29/04/2014 - Valor Econômico
Depois de encarar anos de atraso e ver seu orçamento estourar, envolvida em acusações de superfaturamento e problemas técnicos de toda ordem, finalmente a Ferrovia Norte-Sul tem uma razão para comemorar. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apurou o Valor, liberou a licença de operação do trecho da Norte-Sul, que liga a cidade de Palmas (TO) a Anápolis (GO). A autorização, assinada pelo presidente do Ibama, Volney Zanardi, autoriza a estatal Valec a colocar para funcionar o traçado de 855 km de extensão da ferrovia.
Hoje a Norte-Sul só opera no trecho Norte de 719 km de extensão, que liga a cidade de Palmas até Açailândia, no Maranhão, traçado que é usado pela mineradora Vale. O novo trecho da ferrovia terá a sua operação licitada pela Valec, que prevê a atuação do trecho a diversas empresas, e não apenas uma única operadora, como acontece no modelo de concessão atual. A oferta deve ocorrer nos próximos meses, a partir da contratação de um "operador ferroviário independente", a quem caberá prestar serviços a terceiros, interessados em transportar carga.
A licença de operação marca o fim de um processo desgastante para o governo. As obras no trecho foram retomadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007, depois de o projeto da Norte-Sul ficar abandonado pelos governos anteriores por mais de 20 anos. Lançada durante o governo do então presidente José Sarney, a Norte-Sul atravessou os dois governos de Fernando Henrique Cardoso com avanço de apenas 215 km. O empreendimento só foi retomado a partir do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
À época, Lula anunciou que seriam injetados R$ 4,2 bilhões na construção, que deveria ter sido concluída até outubro de 2010. Com atraso de três anos e seis meses, portanto, o trecho consegue agora a sua licença de operação.
Para colocar o traçado em condições de operar, a Valec foi obrigada a assinar uma série de contratos para execução de obras remanescentes. Em diversas auditorias realizadas nos últimos anos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), foram encontrados recorrentes contratações superfaturadas. Em muitos casos, a Valec assinou o termo de recebimento de obras com as empreiteiras, sem que as obras realmente estivessem concluídas.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Valec informou ao Valor que essas "obras remanescentes" custaram um total de R$ 407,78 milhões a mais ao empreendimento. Esses contratos ainda estão em andamento. Com isso, o custo total do traçado já ultrapassa a casa dos R$ 4,5 bilhões, segundo a própria Valec.
Com a conclusão do trecho Palmas-Anápolis, resta agora à Valec a entrega do trecho sul da ferrovia, que vai ligar Ouro Verde (GO) a Estrela D'Oeste, no interior de São Paulo. A linha de 680 km tem obras em andamento. Até o ano passado, o prazo de conclusão era julho deste ano. No balanço do PAC, a Valec assume que o trecho será entregue até o fim deste ano.
O traçado da Norte-Sul que corta o Centro-Oeste do país terá papel vital em diversas indústrias que estão instaladas ou em fase de construção entre os Estados de Goiás e Tocantins, envolvendo 42 plantas industriais de etanol e 20 usinas de biodiesel. Nas contas da Valec, o trecho deve impulsionar a produção na região do Cerrado e gerar cerca de 270 mil empregos diretos e indiretos nas comunidades do interior do país. Um total de 13 pátios multimodais deve entrar em operação. No Tocantins, o traçado corta um total de 14 municípios. Do lado de Goiás, avança por mais 23 cidades.
O plano de concessão de ferrovia anunciado em agosto de 2012 pela presidente Dilma Rousseff retirou da Valec a meta de construir um último elo da ferrovia no extremo Norte do país, saído de Açailândia até o porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA). A obra, que seria executada pela estatal, entrou para o rol das concessões de ferrovias e chegou a ser anunciada como o primeiro trecho que passaria para as mãos do setor privado. O governo, porém, acabou desistindo da proposta, ao enfrentar resistências dos empresários em bancar a construção de uma ferrovia em plena Amazônia, com base em uma oferta de concessão considerada pouco atrativa.
Com um total de 2.244 km de extensão e um orçamento total de US$ 6,7 bilhões, a Norte-Sul é hoje a sétima obra de transporte mais cara do mundo, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
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