Nazareno Stanislau Affonso
Esse modelo criou cidades caras em razão dos espaços vazios, da concentração de prédios em áreas congestionadas, do aumento constante dos tempos de viagem e da perda de capacidade concorrencial das cidades, bem como da redução da produtividade dos trabalhadores. Ele pressupõe mais carros, mais vias públicas e mais estacionamentos e o transporte público e das calçadas entregue às regras de mercado, aumentando os custos dos deslocamentos e a oferta de serviços de transporte precários.
Diante da degradação dos meios de transporte coletivo nas últimas sete décadas, tem havido em inúmeras cidades brasileiras revoltas populares com depredação de veículos e instalações ferroviárias e também de ônibus urbanos. A mais recente dessas revoltas eclodiu em junho de 2013.
Curiosamente, esse modelo de mobilidade está próximo da falência, vitima das facilidades de compra de veículos novos, gasolina barata e estacionamentos gratuitos ou a preços atrativos. A multiplicação da frota agravou o entupimento do sistema viário com o crescimento dos congestionamentos, demonstrando que a "liberdade” aos automóveis e motos tem limites e cobra o seu preço.
Felizmente, essa crise na mobilidade proporcionou as condições políticas para a aprovação da Lei Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12), que propõe um quadro sustentável para a mobilidade no País, tendo como eixo básico o direito da população à democratização do espaço das vias públicas, incluindo calçadas e ciclovias. A lei tipifica outros direitos igualmente significativos, como a modicidade das tarifas, acessibilidade, controle social com conselhos locais, ouvidorias, audiências públicas, avaliações dos usuários, transparência dos custos e informação dos serviços, contratos licitados, restrição de circulação de automóveis e motos, e a exigência de planos municipais de mobilidade.
A Lei de Mobilidade Urbana garante a prioridade de uso da via para os pedestres e o transporte não motorizado, vindo, depois, o transporte público e, finalmente, os veículos motorizados particulares – exatamente o inverso do que é praticado. Determina que cada modo de deslocamento deve ocupar nas vias o espaço proporcional à demanda que transporta. Assim, às calçadas – território dos pedestres – e às bicicletas devem caber 40% do espaço, ao transporte público 30% e aos autos e motos, no máximo, 30%; mas o que ainda se vê são automóveis e motos ocupando 80% do espaço viário.
Parece um sonho ver nossas cidades transformadas, com calçadas largas, desobstruídas e acessíveis para as pessoas, inclusive aquelas com deficiência, com espaços de convívio e redes de ciclovias e ciclo faixas integradas aos sistemas de transportes estruturais como Metrôs, Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), ferrovias modernizadas e, também, corredores exclusivos e segregados de ônibus – os Bus Rapid Transit (BRT) – e faixas exclusivas para ônibus convencionais confortáveis e modernos com abrigos qualificados e informações aos usuários.Parece mesmo um sonho, mas é o que a aponta a Lei de Mobilidade Urbana.
E para os automóveis, há outro papel na era da mobilidade sustentável. Sua presença deve considerar a proibição para estacionamento nas vias de circulação destinadas ao transporte público e nas áreas centrais. Os automóveis utilizados como alimentadores do transporte coletivo, com a implantação de estacionamentos baratos e seguros junto às estações periféricas dos sistemas estruturais e nos terrenos das áreas centrais, terão as vagas e preços informados por meio de aplicativos.
A Lei de Mobilidade Urbana veio acompanhada de uma mudança da postura do governo federal e dos governos das principais capitais do País, que deram os primeiros passos na construção da Mobilidade Sustentável. A cidade de São Paulo implantou de forma radical mais de 400 quilômetros de faixas exclusivas dotadas de monitoramento com câmeras e de abrigos qualificados; para que se tenha um parâmetro de comparação, em 2011, consideradas todas as cidades brasileiras, havia apenas 410 quilômetros de vias para livre trânsito de ônibus. O Rio de Janeiro também implantou faixas exclusivas e sistemas de BRT, o mesmo acontecendo em outras cidades, entre as quais Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba.
Outro aspecto relevante são os recursos dos PACs para mobilidade urbana: R$ 153 bilhões, segundo dados atualizados da Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, do Ministério das Cidades, compreendendo recursos do Orçamento Geral da União (OGU), financiamentos e contrapartidas de agentes públicos e privados para projetos que perfazem 1.169 km de sistemas metroferroviários, 6.252 km de sistemas estruturais de ônibus, os quais, quando implantados, criarão uma nova cultura de investimentos públicos na mobilidade.
A perspectiva de ver implantada a mobilidade sustentável requer, porém, um Ministério das Cidades forte, com capacidade de gerir suas receitas, de capacitar e estar efetivamente presente em todo o País, assessorando os municípios na implantação e gestão de projetos voltados à integração das políticas de mobilidade com as demais políticas urbanas, concernentes à habitação, saneamento e planejamento urbano. E que venham acompanhados dos serviços essenciais de educação, saúde, cultura, esportes e lazer, propiciando às cidades a diversidade e a humanização dos espaços públicos, com qualidade ambiental e urbana.
Nazareno Stanislau Affonso - Urbanista da Mobilidade ; Coordenador do Escritório de Brasília da Associação Nacional de Transportes Públicos; Coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos-MDT; Presidente do Instituto RUAVIVA
Nenhum comentário:
Postar um comentário