Valor Econômico
Até amanhã, deverá ser anunciado o nome do comprador das atividades de energia da francesa Alstom, disputadas pela americana General Electric (GE) e pela alemã Siemens. A resposta está longe de ser o simples desfecho de uma grande aquisição como tantas outras, estimada em mais de € 10 bilhões. A operação, que vem sendo chamada no país de "desmantelamento da Alstom", se tornou um assunto de Estado na França, embora o governo não seja mais acionista da companhia desde 2006.
O caso que mobiliza até o presidente francês, François Hollande, também colocou novamente sob os holofotes o problema da desindustrialização da França.
Considerada, como diz o ministro da Economia, Arnaud Montebourg, "o símbolo da potência industrial e da engenhosidade francesas", a Alstom é uma empresa com atividades altamente estratégicas: fornece turbinas para centrais nucleares e detém tecnologias e cobiçados segredos industriais nessa área. Para o governo francês, trata-se ainda de uma questão de independência energética. A Alstom também fabrica o famoso trem-bala francês, TGV, mas o segmento de transportes não está incluído nas negociações.
Desde quinta-feira passada, quando foi revelado o possível acordo entre a GE e a Alstom para a compra das atividades de energia do grupo (que representam € 14 bilhões - 73% de seu faturamento), o governo francês tem expressado preocupação e "vigilância patriótica", nas palavras de Montebourg, com a operação que envolve essa "joia" da indústria nacional.
O governo francês tem se empenhado em atrasar a venda e tentado até mesmo pôr fim às negociações com a GE. A oferta de compra feita pela americana deveria ter sido oficializada ontem. A Siemens, que surgiu como "penetra da festa" no fim de semana, ao também apresentar uma proposta de aquisição das atividades de energia da Alstom, tem a preferência declarada das autoridades francesas. A proposta da Siemens deverá ser oficializada hoje.
"Ou somos comprados pela Boeing ou construímos uma Airbus ", afirmou Montebourg. Em outras palavras, o fabricante de turbinas e outros equipamentos para centrais elétricas e que atua ainda no setor de energias renováveis (fabricante de torres eólicas offshore, por exemplo) teria futuro, ao lado da Siemens, como um gigante europeu do setor de energia, na avaliação do governo francês, que não vê as mesmas possibilidades de expansão no caso da GE. Em janeiro, Hollande já havia evocado a criação de uma "Airbus da energia".
Hollande se reuniu ontem, no palácio do Eliseu, com os presidentes mundiais da GE, Jeffrey Immelt - que afirmou ter tido um diálogo "aberto, amistoso e construtivo" com o líder francês- e da Siemens, Joe Kaeser, e também ainda com Martin Bouygues, do grupo Bouygues, principal acionista da Alstom, com 29,4% do capital, para pedir um prazo além de quarta-feira para analisar as ofertas das companhias. "O governo tem obrigatoriamente algo para dizer", disse Hollande.
Apesar das declarações, ontem, do ministro da Economia, de que "as empresas francesas não são um presa" (um animal caçado) e que o governo se recusa "a ser colocado diante do fato consumado", a Alstom já poderá, a partir de hoje, ter novo dono. Seu nome deverá se juntar a uma lista cada vez mais longa de indústrias francesas compradas ou que passaram a ter acionistas estrangeiros com peso nas decisões.
Um dos exemplos mais recentes é o da montadora PSA Peugeot Citroën, que se tornou uma companhia franco-chinesa em fevereiro, após a entrada do grupo Dongfeng em 14% do capital (o Estado francês também adquiriu 14% da empresa). Em abril, foi a vez da cimenteira Lafarge fazer uma fusão com sua concorrente suíça Holcim para criar um gigante mundial do setor, com sede na Suíça. Em 2011, o grupo belga Solvay adquiriu a Rhodia, uma das principais indústrias químicas da França.
Outros casos mais antigos, e também emblemáticos, são o da compra da Alcan, em 2007, pelo conglomerado anglo-australiano Rio Tinto, e a aquisição da Arcelor (que integrava a francesa Usinor) pelo grupo siderúrgico indiano Mittal, em 2006. Segundo estatísticas oficiais, a indústria francesa perdeu 40% de seus empregos nos últimos 40 anos. Apenas nos últimos três, mais de mil fábricas foram fechadas no país.
"A operação da Alstom é o símbolo do retrocesso industrial da França", afirma o economista Elie Cohen, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França. "Não temos a cultura dos grandes conglomerados tecnológicos, como os alemães, coreanos ou japoneses. E não temos acionistas de longo prazo", afirma Cohen.
"O patriotismo econômico francês não tem muito sentido porque a maior parte de nossas empresas já são mundiais. O problema é ter empresas francesas mais fortes, que sejam capazes de investir no exterior e não o contrário", afirma o economista Marc Touati, da consultoria ACDEFI.
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