Fora do Eixo / Flickr: CC BY SA 2.0
Lutar pelas ciclovias significa garantir o direito de ir toda população de forma segura e sustentável
Quem deveria zelar pelo bem da população parece não entender muito o que acontece na dinâmica da sociedade paulistana. Uma das prerrogativas mais importantes de um órgão de defesa dos cidadãos, como o Ministério Público Estadual (MPE), é não se deixar levar por discursos repletos de ódio político. Essa prática, no entanto, parece não ter sido observada quando analisamos em detalhe a leitura feita por uma procuradora do MPE ao emitir uma ação civil pública com pedido de liminar para suspender as atividades de implantação das ciclovias na cidade de São Paulo.
Uma das alegações por parte do órgão é que as obras não atendem aos requisitos técnicos de impacto viário, sinalização e segurança necessários para pleno funcionamento. A ação contraria o Plano Diretor Estratégico (Lei 16.050/14) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12), que estimulam o uso de bicicletas como meio de deslocamento. Para discutir mais a fundo a questão, o Portal NAMU entrevistou com exclusividade William Cruz, criador do projeto Vá de Bike:
Portal NAMU: O que explica essa ação de retrocesso em termos de política pública por parte do MPE?
William Cruz: O MPE alega que a ação visa garantir a segurança do ciclista. Isso é não verdade, porque pedalar em uma ciclovia, por mais que as existentes não estejam em perfeitas condições, é muito mais seguro do que disputar espaço com os automóveis em trechos não protegidos. Esses obstáculos já existiam. A diferença é que, na ciclovia, o ciclista não tem um carro o perseguindo.
O que mais você acredita que pode ter motivado a resolução do MPE?
Está havendo uma partidarização grande das ciclovias em São Paulo. Como o prefeito é do PT, muitas pessoas que são antagônicas ao partido querem usar as ciclovias como forma de crítica. Não há problema no fato de as pessoas terem seus posicionamentos políticos. O que não pode é misturar as coisas. Tratam-se de políticas públicas que beneficiam toda a cidade. É muito comum vermos e ouvirmos a vinculação das ciclovias ao prefeito em frases como “as ciclovias de Haddad”. Atribuem-se às ciclovias como uma característica do prefeito petista, o que é uma visão errada. É uma tentativa de personificar uma política pública.
O Vá de Bike foi criado por William Cruz para incentivar o ciclismo por meio de cursos, passeios e atividades.
Qual é a justificativa para o MPE mostrar dados que não condizem com as últimas pesquisas sobre mobilidade urbana?
É possível que haja um fundamento político, mas isso é difícil de afirmar. Acredito que muitas pessoas se sentiram prejudicadas com a criação das ciclovias. O próprio texto da promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo do MPE Camila Mansour Magalhães da Silveira alega que perderam-se vagas de estacionamento. Isso é uma falácia, por que elas nunca existiram. A rua é uma concessão temporária que pode ser utilizada como estacionamento, mas não é agaragem privada de ninguém. Esse é o tipo de argumento falho que tenta sempre justificar a primazia do automóvel.
O que pode ser feito para reverter essa situação?
O ano de 2014 foi muito importante para a população de São Paulo no que diz respeito à mobilidade por bicicletas. Acredito que o que está acontecendo é uma situação temporária, mas uma perda gigantesca de tempo e energia, porque todas as partes chegarão à conclusão de que as bicicletas e as ciclovias são importantíssimas para a cidade. Valorizar as ciclovias é uma ação moderna, coerente e alinhada com as necessidades ambientais de uma cidade do tamanho de São Paulo.
A implantação das ciclovias no bairro de Moema sofreu rejeição pela elite que não consegue viver sem automóvel.
Por que as ciclovias são tão importantes para a cidade?
Esse atraso nas obras só dificulta um processo que já é demorado. Isso é ruim para todo mundo. Muitas pessoas que alegam que as ciclovias vivem vazias não entendem que o projeto ainda está incompleto. Falta interligação entre trechos para garantir um fluxo rápido e seguro para os ciclistas. As pessoas têm medo de passar em trechos que não são protegidos.
Você acha que essa situação vai ampliar o debate e mobilizar mais a população em prol das ciclovias?
Acredito que é possível tirar algo de positivo. Muitas pessoas vão comparar as alegações sem fundamento do MPE com as de quem luta pela mobilidade e chegarão à conclusão de que a mobilidade é fundamental. Contudo, aqueles que são contra o prefeito ou o partido do qual ele faz parte, ficarão cada vez mais contra. Estão se tornando comuns os casos, inclusive com pessoas que eu conheço, de atitudes criminosas de alguns motoristas contra ciclistas. Um dia desses, uma amiga minha teve sua bicicleta fechada por um carro logo após deixar sua filha na escola. Ela caiu no chão e, como se não bastasse estar machucada, foi humilhada pelo motorista que a mandou “ir andar na ciclovia do seu prefeito petista”. Esse tipo de atitude é o que me preocupa.
Foto 3: Carlos Alkmin
Foto 3: Blog do Milton Jung / Flickr: CC BY 2.0
Do NAMU http://namu.com.br/materias/ciclovias-viram-alvo-do-odio-politico
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