17/05/2016 08:17 - Valor Econômico
Em 22 de abril, em Nova York, nas Nações Unidas, os líderes mundiais ratificaram o acordo climático mundial aprovado em dezembro passado. 195 países, do mais rico ao mais pobre, já acordaram em limitar o aquecimento mundial a menos de 2° C acima dos níveis pré-industriais com o objetivo de não ultrapassar 1,5° C. Eles também comprometeram-se a cumprir as "planejadas contribuições determinadas em nível nacional" (INDCs, em inglês) para, até 2030, limitar ou reduzir as emissões de gases geradores do efeito estufa. Essa é uma grande conquista, mas está longe de ser suficiente.
Na realidade, mesmo se todas as metas do INDC fossem alcançadas, o mundo ainda estaria rumando para, em algum momento, atingir um aquecimento de aproximadamente 2,7° C a 3,4° C acima dos níveis pré-industriais. Para manter o aquecimento bem abaixo dos 2° C, as emissões em 2030 deverão ficar mais que 30% abaixo das previstas nas INDCs.
Isso será um enorme desafio, dada a necessidade de grandes avanços no desenvolvimento econômico durante o mesmo período. Antes do fim deste século, deveríamos tentar assegurar que todos os povos do mundo - uma população provavelmente superior a dez bilhões nesse momento - atinjam os padrões de vida que atualmente beneficiam apenas os 10% mais ricos. Isso exigirá um enorme aumento no consumo de energia. O africano médio, por exemplo, hoje utiliza cerca de um décimo da energia consumida pelo europeu médio. Mas em 2050 teremos de reduzir as emissões relacionadas à energia em 70% em comparação com os níveis registrados em 2010, e cortes adicionais serão necessários para atingir zero de emissões líquidas em 2060.
O cumprimento desses objetivos exigirá tanto uma melhoria na produtividade da energia de pelo menos 3% ao ano e a rápida descarbonização do suprimento de energia, com a participação de energia sem carbono crescendo pelo menos um ponto percentual a cada ano.
Isso implica uma enorme aceleração dos esforços nacionais. Durante a década passada, a produtividade da energia cresceu apenas 0,7% ao ano e a participação da energia sem carbono cresceu apenas 0,1 ponto percentual por ano.
Progressos notáveis já estão sendo obtidos em uma área importante: geração de eletricidade. Os custos da energia solar caíram 80% desde 2008. Em alguns lugares, novos contratos de fornecimento estabeleceram preços baixíssimos, de até US$ 0,06 por quilowatt-hora, tornando a energia solar totalmente competitiva com carvão e gás natural.
Entre hoje e 2030, os INDCs indicam que a capacidade de suprimento de energia renovável crescerá quatro vezes mais rápido do que a capacidade dos combustíveis fósseis, sendo que 70% desses novos investimentos em energia renovável ocorrerá nos países emergentes e em desenvolvimento. Esse investimento precisará vir acompanhado por um progresso acelerado nas tecnologias de baterias ou por outras ferramentas para casar a demanda de eletricidade ao suprimento intermitente.
A geração de eletricidade sem produção de carbono, embora muito importante, não é suficiente, porque a eletricidade é responsável por apenas 20% do consumo mundial de energia. São necessárias mudanças mais amplas no sistema.
Os transportes rodoviário e aéreo, que atualmente dependem quase exclusivamente dos combustíveis fósseis líquidos, são responsáveis por 30% do consumo total de energia. A descarbonização dessas atividades exigirá sua eletrificação ou o uso de hidrogênio ou biocombustíveis. Isso é factível, mas levará tempo.
O aquecimento de edifícios é outra área onde são necessárias grandes mudanças. Há oportunidades importantes para projetar e construir edifícios e cidades substancialmente mais eficientes em termos energéticos. Como a população urbana mundial deverá aumentar em 2,5 bilhões em 2050, é vital que aproveitemos essas oportunidades.
O uso de energia na indústria pesada, porém, apresenta obstáculos que muitas vezes são ignorados. Metais, produtos químicos, cimento e plásticos são elementos construtivos vitais na economia moderna, e envolvem processos que não podem ser facilmente eletrificados. A descarbonização, nesses casos, exige a aplicação de tecnologias de captura e armazenamento de carbono, ao passo que materiais de construção recém-desenvolvidos poderiam reduzir a demanda por insumos intensivos em carbono.
Perante esses desafios, os combustíveis fósseis terão um papel nos transportes e na indústria pesada por um bom tempo. E, mesmo na geração de eletricidade, os INDCs das economias emergentes implicam novos investimentos significativos na capacidade de suprimentos de carvão ou de gás. Tomados em conjunto, os INDCs sugerem que em 2030 o carvão ainda poderá ser responsável por 35% da geração mundial de eletricidade.
Mas esse nível de geração de carvão provavelmente será incompatível com a meta inferior a 2° C. E tendo em vista que as usinas de eletricidade a carvão ou a gás duram 50 anos ou mais, esses investimentos aumentam o risco de sustentar níveis de emissões incompatíveis com a meta do clima ou obrigar a contabilização de grandes baixas de ativos.
O desafio agora é encontrar um caminho economicamente sensato que permita às economias emergentes satisfazerem suas necessidades energéticas e garantir que o mundo atinja suas metas climáticas. Isso é tecnologicamente possível. Mas exigirá a ação de muitos atores bastante distintos.
Os governos têm um papel vital a desempenhar, mas também o têm as atuais empresas de energia exploradoras de combustíveis fósseis e as novas empresas no setor que utilizem ou estejam desenvolvendo novas tecnologias. ONGs podem ajudar a identificar políticas necessárias e cobrar a responsabilidade de governos e empresas. Os consumidores individuais também são importantes, porque seu comportamento molda a demanda de energia.
A despeito das diversas culturas, interesses econômicos e pontos de vista, todos esses atores precisam participar de um debate que reconheça as complexidades do desafio. O objetivo compartilhado é claro: construir uma economia com baixa geração de carbono capaz de manter as temperaturas globais bem dentro da faixa de 2°C acima dos níveis pré-industriais, ao mesmo tempo em que assegure prosperidade para um mundo com dez bilhões de pessoas ou mais. (Tradução de Sergio Blum).
Ajay Mathur, diretor-geral do Instituto de Energia e Recursos Naturais da Índia, é co-presidente da Comissão de Transições Energéticas.
Adair Turner, presidente do Instituto para o Novo Pensamento Econômico, é co-presidente da Comissão de Transições Energéticas. Copyright: Project Syndicate, 2016.
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