terça-feira, 19 de novembro de 2013

Docas vão ter novo modelo de gestão, garante ministro



Antônio Henrique Silveira, ministro da Secretaria dos Portos: “Vamos promover uma redistribuição dos riscos”. Foto: Claudio Belli/Valor
Há 40 dias no comando da Secretaria de Portos, que saiu pela primeira vez da órbita política do PSB, o ministro Antônio Henrique Silveira precisará colocar à prova todos os seus conhecimentos de exímio economista – essa é a sua fama no Palácio do Planalto – para cumprir a missão que lhe foi confiada: levar adiante a reforma do setor portuário.
O caminho que ele tem pela frente é duríssimo: dobrar as críticas ao desenho feito pelo governo para as licitações de novos contratos de arrendamento nos portos organizados, regular o custo dos serviços de praticagem, destravar obras de dragagem e modernizar a administração das Companhias Docas.
Recém-desligado do Ministério da Fazenda, onde estava à frente da Secretaria de Acompanhamento Econômico desde o governo Lula, arrastou outros integrantes da equipe econômica para a nova empreitada: o secretário-executivo Eduardo Xavier e o secretário de infraestrutura portuária, Tiago Correia.
Em sua primeira entrevista exclusiva, concedida na quarta-feira passada, Silveira antecipa que está para sair um novo modelo de gestão das Docas – inicialmente será aplicado em Santos, no Rio e no Pará.
Promete, no curto prazo, uma tabela com preços máximos que poderão ser cobrados pelos práticos (os “manobristas” de navios) nos portos. E sinaliza que o governo ainda pode fazer mudanças nas licitações de arrendamentos, incluindo uma rediscussão dos riscos não gerenciáveis nos contratos.
Deixa claro ainda que, embora esteja disposto a considerar todas as reclamações, uma premissa deve ser observada: “Precisamos garantir que o ganho de eficiência da operação portuária transborde para o resto da sociedade. Não posso tomar uma atitude de fazer um adensamento que traga eficiência somente ao terminal e não tenha reflexo para o restante da cadeia logística. Esse é o grande ponto”.
Valor: De tempos em tempos, surgem rumores sobre a criação de uma nova estatal dos portos para substituir as Companhias Docas. Isso tem possibilidade de sair?
Antônio Henrique Silveira: Esse plano não existe. Já falei sobre isso, inclusive, com os trabalhadores. Fui peremptório: não está na agenda do governo. Quando estávamos começando a explorar a reforma do setor portuário, uma série de ideias palpitou, das mais às menos razoáveis. Houve, em certo momento, uma manifestação com essa proposta. Durou 20 minutos e logo nos encarregamos de desmontá-la. Saiu da mesa no espaço de meia reunião.
Valor: E a profissionalização das Docas? Falava-se em contratos de gestão para essas empresas, mas isso parece ter sido abandonado.
Silveira: Estamos concluindo o termo de referência para a contratação de uma empresa de consultoria que vai implementar um piloto do novo modelo de gestão em três Docas: Santos, Rio de Janeiro e Pará. Vamos colocar uma série de incentivos para a administração, com metas corporativas e metas financeiras. Temos também que desenvolver um sistema simplificado de compras. Até o fim deste mês sai o edital para essa contratação.
Valor: Se uma diretoria não cumprir metas, será demitida?
Silveira: Como todo modelo de gestão, isso vai envolver um mecanismo de “stick-and-carrot” [punição e incentivo].
Valor: Esse novo modelo envolve troca no comando das Docas? Sempre há queixas de politização nas diretorias dessas empresas.
Silveira: No geral, os diretores atuais das Docas são dos próprios quadros. Um ou outro é de fora, mas com experiência na área. Temos algumas vacâncias que precisamos preencher e vou tratar disso com a presidenta Dilma. Em um primeiro momento, não estamos preocupados em fazer substituições – a não ser aquelas saídas a pedido, por motivos absolutamente pessoais.
Valor: A que o senhor atribui tanta briga em torno das licitações de novos contratos de arrendamento nos portos organizados?
Silveira: A Lei 8.630 [antiga Lei dos Portos] trouxe uma importante inovação à época, foi revolucionária e produziu resultados nas primeiras rodadas de arrendamentos. Mas depois houve certa estagnação e o setor acabou se resolvendo nos terminais privativos, com toda a controvérsia em torno das cargas de terceiros. Por outro lado, tivemos um processo de favelização nos portos públicos, que é resultado da forma como foram feitos os arrendamentos. Quando começamos um esforço de racionalizar o espaço nos portos, já havia conflitos instalados. Essa é uma primeira arrumação. Temos contratos vencendo em 2014 e em 2015. Outros só expiram em 2023. A premissa básica que este governo segue à risco é o respeito aos contratos. Conforme forem vencendo poderemos incorporar áreas. Dividimos 159 arrendamentos em quatro blocos. Mas isso não significa que a modernização portuária se esgota com as licitações em curso.
Valor: Apesar das mudanças já feitas nas licitações de Santos, os investidores têm dito que precisarão assumir riscos não gerenciáveis, como aumentos de impostos e greves trabalhistas. O governo não foi excessivamente duro ao fechar qualquer porta para o reequilíbrio econômico dos contratos no futuro?
Silveira: É perfeitamente possível revisitar o assunto. Vamos promover uma redistribuição dos riscos, à luz das reclamações que coletamos. Na primeira versão das minutas, sempre procuramos fechar as portas à administração de contratos para buscar o reequilíbrio econômico-financeiro. Teremos que voltar a esses pontos. Não significa que vamos abrir a porteira, mas estamos atentos. A mensagem é essa.
Valor: Uma crítica frequente do setor privado aos novos arrendamentos é que o governo tem privilegiado a criação de novos terminais de contêineres, como em Salvador, em vez de dar escala aos já existentes. Por que foi feita essa opção?
Silveira: É verdade que os navios de contêineres têm aumentado de dimensão rapidamente. Isso traz a necessidade de berços suficientes para a atracação desses navios. Mas também tenho que levar em conta o seguinte: qual é a situação de concorrência naquele mercado relevante? No segmento de planos de saúde, tradicionalmente, o mercado relevante é a cidade ou a região metropolitana. Nos portos, é a área de influência e o tipo de atividade do terminal. Santos tem cinco terminais de porte médio a grande. Em Santa Catarina e no Paraná, em um espaço relativamente pequeno de litoral, há uma profusão de terminais de contêineres em portos que podem concorrer entre si. É uma situação completamente distinta do que ocorre em Salvador. Lá só existe um terminal. As alternativas mais próximas são Suape, a 700 quilômetros, e Vitória, a 1.200 quilômetros. Os ambientes competitivos são muito diferentes.
Valor: Qual será a solução no caso de Salvador?
Silveira: Esse é um dos assuntos mais complexos do segundo bloco de arrendamentos portuários. Estamos buscando uma solução adequada. É preciso desenhar um modelo de licitação em que, eventualmente, tenhamos um terminal grande se houver vitória do [atual] Tecon Salvador [na concorrência]. Mas precisamos garantir que o ganho de eficiência da operação portuária transborde para o resto da sociedade. Esse é o grande ponto. Não posso tomar uma atitude de fazer um adensamento que traga eficiência somente ao terminal e não tenha reflexo para o restante da cadeia logística. Se não, só dou margens maiores à operadora.
Valor: O senhor adiantou que o governo desistiu de licitar um novo terminal de contêineres em Paranaguá. Mas havia muitas críticas dos paranaenses sobre o desenho pensado para os terminais de grãos naquele porto. Como ficou isso?
Silveira: Estamos trabalhando pesado para encontrar um desenho satisfatório que atenda, mesmo parcialmente, aqueles anseios e as diversas manifestações. Escutamos bastante o ponto de vista de Paranaguá, mas não posso antecipar nada porque esse desenho ainda está na prancheta.
Valor: O governo também havia anunciado, em dezembro do ano passado, novas dragagens de aprofundamento e de manutenção em vários portos. Os editais nunca saíram. O senhor tem previsão?
Silveira: Pretendemos publicar os editais de Santos e Paranaguá até a primeira semana de dezembro, com prazos compatíveis com os dez anos permitidos [pela nova Lei dos Portos]. Se precisa fazer a dragagem de manutenção de três em três anos, por exemplo, então pode ser um contrato de nove anos no total. Estamos formatando esses contratos com uma margem de tolerância para evitar interpretações de que a dragagem está fora da cota.
Valor: Foi possível, como era o desejo do governo, aproveitar a reforma do setor para baixar o valor cobrado pelos práticos para fazer as manobras de acesso aos portos?
Silveira: Ainda não foi aplicada a nova regulação. A Comissão Nacional de Assuntos de Praticagem foi instalada, após um decreto presidencial, em janeiro de 2013. Em junho, chegamos a uma proposta, que foi colocada em audiência pública. Temos tido enorme dificuldade em levantar informações. Hoje se conhece pouco sobre os custos e a remuneração dos práticos, mas sabemos que é uma atividade obrigatória e extremamente especializada, bem remunerada no mundo inteiro.
Valor: Mais do que no Brasil?
Silveira: Varia bastante. Em Cingapura, os práticos recebem US$ 400 por hora. A única informação disponível, no Brasil, são tabelas entre sindicatos da categoria e agentes. Mas elas são como as tarifas-balcão de hotéis, ou seja, dizem quanto se tem que pagar se alguém chegar agora com um navio no porto. Quanto se paga exatamente ainda não sabemos. A comissão orientou a Marinha a baixar uma portaria determinando que fossem submetidas as informações. Não tivemos resposta. Faremos uma consulta nova e mais robusta para, findo o prazo, publicarmos uma tabela que funcionará como “price cap” [taxas máximas]. Vamos colocar, no curto prazo, esses valores em consulta pública.
Fonte: Valor Econômico, Por  Daniel Rittner

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