quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Mundo não pode mais tolerar a poluição, diz Pnuma

04/08/2016 09:00 - Valor Econômico

Do sítio ANTP
O norueguês Erik Solheim é conhecido dos ambientalistas que lutam pela preservação da Amazônia — foi um dos principais arquitetos do Fundo Amazônia, fonte fundamental de recursos que o Brasil recebe, principalmente da Noruega, para preservar a floresta.  Em junho, ao assumir o mais alto posto ambiental das Nações Unidas, a direção executiva do programa para o meio ambiente, o Pnuma, ele se comprometeu com outra arquitetura ambiciosa: trazer as questões ambientais para mais perto das populações locais. “É preciso falar a língua das pessoas”, diz. “Questões ambientais não são um problema distante, do outro. Têm a ver com a vida da gente.”
Solheim, 61 anos, lembra que sete milhões de pessoas morrem por ano, no mundo, por problemas causados pela poluição do ar. “Isso encurta a vida”,  disse por telefone ao Valor, na segunda-feira, ao iniciar uma viagem pelo Panamá, Costa Rica e Brasil. “Temos que fazer com a poluição o mesmo que fizemos com o cigarro, há 15 anos, quando não se permitiu mais fumar em locais fechados. Não podemos aceitá-la mais.”
Ele começou cedo no Partido Socialista da Noruega. Durante 2005 e 2012 foi ministro do Desenvolvimento Internacional e do Meio Ambiente, época em que desenhou o Fundo Amazônia. Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Fundo tem US$ 1 bilhão de aportes da Noruega, de longe o maior país doador seguido pela Alemanha e Reino Unido. Também iniciou uma importante cooperação com a Indonésia, a Guiana e outros países com florestas para ajudar a conter emissões relacionadas ao desmatamento.
Solheim graduou-se em História, Ciências Políticas e Sociologia e é um defensor das florestas com perfil diferente do antecessor, o alemão Achim Steiner. O atual líder do Pnuma dedicou anos à mediação de conflitos no Sudão, Nepal, Burundi e no Sri Lanka. “Muitos confrontos mundiais têm uma dimensão ambiental”, diz. O sistema internacional tem que se preparar para a possibilidade de mais confrontos no futuro, agravados pelo aumento da temperatura, e mais migrações, alerta.
Solheim foi nos últimos anos chefe do comitê de assistência ao desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. Ele defende que os recursos ao desenvolvimento destinados pelos países ricos estejam na mesma conta que os recursos necessários para os desafios climáticos. É um ponto que desagrada as nações em desenvolvimento, que querem verbas adicionais. O dinheiro, defende, tem que vir do setor privado.
Solheim veio várias vezes ao Brasil, mas começou na quarta-feira (03/08) sua primeira visita como diretor-executivo do Pnuma, iniciando por Brasília. Nesta quinta-feira (04/08) vai ao Rio de Janeiro incentivar o setor de  turismo a tornar-se sustentável. A seguir alguns trechos da entrevista que concedeu ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor:
Valor: O sr. acredita que ambiente é um tema de conflito?
Erik Solheim: Com certeza, e esta é uma das minhas prioridades. A degradação ambiental é um dos principais vetores que amplificam confrontos. Muitos conflitos mundiais têm uma dimensão ambiental, embora em alguns casos não seja assim. Estive muitos anos envolvido em tentar uma solução para os confrontos no Sri Lanka e ali não havia uma grande questão ambiental, mas não é assim no caso da Somália, no Sudão, no norte da Nigéria. Nesses lugares a destruição ambiental têm sido fator-chave para aumentar a turbulência. Temos que enfrentar estas questões. Um estudo recente mostra que eventos climáticos extremos como fortes secas e ondas de calor estão na base de 1/3 dos conflitos globais.
Valor: Se o aquecimento da temperatura se agravar, haverá mais confrontos no mundo?
Solheim: Sim, se não enfrentarmos o desafio climático, teremos mais conflitos, mais pessoas irão se deslocar e há bem poucos lugares no mundo onde pessoas de outro país podem ir sem que isso crie dificuldades. Secas, tempestades, ciclones, o aumento do nível do mar, tudo isso faz com que muita gente tenha que deixar suas casas e podemos ter mais confrontos. Temos que preparar o sistema internacional para isso e buscar resolver tanto o conflito como a trincheira ambiental.
Valor: O senhor diz que é muito difícil preservar apenas com políticas públicas e que “é preciso colocar as populações locais a bordo”. Como pretende fazer isso?
Solheim: Precisamos falar a língua das pessoas. Durante muito tempo questões ambientais tiveram a linguagem intelectual de gente que tem medo de falar em termos emocionais. Temos que mudar isso e ter também uma linguagem direta e clara. As pessoas estão mais preocupadas com poluição, acontece também no Brasil. Vimos no Rio de Janeiro, antes da Olimpíada, as imagens de poluição vindo dos esgotos e a grande quantidade de plástico. Algumas das grandes cidades da América Latina sofrem com a contaminação no solo e a poluição atmosférica. Isso encurta a vida. Estudos mostram que sete milhões de pessoas no planeta morrem ao ano, antes da hora, por causa da poluição do ar. Temos que lidar logo com essas questões.
Valor: É comum pensar que questões ambientais são algo distante ou um problema dos outros. Como alterar essa percepção?
Solheim: Traçando um paralelo: 15 anos atrás era permitido fumar em salas de reuniões, em restaurantes, em lugares fechados no mundo todo. Assistimos a uma grande mudança na opinião pública e agora é difícil encontrar restaurantes no planeta que permitam fumar. Temos que fazer o mesmo com a poluição, não podemos aceitá-la mais. Temos que regulamentar e criar sistemas elétricos, ter carros elétricos, andar em ônibus elétricos, por exemplo. Isso não é um problema do outro. Isso tem a ver com a vida das pessoas.
Valor: Oceanos é outra prioridade sua. Por quê?
Solheim: Veja, 70% do nosso bonito planeta é coberto por água. Muita gente pensa: ‘bem, qual o problema de se jogar algo dentro do mar? É tão grande’. É preciso mudar completamente esta atitude e passarmos a proteger os oceanos. Parar de jogar lixo plástico, proteger os estoques de peixes, cuidar dos recifes de corais, fazer políticas e planos nacionais. O Brasil tem provavelmente um dos maiores índices de áreas protegidas do mundo, com vastas áreas na Amazônia e em outros Estados. É hora de proteger os oceanos, um dos nossos mais vulneráveis sistemas.
Valor: O sr. quer mais esforços do Pnuma e da comunidade científica para essa tarefa?
Solheim: Certamente. Já observamos uma imensa destruição dos corais em função da mudança do clima. Mas veja: em vários lugares há grupos da sociedade civil limpando praias. Esta motivação  não vem dos governos, embora depois eles tratem de apoiar estes movimentos, fornecer máquinas. Mas o movimento partiu de cidadãos, que já tinham começado a limpar para tornar as praias muito mais agradáveis.
Valor: Sobre finanças climáticas: durante seu trabalho com desenvolvimento na OCDE, o sr. disse que os recursos para desenvolvimento e clima têm que convergir. Este é um assunto muito delicado para o mundo em desenvolvimento. Como resolver esse tópico controverso?
Solheim: Isso tem que ter um foco: como conseguir que os grandes investimentos privados do mundo se tornem verdes. É ali onde o dinheiro está. O dinheiro privado no mundo é mais do que 100 vezes maior que a ajuda ao desenvolvimento. Temos que trabalhar com bancos centrais, bancos privados, bolsas de valores e buscar fazer com que os grandes investimentos globais se virem para as energias renováveis, a agricultura sustentável. Há muito interesse nisso, mas muitos investidores não acham atraentes alguns projetos verdes, então temos que mudar e conseguir que os investidores assumam riscos. Já estamos vendo mudanças no mundo dos negócios. É por isso que o preço da energia solar caiu tanto e há novas oportunidades.
Valor: O sr. acha que não há dinheiro público dos países ricos que dê conta de desenvolvimento e recursos adicionais para o clima?
Solheim: Os recursos públicos são muito menores. Além disso, o alvo destes recursos é ter algum risco inicial para depois dar uma direção ao fluxo de recursos privados. Governos podem regular, dar subsídios, reduzir impostos e fazer muito para conduzir os recursos privados a se tornarem verdes. Há um grande progresso nessas iniciativas, mas no fim das contas o dinheiro é privado. Por exemplo, a empresa francesa de petróleo Total acaba de se comprometer a se tornar uma das maiores empresas de energia solar do mundo, em 2030, o que será uma grande força, e também não explorar petróleo no Ártico. Há outros exemplos de busca de governança verde, como os esforços da Nestlé ou Unilever, só para citar algumas empresas.
Valor: O sr. vem de um país rico que continua enriquecendo a partir dos combustíveis fósseis. Qual é a estratégia de saída da Noruega?
Solheim: A Noruega tem que mudar, esta é a minha opinião. Tem que reduzir sua dependência de gás e de petróleo e ir para as energias renováveis. Este movimento já está acontecendo, mas tem que acontecer bem mais rápido. O país tem que gastar suas receitas com petróleo e gás de uma maneira melhor. Temos o maior fundo de petróleo e gás do mundo, e ele precisa investir muito mais em renováveis e tecnologias verdes. Esta será uma grande contribuição global.
Valor: Ao mesmo tempo, a Noruega é a grande financiadora de um fundo de preservação de florestas importante para o Brasil, o Fundo Amazônia. Há um paradoxo aí.
Solheim: Sim. Comecei este fundo quando era ministro. Trabalhamos muito próximos do Brasil à época, com o presidente Lula, Marina Silva, Izabella Teixeira e muitos outros. Espero que possamos continuar com o atual governo esta cooperação. Isso é importante e é positivo, mas a Noruega deve investir mais no  mundo mundo, na agenda global do pós-2020. 
Valor: O Brasil está fazendo um bom trabalho com o dinheiro do Fundo Amazônia?
Solheim: Não pode haver nenhuma dúvida em relação a isso. A redução de emissões de gases-estufa na Amazônia brasileira é, provavelmente, a maior redução de emissões que um país já fez sozinho, algo enorme e muito positivo. Há alguns anos havia quem dissesse que era uma tarefa grande demais e não dava para fazer. A liderança brasileira mostrou outra coisa.
Valor: O que o senhor espera da Olimpíada?
Solheim: Mesmo havendo algum desapontamento com o fato de que o Rio poderia ter ido bem adiante em limpar a Baía da Guanabara, esta talvez seja a Olimpíada mais ambientalmente correta. O Pnuma tem a campanha do Passaporte Verde [que busca promover o turismo sustentável]. O turismo é um setor que se desenvolveu enormemente no mundo, mas deveria ser verde. Deveria haver um compromisso claro do setor em reduzir emissões. Turismo verde é uma oportunidade fantástica. Tenho a esperança que os jogos do Rio possam ser um bom momento de se exibir estas oportunidades.

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