ao invés de construir novas ciclovias nas calçadas, como tem sido feito nos últimos 40 anos, os governantes da capital alemã estão investindo em estruturas cicláveis construídas na via onde passam carros e no compartilhamento (ou coexistência). Nesse último caso, a aplicação das desvelocidades (velocidades abaixo de 30km/h) tem sido feita para garantir, em primeiro lugar, o direito ao uso do espaço público por todas as pessoas, não importante se são crianças, jovens, adultos ou idosos.
Placas indicando início e fim de Zonas 30 km/h e Zonas de Convívio (20 km/h).
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Já escrevemos sobre o Projeto SOLUTIONS e a cidade de Bremen. Nas próximas semanas, escreveremos ainda sobre Paris e explicaremos como Belo Horizonte está se planejando para ser uma cidade mais amiga do ciclista – o que já tem sido feito e o que está por vir.
*A viagem à Europa (Bremen, Alemanha) dos representantes da BHTRANS (Eveline Trevisan e Marcelo Cintra) foi paga pelo Projeto SOLUTIONS, com verba da Comunidade Europeia. Os deslocamentos e dias em Berlim e Paris, bem como a totalidade da viagem de Guilherme Tampieri, foram totalmente cobertos com recursos próprios dos viajantes. Saiba mais sobre o SOLUTIONS.
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