O volume de recursos movimentados anualmente pela construção civil nos Estados Unidos é de muitos milhões de dólares, chegando a superar o PIB (Produto Interno Bruto) de muitos países grandes. As obras, tanto públicas como privadas, têm uma dinâmica própria, que prima pela simplicidade, pela agilidade e pela acessibilidade que o mercado proporciona às empresas.
Nas obras públicas, em especial, as licitações, em todas as esferas de poder, são regidas por uma legislação que prioriza a competitividade como meio de garantir condições justas de contratação com o dinheiro do contribuinte.
Apresento abaixo algumas particularidades interessantes.
Empresas de minorias
Os órgãos licitantes estabelecem nos editais de licitação o percentual do valor contrato que a empresa vencedora obrigatoriamente deverá subcontratar deDisadvantaged Business Enterprises - DBE, que são empresas cuja gestão e capital majoritário pertencem a grupos minoritários - afrodescendentes, hispânicos (neste incluídos impropriamente os brasileiros), índios, nativos (esquimós, havaianos), asiáticos, mulheres e até veteranos de guerra. Esse foi o mecanismo encontrado para garantir alguma reserva de mercado e dar maior competitividade a pequenas empresas supostamente em condições inferiores de disputa com as demais. É uma espécie de "sistema de cotas" como o das universidades brasileiras.
O percentual de participação das DBEs varia de obra para obra, conforme o tipo de serviço e o estado da federação. Uma obra predial, por exemplo, tem o patamar superior a uma obra de terraplenagem; Estados com grande contingente de minorias, como a Califórnia e a Flórida, praticam patamares mais altos. Em geral, o percentual fica na faixa de 10 a 25% do preço da obra. No dia da licitação, cada construtora indica num formulário próprio quais serviços serão subcontratados às DBEs, com o respectivo montante e número de registro. Ganhar a obra e não contratar a DBE é contravenção seriíssima, passível de punição.
O curioso é que muitas vezes as construtoras, no afã de atingir o percentual de DBE requerido, terminam por descartar uma cotação vantajosa de um subempreiteiro não DBE em favor da de uma DBE. É por isso que as DBEs seguram suas cotações até momentos antes do fechamento das propostas. Quando sentem que uma construtora está com dificuldades de atingir o percentual, elevam suas cotações sem qualquer ressentimento.
Performance Bond
O destaque no aspecto das garantias contratuais está na figura do performance bond, que é um seguro que a construtora contratada tem que apresentar no início da obra. O detalhe é que esse seguro deve cobrir 100% do valor do contrato. O performance bond garante que, no caso de falência da construtora ou de manifesta incapacidade para desempenhar os serviços, o órgão público possa acionar a entidade seguradora. Caberá então à seguradora terminar a obra dentro dos termos contratuais do segurado - se ela irá terceirizar a obra com outra empresa, fazer licitação ou assumir pessoalmente a condução dos serviços, o problema é interno da seguradora. Se o término dos serviços vier custar à seguradora mais do que o saldo do contrato, esse é o risco de ter emitido apólice a quem não merecia.
Para dar um performance bond a uma construtora, a companhia seguradora vasculha o histórico da empresa. Consulta clientes antigos, inspeciona obras concluídas e em andamento, analisa balanços contábeis, avalia a capacidade de crédito, etc. Enfim, procura se municiar de todas as informações para calcular o risco e fixar o prêmio do seguro. As seguradoras tornam-se, desta forma, o fiel da balança na questão das garantias contratuais.
O sistema americano é eficaz. Ele simplesmente elimina o fantasma das obras inacabadas. No Brasil, a Lei 8.666/93 faculta aos órgãos cobrarem caução de tímidos 5% do contrato. Convenhamos: não peneira nada e não garante coisa alguma.
Mão de obra: incentivo à produtividade
O operário da construção civil é muito privilegiado nos Estados Unidos. Fruto da negociação das diversas Unions, que são os sindicatos de trabalhadores por categoria, os salários-base são bastante elevados. Não é raro um servente faturar US$ 3.000 por mês. Acontece que, para o operário ser sindicalizado, a tarefa não é das mais simples. É preciso passar por provas de conhecimento teórico e prático, quase um vestibular.
Os encargos sociais ficam na faixa de 70-80%. Basicamente, englobam impostos federais, estaduais e municipais, a contribuição das Unions e o Worker´s Compensation, que é um fundo para cobrir as despesas de tratamento e afastamento de operários por acidente de trabalho. A rigor, sendo os salários altos, o paternalismo cai. O empregador não tem que dar ao empregado alimentação, transporte, 13o salário ou aviso prévio.
Engenharia de valor
Dentre todos os pontos destacados, o que mais me chamou a atenção foi certamente a filosofia do Value Engineering. A Engenharia de Valor consiste no seguinte: se a construtora propuser uma alteração de projeto que barateie a obra, haverá uma partilha dos ganhos entre a construtora e o órgão contratante.
A Engenharia de Valor cristaliza o espírito de parceria entre a administração pública e a empresa privada contratada. É um estímulo à inventividade. Com a vantagem de gerar um ganho extra para a construtora, induz-se a engenhosidade. Faz-se engenharia nas obras. E cidadania.
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