Andrew Browne / The Wall Street Journal, de Yiwu, China
Os mercados atacadistas de bugigangas baratas de Yiwu, um centro de comércio a poucas horas de Xangai, prosperaram exportando seus produtos além do oceano.
Negociantes árabes e africanos se misturam a compradores europeus para adquirir artigos variados, como flores de plástico, braceletes e lanternas, que são transportados em caminhões até os portos próximos, colocados em contêineres e embarcados em navios.
Em novembro, contudo, parte da produção da cidade foi para o outro lado: um trem fretado partiu de Yiwu para Madri, inaugurando a malha ferroviária mais longa do mundo, uma viagem por cerca de 13 mil quilômetros ao longo da antiga Rota da Seda, através da Ásia Central. A estrada de ferro é parte de um dos projetos de transporte e infraestrutura mais ambiciosos da história, concebido num momento em que a China, sob o governo do presidente Xi Jinping, busca novos sonhos continentais.
Xi é motivado pela insegurança. A China pode até estar projetando uma imagem de autoconfiança e arrogância ao se apoderar de recifes e construir ilhas artificiais no mar da China Meridional, mas a realidade é muito diferente. Pequim está olhando para o Ocidente precisamente porque a vista para o Pacífico é cheia de perigos.
A China se sente sufocada por uma rede de alianças militares americanas que se estende desde a Coreia do Sul e o Japão, passa pelas Filipinas e vai até a Austrália. Ainda que a China esteja rapidamente ampliando seu poderio militar, a Marinha dos Estados Unidos segue dominando os oceanos. Num eventual conflito, os navios de guerra e os submarinos dos EUA podem estrangular a economia da China com um bloqueio naval.
O governo chinês também vê riscos numa nova ordem de comércio regional atualmente em formação. O presidente dos EUA, Barack Obama, está renovando os esforços para finalizar a Parceria Transpacífico, um acordo gigante de livre-comércio que vai unir 12 países que respondem por 40% do PIB mundial, mas que excluirá a China. O acordo está no âmago da chamada "virada" de Obama para a Ásia, que Pequim interpreta como uma estratégia ao estilo da Guerra Fria para impedir o crescimento de um concorrente global.
Por isso, Xi está se voltando para a Eurásia. O objetivo, como ele coloca, é "romper o gargalo da conectividade".
O plano improvável de reabrir a porta dos fundos da Europa através da Ásia Central - que a China chama de "Cinturão Econômico da Rota da Seda" - está se tornando uma luta épica contra vastas distâncias e uma geografia selvagem.
A linha entre Yiwu e Madri serpenteia por Cazaquistão, Rússia, Belarus, Polônia, Alemanha e França em seu caminho até a Espanha. Parte de um clima subtropical e atravessa um deserto e estepes onde as temperaturas podem cair a 40 graus negativos no inverno.
A logística é imensamente complexa. Por causa das diferentes bitolas ao longo do caminho, os contêineres têm que ser transferidos por guindastes para novos vagões três vezes - ao entrar no Cazaquistão, na Polônia e, por fim, ao chegar na Espanha.
Já existe um trem comercial entre a cidade de Chongqing, no sudoeste da China, e Duisburg, na Alemanha, e a cidade de Zhengzhou, na região central da China, é ligada a Hamburgo. Mas locomotivas nunca substituirão navios: no máximo, podem puxar poucas centenas de contêineres enquanto os maiores navios podem carregar até 18 mil. A navegação ainda é muito mais barata, embora o trem seja mais rápido. A troca entre custo e velocidade torna o frete ferroviário válido principalmente para bens de maior valor.
Várias rotas ferroviárias muito longas estão sendo planejadas. Algumas parecem possíveis, como um trem de alta velocidade entre Pequim e Moscou. Outras são puramente fantasiosas, inclusive uma linha que entra em um túnel no Ártico e termina em Nova York, passando pelo Canadá.
Tudo é parte da grande visão de Xi: as linhas de trem serão a forma de atar com laços de aço a economia da China às de seus vizinhos.
Esse é o motivo do investimento inicial de US$ 40 bilhões que a China fez no Fundo da Rota da Seda para modernizar a rede ferroviária existente, construir novos troncos e desvios e instalar dutos de petróleo e infraestrutura industrial nos países que atravessa.
O empreendimento gigantesco, agora uma prioridade nacional, explora algumas das forças da China. Ao contrário do Pacífico Ocidental, onde os EUA devem continuar sendo a força dominante por muitos anos, a Ásia Central está livre para ser conquistada.
Há um vácuo de poder ali desde que o esfacelamento da União Soviética, em 1991, criou países autônomos. As elites governantes do Cazaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Turcomenistão ainda são politicamente próximas do Kremlin, mas seu futuro econômico está na China.
A maioria desses países é receptiva à forma chinesa de fazer negócios no mundo em desenvolvimento: iniciativa do Estado e prioridade a investimentos em energia, mineração e indústria pesada e com grande impacto ambiental. Já a Parceria Transpacífico vai se concentrar no comércio de serviços e impõe padrões elevados de práticas trabalhistas e ambientais.
As imensas caravanas da Rota da Seda foram extintas há 400 anos pela concorrência dos navios europeus e as turbulências militares e políticas da instável região. Xi enfrenta um conjunto semelhante de desafios e sem garantia de sucesso.
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