quinta-feira, 13 de junho de 2013

Artigo - Tarifa Zero: É preciso tempo e ponderação

Evaristo Almeida *

No dia 1° de junho houve aumento das tarifas públicas dos transportes em São Paulo, nos trens, metrô e ônibus o que desencadeou uma série de protestos.

Outras manifestações do mesmo cunho já tinham ocorrido em cidades como Florianópolis, Porto Alegre e está acontecendo também na cidade do Rio de Janeiro.

Os protestos são organizados pelo Movimento Passe Livre - MPL que defende a tarifa zero nos transportes públicos. Ele foi criado em 2005 em Porto Alegre, mas já existia a Campanha pelo Passe Livre. Em 2003 houve a Revolta do Buzu, em Salvador e a Revolta das Catracas em Florianópolis em 2004 e 2005.

A pauta principal do MPL, segundo consta no sítio do movimento, é que os transportes sejam pagos por impostos progressivos, através de uma reforma tributária feita pela Prefeitura, de forma que pague menos quem tem menos e quem não tem nada, não pague. E uma parte dos recursos advindos dessa reforma sejam canalizados para custear o transporte público.

Já o MDT, Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos,foi criado em setembro/2003 como um movimento suprapartidário apoiado por cerca de 450 entidades dos mais diversos setores da sociedade (movimentos sociais, populares e sindicais, empresários, universidades, poder público, profissionais liberais, entre outros). Seu objetivo é inserir na agenda social e econômica do país o transporte público como um direito para todos. Um dos objetivos do MDT é o barateamento do transporte público urbano.

Não há nenhum grande sistema de transporte público gratuito no mundo. Os países mais ricos subsidiam as tarifas, mas foi um movimento realizado paulatinamente ao longo de mais de 40 anos. 

Na França os usuários pagam o equivalente a 30% do valor da tarifa de transporte, os outros 70% são subsidiados pelo poder público.

No primeiro momento a imprensa tratou o protesto em São Paulo como se ele fosse somente dirigido ao transporte municipal de São Paulo. Inclusive o governador Geraldo Alckmin equivocadamente num primeiro momento disse que era um problema da prefeitura.
Mas o movimento é claro e abrange também o Metrô, a CPTM e a EMTU sob gestão do governo paulista.

A tarifa do ônibus municipal de São Paulo tinha sido reajustada pela penúltima vez em 1° de janeiro de 2011, passou de R$ 2,70 para R$ 3,00, 11,11% de aumento. Até o dia 1° de junho de 2013, a inflação variou 15,96%. Dessa forma a tarifa deveria ir para R$ 3,47.
O governo municipal com o auxílio do governo federal, que abriu mão do PIS e COFINS das operadoras de transportes públicos terrestres, reajustou em 6,6%. A passagem foi para R$ 3,20.  

Em São Paulo há um subsídio de R$ 1,25 bilhão para completar o transporte municipal. A tarifa técnica, que é o custo real da passagem, atual é de R$ 4,13, ou seja, o passageiro ao passar pela catraca deixa de pagar R$ 0,93, que é coberto pelos cofres públicos.
O valor subsidiado atual do sistema é de 23% o que projeta um custo anual para o transporte municipal de R$ 5,5 bilhões. É esse valor que deveria sair dos cofres públicos municipais para pagar o sistema integralmente.

O orçamento municipal de São Paulo para 2013 é de R$ 42,04 bilhões, sendo a receita tributária desse montante de R$ 17,80 bilhões. Dado que os recursos já têm previsão de gastos, teria de haver um aumento de R$ 4,25 bilhões nos impostos para que o transporte público seja gratuito para todos.

A estimativa para a arrecadação do IPTU para o ano de 2013 é de R$ 5,3 bilhões na cidade. Dessa forma, se o financiamento da tarifa zero no município viesse unicamente desse imposto ele deveria ser aumentado em 80%.

Há de se ressaltar que uma parte da população já tem a tarifa zero, que são os idosos (homens com mais de 65 anos e mulheres com mais de 60 anos) e os passageiros especiais (pessoas com deficiência física, auditiva ou visual). Além dos estudantes que pagam meia passagem.

E o sistema estadual, composto pelo Metrô, CPTM e EMTU, sob gestão do governo paulista?
O Metrô e a CPTM tinham corrigido a tarifa em fevereiro de 2012, passou de R$ 2,90 para R$ 3,00. A variação do IPCA desde início de junho de 2013 foi de 8,8%, ou seja, a tarifa deveria ser ajustada para R$ 3,26, ao invés de R$ 3,20.

Segundo planilha enviada pelo governo do Estado de São Paulo à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - ALESP, o custo mensal da Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô é de R$ 181,35 milhões e as receitas líquidas (tarifa, outras receitas, ressarcimento das gratuidades e pagamento de impostos) de R$ 169,76 milhões, havendo um déficit de R$ 11,59  milhões cobertos pelo governo estadual. A cobertura pelas receitas na CMSP é de 93,6%.

A estimativa para o custo anual do Metrô é de R$ 2,176 bilhões. O governo junto com o custeio das gratuidades pelas planilhas apresentadas gastará R$ 427,84 milhões. A previsão é que o governo estadual deveria aportar mais R$ 1,748 bilhão para que o sistema seja gratuito.
Na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM o custo mensal é de R$ 160,03 milhões, enquanto as receitas líquidas são de R$ 105,68 milhões, havendo um déficit de R$ 54,35 milhões. A receita líquida cobre 66,04% dos custos, havendo um complemento de 33,96% pelo governo estadual.

O custo estimado anual da CPTM anual é de R$ 1,92 bilhão, dessa forma caberia o aporte de mais R$ 1,267 bilhão para a tarifa zero nos trens.

A Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU aumentou em 7,5% o preço das passagens na Região Metropolitana de São Paulo e na Região Metropolitana da Baixada Santista. A Região Metropolitana de Campinas não teve reajuste por conta da licitação. O corredor ABD (São Mateus-jabaquara) teve aumento de 9,68% e o preço passou de R$ 3,10 para R$ 3,40.

A cobertura custo pela receita da EMTU é de 100,51%. Isso indica a passagem paga pelo usuário é acima do que custa o sistema.

Para cobrir os custos da EMTU na RMSP, a estimativa é que seja gasto algo em torno de R$ 1,5 bilhão anualmente. Na RMBS, o serviço comum custa R$ 252,39 milhões.
Já o sistema sob gestão da ARTESP, aumentou o serviço classificado como suburbano em 5,06% em 23 de fevereiro. Esse sistema intermunicipal atende as cidades do Estado de São Paulo que não estão em regiões metropolitanas.

Os sistemas de transportes intermunicipais da EMTU e ARTESP atendem a população mais pobre do Estado de São Paulo e apresentam as passagens mais caras pelo governo do Estado de São Paulo não entrar com nenhum subsídio. Na RMSP, a média do preço das passagens é de R$ 3,62 e na RMBS, de R$ 3,81. É comum em muitas viagens o passageiro pagar valores acima de R$ 4,00.

Dessa forma para garantir a tarifa zero nos sistemas de responsabilidade do governo estadual na RMSP e RMBS, de acordo com os dados apresentados na planilha enviada à ALESP, o aporte de recursos seria de em torno de R$ 5 bilhões anualmente.
A receita orçamentária do governo estadual prevista para 2013 é de R$ 173,448 bilhões, sendo R$ 95,86 bilhões de receitas tributárias (R$ 6,025 bilhões de IPVA, R$ 4,469 bilhões de outras receitas e R$ 85,368 de ICMS).

Nos últimos anos muita coisa tem sido feita na esfera da mobilidade urbana. O PAC mobilidade urbana prevê mais de R$ 60 bilhões de investimentos nos transportes públicos do país. São 15 obras de BRTs em andamento, 13 de corredores de ônibus, quatro metrôs, dois monotrilhos, um trem urbano e dois VLTS que beneficiarão capitais e grandes cidades brasileiras como Belo Horizonte, Belém, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Outras obras ainda estão em processo de preparação em todo o país.

O governo federal já deu passos importantes para a desoneração da tarifa dos transportes públicos, com a redução do preço da energia elétrica em 32%, o que ajuda empresas operadoras de metrôs, trens e ônibus elétricos,  desoneração da folha de pagamento das operadoras de transportes e zeragem das alíquotas do PIS e COFINS para o transporte urbano, que beneficiam aos  operadores de todos os modais.

Essas medidas permitiram que cidades como Guarulhos, São Bernardo do Campo,Mauá, São Caetano do Sul, Ribeirão Pires, São José dos Campos, Vitória, Manaus e Jundiaí, reduzissem o preço da tarifa e a cidade de São Paulo pudesse fazer um reajuste menor.
Outras medidas poderão fazer parte dessas iniciativas como redução dos impostos para o diesel usado no transporte público e a CIDE da gasolina, como defende o prefeito Fernando Haddad de São Paulo, ser cobrado e utilizado para um fundo de barateamento da tarifa.
Falta aos governadores a iniciativa de redução de ICMS da cadeia produtiva do transporte e aos municípios o ISS.

O transporte público é um dever do Estado e um direito do cidadão e a redução ou zeragem do preço da tarifa beneficia principalmente os mais pobres que o utilizam mais.
A mobilidade urbana nas cidades brasileiras tem sido prejudicada por causa do uso intensivo do transporte individual e a qualidade junto com o barateamento da tarifa poderá estimular que as pessoas troquem o carro pelo transporte público.

Dessa forma entendemos a necessidade de discussão de um transporte com mais qualidade, modicidade tarifária ou tarifa zero tem de passar pela sociedade pela necessidade de aumento dos impostos, mas com o benefício de ter transporte público à disposição de todos.

É um movimento que se dará ao longo do tempo com a sua inclusão na pauta política do país.
O debate deve ser feito de maneira ponderada e de acordo com capacidade fiscal dos governos.


Evaristo Almeida – Mestre em Economia Política, Assessor de Transportes da Liderança da Bancada do PT e Coordenador do Setorial Nacional de Transportes do PT

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