segunda-feira, 29 de maio de 2017

OPINIÃO: Urgente, uma alternativa séria ao trágico PL de Milton Leite

O autor, especialista em ações voltadas à regulação do transporte mais limpo, faz dura crítica ao recente Projeto do Vereador Milton Leite, que, segundo ele, parece pretender substituir o fracassado artigo 50 da Lei 14.933/2009 que estabelece a Política Municipal do Clima. E sugere formas simples e viáveis de articular apoios de Fundos Internacionais de Financiamento de Projetos de Baixo Carbono em Países em Desenvolvimento  
 
OLIMPIO ALVARES
Diário do Transporte
Em toda uma vida dedicada à regulação do transporte mais limpo, vi poucas coisas piores que o recente Projeto do Vereador Milton Leite, que parece pretender substituir o fracassado artigo 50 da Lei 14.933/2009 que estabelece a Política Municipal do Clima. O Vereador assumiu sozinho, unilateralmente, a liderança de um processo de alta complexidade geral, que diz respeito diretamente aos (não consultados) Secretários de Transporte e Mobilidade e o do Verde e do Meio Ambiente, e sem fazer uma única consulta aberta e equilibrada à comunidade técnica – é algo de difícil compreensão. Parece até que alguém está apostando em mais confusão para empurrar um pouco mais para frente a já muito atrasada obrigação do Alcaide de implementar a frota mais limpa de transporte coletivo em São Paulo – tarefa que poder ia ser feita sem traumas financeiros pelas pessoas certas, com ações simples, articuladas e serenas.
Desde 1991, quando a então Prefeita Erundina surpreendeu a todos com uma “disruptiva” lei ambiental sem pé nem cabeça, de substituição de toda frota de ônibus diesel em dez anos por gás natural (à época, uma tecnologia nova e imatura), que favorecia o único fabricante de veículos a gás instalado no Brasil, vemos de tempos em tempos surgir propostas de qualidade semelhante na suposta Casa de Leis desta Cidade – é tragédia em cima de tragédia. Quando ser&aacu te; que os legisladores perceberão, que esse regulamento tem que ser construído por um transparente consenso dos agentes técnicos e financeiros envolvidos diretamente com o tema? São Paulo não merece tanta trapalhada desses políticos profissionais.
Mas, talvez trate-se desta vez de um bode mal-cheiroso colocado no meio da sala, para que a comunidade ambientalista se conforme com uma futura proposta de substituição de frota bem menos ambiciosa e ousada que aquela – a propósito, muito mal talhada – do artigo 50 original. A resposta saberemos em breve.
Espera-se, na verdade, que a Secretaria Municipal de Transportes e Mobilidade (SMTM) e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) apresentem uma alternativa do Executivo bem melhor que a desse Vereador, e que será, provavelmente, apoiada pelo Prefeito. Entretanto, essa nova proposta, embora melhor, muito provavelmente, ainda causará em primeiro plano certa decepção entre ambientalistas e os ferozes defensores de alternativas imediatas ao diesel, por ter metas intermediárias e final financeiramente realistas e um pouco mais distantes do que o desejado pela mil itância – em suma, espera-se que venha da Prefeitura uma proposta essencialmente “pé-no-chão”. Mas isso pode ser bom para todos e para o Meio Ambiente; veremos os porquês.
O subsídio anual do Transporte Coletivo está hoje em 3,2 bilhões de reais – uma enormidade de recursos, que poderiam estar sendo dirigidos para áreas prioritárias de governo. Não temos dinheiro disponível agora – pelo menos neste momento do País – nem há entre os funcionários da Administração neste momento ideias muito luminosas e seguras de como conseguir financiamento externo para cobrir eventuais custos incrementais do investimento inicial nos carros, na infraestrutura das alternativas, e os eventuais c ustos incrementais de operação ao longo da vida útil das opções eventualmente mais caras. Isso vem inibindo a iniciativa dos – competentes e ciosos de suas decisões e ações – técnicos e gestores de transporte público da Administração Municipal, de fazer um plano mais curto, mais veloz e mais ambicioso, de penetração de alternativas mais limpas.
É então, premente, mostrar aos Secretários de Transporte e Mobilidade e do Meio Ambiente, e ao Prefeito João Dória, que há formas simples e viáveis de articular apoios de Fundos Internacionais de Financiamento de Projetos de Baixo Carbono em Países em Desenvolvimento, para cobrir os (eventuais) custos incrementais “upfront costs” e operacionais das alternativas ao diesel, quando esses existirem de fato. Neste momento, os funcionários municipais terão segurança suficiente para colocar na nova lei (novo artigo 50 da Lei 14.933/2009) um plano mais ambicioso e ágil de eliminação do diesel convencional.
O banimento do diesel é algo que já vem sendo discutido em dezenas de grandes cidades do mundo, nem tanto pelo seu efeito climático – que, na verdade, é até menor que o da gasolina – mas, principalmente, pelo efeito altamente tóxico e cancerígeno das partículas ultrafinas nanométricas contidas nas emissões atmosféricas dos motores a diesel – bem como pelas emissões de dióxidos de nitrogênio – NO2, tóxicos e precursores do ozônio troposférico – O3. Segundo estudos do In stituto Saúde e Sustentabilidade, somente no Município de São Paulo, as emissões de Material Marticulado – MP do diesel matam cerca de quatro mil cidadãos por ano, oito mil na área metropolitana e dezoito mil no Estado de São Paulo, além de causar e/ou agravar doenças cardiorrespiratórias em centenas de milhares de habitantes expostos – algo comparável a tragédias de grandes guerras. É por causa disso, que, reiteradamente, ouve-se sugestões incisivas de especialistas em Meio Ambiente e Saúde Pública, para que o artigo 50 considere, de alguma forma em sua revisão, na métrica de verificação do avanço do cumprimento da Lei, não somente o parâmetro “redução das emissões de CO2 fóssil”, mas também o parâmetro “red ução das emissões de MP”, que vem como co-benefício da implementação das alternativas energéticas e tecnológicas com menor impacto climático. Ressalte-se, que algumas alternativas, embora tenham um efeito climático menor que outras, apresentam emissões ultrabaixas de MP, que podem lhes qualificar como excelentes estratégias de redução da trágica morbi-mortalidade associada a esse poluente, além de também contribuirem com a redução do efeito de aquecimento do planeta.
É muito provável, que seja uma boa ideia para todos, inclusive para a militância, aceitar pacificamente metas iniciais mais cautelosas de atingimento de percentuais de redução nas emissões de dióxido de carbono – CO2 fóssil, para uma primeira fase do programa (primeiros quatro ou cinco anos, por exemplo): fazer como fizemos no Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – Proconve, e de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos, reavaliar para os próximos períodos de quatro o u cinco anos, as metas inicialmente definidas. É líquido e certo que, ano após ano, as alternativas tecnológicas de ônibus serão sempre mais competitivas com o diesel convencional; e daqui a quatro ou cinco anos, pode-se ter um quadro muito mais favorável e financeiramente seguro para apertar o acelerador da ambição ambiental para a próxima fase, até o próximo período de quatro ou cinco anos. Um processo dinâmico e realista, que reavalia, a cada período, a real capacidade de avançar rumo à frota sustentável.
Percebe-se, que já há condições favoráveis para avançar rápido com a penetração de tecnologias limpas, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do financeiro; o que falta, na realidade, é a confiança dos funcionários municipais, por mera falta de experiência com a realidade operacional das novas tecnologias e por desconhecimento das amplas possibilidades de financiamento dos custos incrementais pelos bilionários Fundos Internacionais de Baixo Carbono, que aguardam apenas a apresentação de projetos competentes e organizados para a liberação de financiamentos.
Mas, com a competência gerencial e a capacidade excepcional de articulação do Prefeito atual, cairão todas as atuais resistências e a penetração gradual das alternativas mais limpas poderá ser fatalmente acelerada nas próximas fases do Programa Municipal de Substituição de Frota por Alternativas Mais Limpas. Dória já deu uma amostr a recente de que poderá ser bem-sucedido na captação desses recursos, quando fez contatos em Seoul e com o ex-Governador da California e ativista ambiental global Arnold Schwarzenegger. Com o dinheiro acessível de Fundos Internacionais, cada vez mais ricos – por causa dos efeitos das Nationally Determined Contribution – NDCs nacionais, acordos internacionais da COP-21, 22, 23 etc – e com a certeza do barateamento adicional das alternativas tecnológicas, não há como não ser otimista em relação à possibilidade de aceleração da entrada de tecnologias limpas na frota paulistana.
Uma ideia que poderá também ajudar, e muito, é inserir na Lei, um artigo que prevê a criação de um Comitê Permanente de Substituição de Frota, constituído por executivos das Secretarias de Fazenda, Transportes e Mobilidade, Meio Ambiente e Relações Internacionais. Seu trabalho diário e permanente será a busca de recursos fin anceiros nesses Fundos Internacionais, e até mesmo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, visando a cobrir os tais custos incrementais do desenvolvimento limpo; mas, também serão responsáveis pela preparação dos projetos anuais individualizados físico-financeiros de substituição de lotes discretos anuais de veículos novos equipados com tecnologias de mais baixo impacto poluidor. Esses projetos seguirão as complexas (mas nem tanto) exigências burocráticas e formais dos Fundos Internacionais, aspecto indispensável para conseguir a liberação dos recursos junto a esses Fundos. Sem cumprir todas as exigências, é bom saber, não haverá dinheiro disponível.
Trata-se, enfim, apenas de uma questão financeira e de articulação e organização de projetos discretos de substituição de frota, identificando com clareza os custos incrementais de investimento inicial, e os custos incrementais operacionais ao longo da vida do veículo na frota paulistana; caberá ainda, identificar com muita clareza as emissões reduzidas em relação a uma frota virtual convencional movida a diesel. Fazendo isso, as portas desses Fundos poderão abrir. Na verdade, temos essencialmente todas as condições para ter acesso a esses dinheiros, basta apenas convencer o Prefeito e os Secretários Sergio Avelleda e Gilberto Natalini.
A comunicação social também será uma tarefa urgente da Prefeitura, de modo a mostrar à militância ambientalista e à imprensa mais ácida, que essa estratégia é – de fato – segura e promete equacionar a consistente renovação ambiental da frota em prazo recorde – embora, inicialmente, numa primeira etapa, o Programa possa não parecer ambicioso. Mas, no fundo, essa estratégia é a mais ambiciosa entre todas possíveis de vislumbrar, pois ela tem ritmo, lógica, “pé-no-chão”, realismo e conta com perspectivas muito favoráveis para aceleração do Plano de Substituição de Frota nos próximos anos, conforme descrito acima.
E o mais importante para o Meio Ambiente: esses atributos de plena viabilidade sem traumas financeiros do Programa Paulistano de Substituição de Frota – sendo São Paulo uma vitrine e o modelo de sucesso a ser seguido – farão com que dezenas de outros municípios sigam esse caminho, pois, igualmente a São Paulo, também estão muito pressionados interna e externamente pela necessidade de mostrar serviço na redução da poluição local e global, cumprindo assim sua parte no NDC nacional. Isso multiplicará exponenci almente os benefícios locais e ambientais do Programa Paulistano de Substituição de Frota.
Para fortalecer a confiança da sociedade e da militância ambientalista na boa vontade da Administração em seguir adiante com um programa sério e avançado de renovação ambiental da frota, sugere-se ainda, agregar a este artigo 50 um outro, que trate da extensão dessas exigências à frota de caminhões de lixo. Isso irá ampliar os benefícios ambientais, e do ponto de vista laboral, é uma ideia muito bem-vinda, pois reduzirá a zero a emissão direta de material particulado nos bravos coletores de lixo que passam as madrugadas correndo atrás dos tubos de escapamento de veículos a diesel de alta emissão de poluentes. Do ponto de vista midiático, ambiental e de saúde laboral, essa medida terá nota dez com louvor.
Outra sugestão aos colegas da Prefeitura, é a inclusão da contabilização obrigatória das emissões de CO2 e dos demais poluentes locais emitidos ano a ano pelas diversas frotas das empresas operadoras. “Quem Mede Controla, Quem Mede Reduz”; esta é a máxima que aprendemos no estudo da ciência da Qualidade. Os resultados anuais servirão como parâmetro para a Prefeitura fazer a contabilização geral das emissões reduzidas da frota, para apresentar à sociedade de modo transparente a evolução anual de todas as emissões – as locais tóxicas e as globais.
E muita atenção a este aspecto crucial: não se pode esquecer, que as emissões de material particulado carregam um percentual em massa de carbono negro (Black Carbon – BC), que é o segundo agente de forçamento climático, responsável por cerca de 30% do efeito de aquecimento do planeta. Controlar a emissão de BC é também agir a favor do clima e isso deve necessariamente constar da Política e da Lei Climática do Município de São Paulo. Toda ação de controle de material particulado &ea cute; também uma ação climática porque reduz BC. Isso também vale para programas complementares de retrofit (adaptação) de filtros de material particulado em veículos mais velhos, bem como para a tecnologia do gás natural (enquanto este não for substituído pelo biogás/biometano, o que deve ocorrer dentro de poucos anos), que reduz drasticamente as emissões de MP (tóxico) e, portanto, de BC. A ideia de que as alternativas ao diesel trarão o controle simultâneo de um importante agente de forçamento climático, se divulgada adequadamente, reforçará a credibilidade da proposta junto à opinião pública e à militância. Além disso, São Paulo estará credenciada para participar do Soot-Free Bus Program, coordenado pelo CCAC – Climate and Clean Air Coalition, da UNEP, abrindo ainda mais as perspectivas de obtenção de financiamento internacional para seus projetos de substituição de ônibus e de programas complementares de grande escala de adoção de retrofit em ônibus urbanos, de fretamento, escolares, caminhões de lixo.
Sugere-se ainda, que a Prefeitura antecipe a compra de ônibus de tecnologia Euro 6, com filtro de MP e BC (como vem fazendo o TranSantiago com ônibus comprados de montadoras brasileiras e a Cidade do México, que zelam de fato pela sua qualidade do ar), pois a tecnologia diesel Euro 5, no mercado brasileiro desde 2012, infelizmente, encareceu os veículos, mas não apresenta a performance ambiental satisfatória, conforme previsto na regulamentação. A única tecnologia capaz de reduzir de modo eficiente as emissões é a Euro 6, em vigor nos EUA desde 2010 e na Europa desde 2012, que resolve o problema da Euro 5 e ainda vem com filtro para a quase-extinção das partículas – os estudos científicos apontam este caminho.
Recomenda-se fortemente esses programas complementares, para aumento da aceitação da proposta de intervenção ambiental na frota pela sociedade paulistana e, especialmente, pela exigente militância ambientalista.
Finalmente, caso haja a otimização do sistema de ônibus urbanos, cujo IPK (índice de passageiros por quilômetro) em São Paulo é reduzido, a diminuição do número de ônibus trará uma redução adicional das emissões totais da frota, e isso convém que seja contabilizado como emissões evitadas adicionais para o cumprimento de metas mais ambiciosas. Lembro disso, porque temos notícias de que o Arquiteto Jaime Lerner foi contratado pela Prefeitura para fazer uma reestrutura&ccedil ;ão do sistema de transporte público expandindo de modo agressivo a rede de corredores e implantando uma grande rede de canaletas de operação avançada nos moldes de Curitiba e Bogotá. Isso ocorrerá provavelmente nos próximos anos.
Eis aí uma proposta de ação imediata e eficaz para ser contemplada num PL substituto ao PL de Milton Leite. Não há como não ter sucesso por esse caminho.
Olimpio Alvares é Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; consultor do Banco Mundial, da Comissão Andina de Fomento – CAF e do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Instit uto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC, do International Council on Clean Transportation – ICCT e do Ministério Público Federal; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; faz parte da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

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