22/05/2017 08:17 - Correio Braziliense
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Um porta-malas repleto de baterias de íon-lítio ligadas em série a um carregador e a um distribuidor e, sob o capô, um motor que funciona sem ruídos ou trepidações: caixas negras repletas de fios e tomadas. A descrição, que bem poderia sair de um filme de ficção científica, é a do motor elétrico de um modelo Gol G4, de cor branca, com placa do Distrito Federal. Ele é o primeiro carro elétrico feito na capital. O protótipo foi, na verdade, modificado, a partir do motor à explosão do modelo.
O projeto do militar reformado Elifas Chaves Gurgel, 63 anos, morador da Asa Norte, é, ainda, “um laboratório sobre rodas”. O engenheiro de computação, apaixonado por eletrônica e mecânica, trabalha, agora, em um dispositivo para que o medidor de combustível do veículo adaptado indique com precisão a carga das baterias.
O Gol elétrico tem autonomia de 150 km e gasta, para cada R$ 100 de gasolina, R$ 30 de eletricidade, abastecido em uma tomada caseira, com um fio de alimentação mais grosso, equivalente ao do chuveiro. Ele está feliz com os resultados. Mas a semente do projeto vai além de uma realização pessoal. “Os trabalhos começaram quando percebi que a pauta de meio ambiente ganhava espaço no Brasil e no mundo. Decidi fazer algo que me dá prazer e traz um ganho para a natureza”, explica. Nascido em Fortaleza, Elifas Chaves Gurgel formou-se em engenharia da computação no Rio de Janeiro e, posteriormente, radicou-se brasiliense.
Os trabalhos do projeto começaram em junho de 2008, com a compra do carro. Ele também fez um workshop de conversão de veículos nos Estados Unidos e, de lá para cá, o motor elétrico desenvolvido passou por diversos aprimoramentos. Ele explica, porém, que não precisou refazer nenhuma etapa. “Era muito caro. Eu tive ajuda do Banco do Nordeste, de uma linha de financiamento chamada Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Eles ajudaram com R$ 50 mil e eu entrei com cerca de R$ 10 mil. Mesmo assim, o dinheiro era curto para o projeto. Tudo tinha que ser bem planejado”, ressalta.
Os R$ 60 mil citados referem-se aos custos do material e não incluem o preço do Gol, as horas de trabalho, o projeto de engenharia e tudo o que foi gasto com viagens e estudo. O idealizador espera que a fabricação barateie a produção e que mais pessoas se interessem pelo procedimento. Outra vantagem é que, nessas condições, novos avanços aconteceriam, otimizando os motores. Uma produção em massa seria, ainda, menos poluente que a usada hoje, e tornaria as tecnologias desenvolvidas pelo idealizador mais acessíveis.
Consciente disso, o engenheiro também trabalha pela difusão, fazendo palestras pelo Brasil. Ele desenvolveu ainda um curso de conversão de veículos. Interessados aprenderão a fazer a adaptação dos motores. “Um motor à explosão tem cerca de 200 partes móveis. Um elétrico tem três. Com isso, o aproveitamento de energia é bem maior. A perda é de 10%, enquanto nos motores à gasolina e a álcool, por exemplo, essa perda pode chegar a 70%”, compara.
Com a mão na massa
Um amigo do militar reformado cedeu espaço em um galpão, na Cidade do Automóvel, para que ele trabalhasse na montagem, que também foi feita no Museu do Automóvel e na garagem de Elifas. Uma das peças teve que ser feita do zero, em uma torneadora de Taguatinga. O equipamento realiza o acoplamento do motor elétrico ao câmbio do veículo, permitindo a navegabilidade. O acelerador também foi melhorado nos últimos anos. A peça, inicialmente eletromecânica, tornou-se 100% eletrônica e responde com muito mais precisão. “Cada solda era pensada e testada e o projeto, sempre revisto, para que não houvesse erro”, detalha o idealizador do veículo.
A cada etapa da construção, eram necessárias novas peças, tanto para o motor em si, quanto para o acabamento. Mangueiras de gás, presilhas de jatos de jardim e até borrachas de portas de fusca serviram de matéria-prima para que ele preparasse, por exemplo, a caixa de baterias de lítio no porta-malas do veículo, que pesa 224kg. Ele também teve ajuda da Faculdade de Engenharia da Universidade de Fortaleza, onde está encubada a 4GVE, empresa criada por Elifas para colocar o veículo rodando dentro da lei.
Tecnologias a favor
O feito de Elifas só foi possível graças ao avanço da tecnologia e dos debates em torno dos carros elétricos. “Eu comecei a pesquisar como o assunto era tratado no mundo. Sabia que não era uma novidade. Em 1900, existiam mais carros com motores elétricos que a gasolina. Mas, com o tempo, o motor a explosão ganhou espaço. Em partes, por conta da disponibilidade de combustíveis fósseis e, também, por conta da baixa tecnologia disponível para baterias à época”, conta. Ele concluiu, primeiro, que teria que escolher um caminho. Ou começava do zero, na prancheta, ou aproveitava a engenharia dos motores de explosão para o veículo elétrico. “A segunda era mais viável e mais rápida.”
O militar reformado destaca que empresas como a Mitsubishi já fazem esse aproveitamento de engenharia. A alemã Smart, do grupo Daimler AG, também o inspirou. “Eles oferecem o veículo em duas versões, de combustão e elétrico. “O Up e o Golf, da Volkswagen, também. Eu optei pela transformação de um carro nacional e popular. Em 2008, ele estava entre os mais vendidos e é um carro de fácil manutenção. Enfrentei vários imbróglios burocráticos, principalmente com a importação de peças. São incontáveis taxas. E, também, queria deixar o veículo pronto para rodar. Não havia amparo legal na legislação para que eu circulasse com o carro”, recorda.
O Gol de Elifas já rodou 78 mil km e deixou de lançar na atmosfera cerca de 14,6 mil kg de gás carbônico. É carregado durante a noite e leva cerca de seis horas para ficar com as baterias 100% abastecidas. O veículo participou do 10º Challenge Bibedum de mobilidade sustentável, no Rio de Janeiro (RJ), e esteve exposto no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, durante o Congresso Internacional de Energias Renováveis e Sustentabilidade (CIERS).
Carga no carro e no celular
As baterias usadas no Gol obedecem ao mesmo processo das dos smartphones. Bem menos poluente que a bateria de chumbo-ácido, tradicionalmente utilizadas em veículos, a tecnologia foi desenvolvida em 1912 e passou a ser viabilizada comercialmente na década de 1970. As baterias de íon-lítio têm durabilidade maior, não viciam, usam produtos menos poluentes que o chumbo ou o cádmio e, para veículos, têm uma vida útil de 10 anos, sendo que ainda podem ser reutilizadas por mais 10 anos em outros equipamentos, como nobreaks, por exemplo.
Combustíveis fósseis
O motor à explosão, ou motor de combustão interna, usa a energia produzida em uma explosão controlada para produzir movimento. Uma reação química no interior da máquina provoca movimentos de expansão e compressão, que são usados para a realização de um trabalho específico. No caso do carro, faz girar as rodas após o engate. Nos carros de passeio e motocicletas, por exemplo, abastecidos com gasolina e álcool, a ignição da explosão é causada por uma faísca. Em veículos a diesel, é provocada por uma compressão.
Exemplo a ser divulgado
O carro elétrico projetado e montado em Brasília por Elifas Chaves Gurgel foi um dos símbolos do Congresso Internacional de Energias Renováveis e Sustentabilidade (Ciers), que ocorreu na semana passada em Brasília. O encontro técnico científico promoveu debates sobre energias renováveis, desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente e acordos internacionais de cooperação. O evento, promovido pela Câmara de Comércio Brasil-Portugal Centro-Oeste e pela Federação das Câmaras de Comércio Exterior, contou com a presença de especialistas de diversas áreas, representantes de diversos ministérios e de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), da Universidade Católica e do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb).
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