segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

História dos Transportes: Da Lua para o Cometa pela paixão de servir às pessoas


ônibus Caio Bossa Nova - Viação Padroeira do Brasil
Ônibus Caio Bossa Nova em 1966, da Viação Padroeira do Brasil. Boa parte das ruas no ABC Paulista era de terra e foi enfrentando atoleiros e vias difíceis que os jovens trabalhadores como Gilberto Braz da Silva contribuíram para que os transportes levassem desenvolvimento às cidades. Foto: Acervo pessoal Gilberto Braz da Silva/Matéria: Adamo Bazani. (Reprodução Autorizada apenas com a manutenção destes créditos)
Da “Lua” para o “Cometa” no sonho de servir às pessoas pelo trabalho de motorista
Com 61 anos de idade, hoje Gilberto Braz da Silva é uma história viva dos transportes que mostra como o setor e as cidades cresceram pela dedicação dos profissionais do volante
ADAMO BAZANI – CBN
Uma nação não se desenvolve simplesmente com planos econômicos, programas governamentais ou isoladamente pela atuação de grandes personalidades que ficaram famosas na história.
Toda a evolução que um País já conseguiu e ainda continua buscando vem do esforço de milhões de trabalhadores que todos os dias enfrentam dificuldades e cansaço, mas cumprem seu dever não apenas para com a família, mas para todo o contexto social.
E quando o trabalho é feito com paixão, o resultado é especial.
Exemplo disso é a história do motorista de ônibus Gilberto Braz da Silva, hoje com 61 anos de idade.
Desde muito jovem ele já demonstrava paixão pelos gigantes que levavam vidas, transportando sonhos e progresso: os ônibus.
Tanto é que aos 11 anos de idade, em 1963, começou a trabalhar precocemente como cobrador de ônibus na Viação Padroeira do Brasil, de Santo André.
Um detalhe curioso que Gilberto conta é que a Padroeira, mesmo com os serviços urbanos, servia a trabalhadores da fábrica da Ford. A história de Gilberto mostra que a industrialização do País, em especial do ABC, trouxe renda e oportunidade para muita gente. Mas se não fosse o setor de transportes, servindo os trabalhadores e até mesmo executivos, a indústria não teria o mesmo êxito.
O profissional se recorda das ruas de terra, em 1965, na região do Jardim Bom Pastor, em Santo André, e como o ABC ia se desenvolvendo por onde os ônibus passavam.
Presente no dia a dia das pessoas, pela memória dos transportes é possível entender e abordar fatos de grandes dimensões pela ótica não da história oficial, ensinada nas escolas, mas pela visão do próprio povo.
Destaque, na história de Gilberto em 1969 foi a chegada do homem à Lua. O fato despertou sonhos, curiosidade e teve um impacto muito grande no imaginário das pessoas. Alguns nem acreditavam, outros sonhavam em um dia poder ir lá. E como o brasileiro é bem humorado por natureza, com o jovem profissional dos transportes não poderia ser diferente. Ainda como cobrador da Padroeira, quando o ônibus estava “especial” indo para a garagem, Gilberto improvisou uma fita e colocava no letreiro do itinerário do ônibus a palavra “Lua”. Ou seja, quem queria ir para a Lua, pelo menos na imaginação, poderia pegar um “Padroeira” e se divertir com o jovem cobrador.
A história de Gilberto mostra também que o crescimento da indústria foi tão grande no ABC que houve oportunidade para o surgimento e expansão de empresas de fretamento, como a Tursan – Turismo Santo André, que atendia fábricas como Volkswagen, Motores Perkins, Swift, Poliolefinas, Petroquímica, Petrobras, Scania. Outro detalhe interessante que Gilberto conta é a valorização da marca que as indústrias já preservaram. Tanto é que para atender a Scania, a Tursan teve de comprar ônibus da marca e optou pelos modelos Dinossauro e Turbo Jumbo usados da Viação Cometa.
Aliás, a trajetória de Gilberto literalmente foi da “Lua” na Padroeira para o Cometa. Ele conta que o sonho de todo motorista de ônibus era trabalhar na Viação Cometa, onde ele começou a atuar em 1985. A Cometa era referência nos transportes e não só exigia que o motorista dirigisse bem, mas também verificava na hora da apresentação, asseio, educação, calma e tranquilidade nas adversidades do trânsito, bons antecedentes.
Gilberto, que atuou como motorista até 1990, quando já estava na Garcia Turismo, diz que transportar vidas é uma paixão aliada à seriedade e que o transporte público desde seu início é a principal solução para a mobilidade, mesmo antes de esta palavra virar moda, como mostra sua história.
Confira a íntegra da entrevista e mais fotos abaixo:
Gilberto Braz da Silva - Padroeira
A paixão e o trabalho para Gilberto Braz da Silva começaram cedo. Aos 11 anos de idade ele já era cobrador da Viação Padroeira do Brasil. Na foto, de 1969, o profissional está no posto do cobrador que antes ficava na parte de trás dos ônibus. Ele se recorda neste ano da reação das pessoas sobre a chegada do home à Lua e até fazia brincadeiras como escrever Lua no letreiro do ônibus. Quem também quisesse ir para a Lua, ao menos em sonho, era só embarcar num Padroeira Foto: Acervo pessoal Gilberto Braz da Silva/Matéria: Adamo Bazani. (Reprodução Autorizada apenas com a manutenção destes créditos)
Adamo Bazani – Vimos algumas fotos de criança. Era o senhor? Como começou sua paixão pelos transportes?
Gilberto Braz – Sim sou eu mesmo nas fotos, a minha paixão pelos ônibus começou quando fiz amizade com alguns motoristas e cobradores que faziam as linhas da Viação Padroeira na Vila Assunção, lugar onde morei durante a maior parte da minha infância, adolescência e continuei morando mesmo após a maioridade.
A.B.- Como teve início sua carreira nos transportes?
G.B. – Em 1963, a Viação Padroeira fazia o transporte dos funcionários da Ford-Willians, da fábrica do Taboão (SBC) até a estação de S. André e depois fazia um encaixe no horário de pico da tarde da Estação até o Bairro Paraíso e eu fazia um bico de cobrador recebendo diariamente pela viagem que realizava como cobrador. Naquela época eu tinha 11 anos eu não podia tirar carteira profissional, pois só era permitido após os 14 anos, fiz esse bico de cobrador por um ano com a autorização do proprietário que na época era o Sr. Tonico Turco (assim era chamado), meus pais eram separados e devido a um problema de família me afastei da empresa voltando em 1967 desta vez com registro em carteira e o proprietário já era o Sr. José Romano e o gerente da empresa era o Sr. Laerte Pelosini (hoje proprietário da Viação Santo Ignácio). Quando eu era cobrador em 1968/69 a garagem da Viação Padroeira já era na Rua Monte Mor e um dos motoristas com o qual eu trabalhava, assim que saia da garagem (de madrugada) e virávamos na esquina da Rua José D’Ângelo ele saia do banco e eu assumia o volante indo até o ponto inicial na fábrica Troll, em Rudge Ramos, e voltava dirigindo até que embarcasse o primeiro passageiro, posso dizer com segurança e orgulho que a Viação Padroeira foi a minha Autoescola, inclusive quando voltei já como motorista em 1975 saímos em 5 motoristas para fazer o teste e apenas eu e mais um fomos aprovados e ao entrar na garagem o encarregado da manutenção, o Sr. Ramiro, disse para o encarregado do Tráfego que havia feito o teste: – Eu sabia que o Gilbertinho ia passar, ele foi criado aqui na garagem!
A.B.- Em relação à Viação Padroeira do Brasil. O senhor lembra dos modelos que trabalhou e quais linhas? Em que época. Como era Santo André nesta época e como a Padroeira ajudou a desenvolver a cidade?
G.B. – Na época em que eu era cobrador trabalhei com os modelos Caio Bossa Nova, mas não sei precisar com exatidão qual era o ano do modelo (talvez 1964) e também com a Grassi – Nicola – Super Caio, nas linhas Estação de Santo André/ Jardim Bom Pastor até a Vila Scarpelli (Bairro Pinheirinho) e do Jardim Bom Pastor em diante as vias eram de terra. Como motorista a partir de 1975, com os modelos Gabriela e um anterior a ele, mas não me recordo qual era.
A.B. – O Senhor também trabalhou na linha bairro Paraíso – São Paulo via Rudge Ramos? Como eram as vias que ligavam Santo André a São Bernardo do Campo nesta época?
G.B. – Sim trabalhei na linha Bairro Paraíso – Rudge Ramos (fabrica Troll) como cobrador e posteriormente como motorista, as vias eram asfaltadas e boas.
A.B. – Quem era o dono da Viação Padroeira nesta época (ou os donos) e como era o relacionamento entre funcionários e empresários nesta época?
G.B. – O dono da Viação Padroeira na época era o Sr. João Romano e quem gerenciava eram o filho Osvaldo Romano e o genro Laerte Pelosini, o relacionamento entre funcionários e patrões era muito bom.
ônibus Ciferal Turbo Jumbo - Tursan
O setor de fretamento e a indústria no ABC cresceram juntos. A industrialização foi a oportunidade para muitas empresas de fretamento surgirem e crescerem. Mas os benefícios foram mútuos, e a indústria só conseguiu chegar ao atual patamar devido aos empresários e trabalhadores dos transportes. A foto é de 1984 e mostra Gilberto Braz da Silva na frente de um Ciferal Turbo Jumbo da Tursan. Empresa de fretamento comprou ônibus da Viação Cometa para atender à montadora Scania em São Bernardo do Campo. Foto: Acervo Pessoal Gilberto Braz da Silva/Matéria: Adamo Bazani.(Reprodução Autorizada apenas com a manutenção destes créditos)
A.B. – Em seguida o senhor trabalhou na Tursan, empresa de fretamento. Como foi a mudança de urbano para fretamento? Era muito diferente o trabalho?
G.B. – A mudança foi muito boa, o trabalho era diferente tanto pelos modelos dos ônibus, como pelos passageiros e o sistema de tratamento entre o motorista e os passageiros. Mas desde criança eu tinha paixão por ônibus e sonhava em ser motorista e prezava por alcançar o nível máximo na carreira de motorista, que na minha visão era ser motorista de diretoria ou motorista rodoviário. Ainda na Viação Padroeira e com alguns amigos motoristas que tinham trabalhado comigo e tinham ido antes de mim para a Tursan fui me aconselhando sobre como era o serviço no turismo e colocando em pratica coisa tipo: não repicar o acelerador na troca de marchas, evitar ao máximo dar trancos, tanto na troca de marcha, como nas arrancadas e nas freadas e fui adquirindo experiência e me dei bem, pois antes de ir para a Viação Cometa trabalhei 8 (oito) anos na Tursan e depois voltei e trabalhei mais 2 (dois) anos.
A.B. – Na Tursan o senhor atendida linhas para as fábricas? Como era o serviço diante do crescimento industrial na época na região do ABC? Quais fábricas eram atendidas?
G.B. – Sim, na Tursan eu atendia linhas de fábricas e o serviço era bom e bem remunerado e as fábricas atendidas eram: Volkswagen, Motores Perkins, Swift, Poliolefinas, Petroquimica, Petrobras, Scania.
A.B. – E o Turismo eventual, ou seja, excursões, etc, como era?
G.B. – Em 1971 quando ainda era cobrador e trabalhei por dois meses na Viação São Camilo na linha Santo André a São Paulo (Parque D. Pedro), tirei a minha habilitação e através de um amigo que trabalhava na Chrysler Caminhões em Santo André, comecei a transportar caminhões (só a cabine sem carroceria) da fábrica p/ as concessionárias, do interior de S. Paulo e de outros estados e foi através da experiência nas estradas que quando fui admitido na Tursan, em pouco tempo comecei a viajar, tanto nas viagens de curta distância com os chamados “farofeiros” para Santos, Pirapora do Bom Jesus, Aparecida, Poços de Caldas e também nas viagens de longa Distância da Agência de Turismo da própria Tursan e também viagens da CVC, para Rio de Janeiro, Blumenau (Oktoberfest), Belo Horizonte e cidades históricas, Foz do Iguaçu, Serras Gaúchas entre outros destinos.
A.B. – Quais modelos da Tursan mais marcaram e quais eram os donos da empresa nesta época?
G.B. – Os modelos da Tursan que mais me marcaram, foram os Scania (Jumbo e Dinossauro) comprados da Viação Cometa por exigência da Scania para o transporte de seus funcionários, mas trabalhei com vários modelos; o O-321 com aro de seta e buzina no volante, também com o O-352, O-362, O-364.
Viação Cometa Antigo
Pelas boas condições de trabalho e salário e também pelo desafio de ser aprovado em rigorosos testes de admissão, a Viação Cometa S.A. era o sonho profissional de todo motorista de ônibus que tinha paixão pelo que fazia. E Gilberto Braz da Silva realizou este sonho em 1985. A qualidade dos ônibus também fazia a diferença na empresa que é uma das mais tradicionais do País. Foto: Acervo pessoal Gilberto Braz da Silva/Matéria: Adamo Bazani. (Reprodução Autorizada apenas com a manutenção destes créditos)
A.B. – O senhor disse que realizou um sonho que era ir para a Viação Cometa. Realmente, a Cometa era o “grande objetivo profissional” dos motoristas de ônibus? Na sua opinião, por que?
G.B. – Por que era um desafio, o examinador era muito rigoroso, as regras para admissão iam muito além da experiência como motorista, incluíam apresentação, asseio, educação, calma e tranquilidade nas adversidades do trânsito, bons antecedentes, ou seja, era uma empresa sinônimo de segurança, qualidade, pontualidade, que remunerava bem os seus motoristas sem submetê-los a jornadas excessivas e qualquer motorista que tivesse trabalhado na Viação Cometa tinha prioridade na admissão em qualquer outra empresa em que fosse procurar emprego.
A.B. Para o senhor, o que é o transporte de passageiros na prática?
G.B. – Acredito que é a solução para a mobilidade das pessoas, pois nas grandes cidades e capitais os congestionamentos batem recordes de trânsito todos os dias, pois não houve a exemplo de Curitiba, que hoje também está enfrentando problemas um planejamento para o aumento da população.
A.B. – O senhor lembra de fatos curiosos, engraçados e que marcaram na sua carreira? Poderia contar para a gente.
G.B. – Sim, um deles foi em 1969, quando o homem chegou à lua e era o assunto do momento. Eu era cobrador na Viação Padroeira e sempre fui um pouco arteiro, no final do rolo do letreiro do ônibus que eu trabalhava tinha um espaço em branco, eu peguei uma fita isolante e formei a palavra LUA e quando estava indo da garagem para o ponto inicial em Rudge Ramos ou quando estava recolhendo para a garagem ao invés de colocar “ESPECIAL ou RECOLHE”, eu girava o letreiro para que ficasse aparecendo a palavra: LUA. Sentado na frente ao lado do motorista eu me esborrachava de tanto rir vendo os passageiros que estavam nos pontos olharem para o letreiro e ficarem espantados ou rindo sem entender o que estava acontecendo.
Também era interessante o fato de eu ser baixinho (1,61m), cara de menino, inclusive até hoje apesar de já estar com 61 anos, as pessoas dizem que eu não aparento ter nem 50, e em 1985 quando tinha 33 anos com aparência de 20 ou 25, quando eu chegava nas garagens da Viação Cometa (Jundiaí – Campinas – Rio) os encarregados de tráfego, estranhavam quando estacionava um Dinossauro e descia do volante um baixinho com cara de moleque, e nas estações rodoviárias na hora do embarque era a mesma coisa e era visível a cara de espanto dos passageiros.
A reportagem agradece ao senhor Gilberto Braz da Silva pela disponibilidade da entrevista e por ter cedido as fotos e ao Presidente do Primeiro Clube do Ônibus Antigo Brasileiro, Antônio Kaio Castro, que nos proporcionou contato com esta história vida dos transportes.

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