http://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/08/opinion/1404778594_811142.html
O viaduto que caiu em Belo Horizonte matou duas pessoas, deixou 23 feridos e inquietou outros milhões que vivem nas cidades onde foram feitas obras para a Copa. Com o curioso nome de Batalha dos Guararapes, o viaduto havia sido planejado para estar pronto antes da Copa. Não ficou e acabou caindo durante o evento.
O viaduto integrava as obras para o BRT (sigla em inglês para o sistema de ônibus com corredores exclusivos e embarque em plataformas) da Avenida Antônio Carlos. Sua função, de necessidade duvidosa, era eliminar um cruzamento. Acabou eliminando duas vidas e a confiança de brasileiros e gringos nas "obras da Copa". Mas as mortes não foram novidade: oito operários morreram nas reformas dos estádios e causaram menos comoção.
A construtora do viaduto é a Cowan. Também chegou a participar do consórcio a Delta, empresa ligada ao bicheiro Carlos Cachoeira. Em 2012, o TCE encontrou superfaturamento de até 350% na obra do Guararapes. A Cowan é menos conhecida que a Delta, mas seu caso mais notório foi ter bancado a viagem ao Caribe de secretários de Sergio Cabral e Eduardo Paes.
Em Belo Horizonte, quando estourou a operação Monte Carlo, a Prefeitura manteve a Cowan na obra e retirou a Delta. Dentre as construtoras de outras obras viárias na capital está a Constran, empresa que doou 500.000 reais à campanha do prefeito Marcio Lacerda em 2012.
Tudo isso diz respeito à relação espúria entre construtoras e governos eleitos: as obras públicas, ao invés de atenderem às reais demandas da sociedade, financiam campanhas. O mais grave é quando uma obra cai e pessoas morrem. Mas o conjunto de viadutos que se implantou em Belo Horizonte é, mesmo que de pé, um desserviço urbanístico, um cemitério do rodoviarismo moderno em pleno século XXI.
Viadutos, como muitos sabem, são a maneira mais rápida de se conectar dois engarrafamentos. Em 1989, um terremoto abalou as estruturas de um complexo de vias elevadas na cidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Como o trânsito não colapsou e a cidade se adaptou, a maioria dos residentes preferiu que as vias elevadas fossem removidas.
A remoção das vias não piorou o trânsito. E a cidade ganhou uma nova praça pública e um calçadão ao longo da orla de 400.000 m2. Foram construídas 3.000 unidades residenciais, cerca de 190.000 metros quadrados de escritórios comerciais e 35.000 de comércio varejista, tudo em espaços antes ocupados por vias para carros.
Histórias como a de San Francisco são detalhadas em Morte e Vida de Rodovias Urbanas, publicado pelo Instituto de Políticas para o Transporte e Desenvolvimento (ITDP). O livro reúne exemplos de demolições de viadutos, vias expressas e pistas elevadas em cidades como Portland, Toronto, Seattle, Paris, Berlim, Boston, Bogotá e Seul. Nessas cidades os viadutos não caíram por força do descaso ou de incompetência engenheirística, mas pela vontade de se ter espaços urbanos melhores.
Em todos os casos de supressão das grandes infraestruturas para carros dois fatos se repetem: 1) o trânsito melhora; 2) o custo de supressão das vias elevadas é menor do que o custo de manutenção se elas continuassem lá. O Estudo do ITDP mostra que com o alargamento de vias e a construção de viadutos o número de automóveis tende a aumentar proporcionalmente ao espaço aberto, saturando-o rapidamente. Por outro lado, a supressão das vias induz à redução das viagens, migrando passageiros para o transporte coletivo ou vias alternativas.
Se urge a apuração dos responsáveis pela tragédia do Guararapes mineiro, urge também que se reavalie o anacrônico modelo de mobilidade urbana que ainda se implanta em cidades brasileiras. Viadutos degradam cidades, roubam espaço urbano e não melhoram o trânsito. E, embora sirvam para abastecer o caixa de generosas construtoras, quando são feitos às pressas podem cair na cabeça de quem não escolheu construí-los.
Roberto Andrés é arquiteto, professor na Escola de Arquitetura da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA.
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