sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A imagem e a realidade do setor portuário :: Mauro Salgado


Foto: Ivan Storti/Valor/28.01.2002
Em evidência na mídia devido às promessas de um pacote do governo, o setor portuário tem sido alvo de muito debate, mas nem por isso, contudo, sua importância e principais questões chegaram a ser compreendidas pelo público, o que não é bom. É grande a expectativa do empresariado sobre as medidas a serem anunciadas, algo natural considerando os mais de R$ 22 bilhões programados em investimentos até 2022.
O agravante à tensão dos investidores é a prevalência da antiga e ultrapassada imagem dos portos antes da abertura aos operadores privados. Muitas situações dão margem a equívocos graves. Há representantes do setor de infraestrutura que insistem em apresentar dados com uma aparente relação de causa e efeito e há muito induzem a erros, perigosamente tomados como verdade.
Engano mais comum é o mantra “portos brasileiros são ineficientes” ou “as altas taxas portuárias reduzem a competitividade dos produtos nacionais”. Nada mais falso. O grande gargalo são a burocracia e as dificuldades de acesso ao porto. Repetido mecanicamente há décadas, quando ainda se podia justificar alguma generalização, tal discurso é invocado ainda hoje, algo inadmissível. Durante recente seminário em Brasília, uma entidade de classe afirmou, a jornalistas, empresários e autoridades, que os portos brasileiros cobram dos exportadores US$ 400 por contêiner embarcado, enquanto o mesmo serviço custa US$ 150 em outros países.
Ocorre que o exportador, via de regra, não paga nada ao terminal. Os terminais portuários cobram pelo serviço de movimentação (embarque e desembarque) de contêineres dos armadores, empresas donas dos navios – e não dos exportadores.
São os transportadores marítimos, os armadores, que cobram dos exportadores e importadores, dependendo da forma de contratação aplicada, pelo serviço de frete marítimo dos contêineres adicionado de taxas aplicadas, cujos valores são estabelecidos individualmente pelos armadores com seus clientes, procedimento comum em muitos países.
Poucos sabem dos avanços de eficiência dos portos nacionais. O porto de Santos é considerado benchmarking, uma referência de qualidade de serviços. A visita ao terminal de contêineres da Santos Brasil, por exemplo, foi incluída na grade curricular de duas universidades estrangeiras – da Alemanha e do Canadá. As solicitações de visitas técnicas ao terminal por delegações de estudantes e profissionais nacionais e estrangeiros chegam a mais de 100 por ano. Desde 1995, quando a iniciativa privada deu início à modernização dos terminais, a eficiência adquirida pelos portos brasileiros reduziu significativamente o custo operacional dos armadores marítimos.
No porto de Santos, a redução do custo de operação por contêiner foi de 60% em 17 anos. A taxa que o armador paga ao terminal por contêiner movimentado (“box rate”) passou de US$ 700 para US$ 280. No mesmo período, a produtividade nos terminais aumentou 420%, passando de 15 para 78 movimentos por hora (MPH).
Adicionalmente, os investimentos feitos pelos operadores portuários – bem acima dos obrigatórios por contratos de arrendamento – permitem hoje a operação de navios de grande porte que propiciam importante economia de escala. Enquanto isso, a corrente de comércio exterior do país cresceu mais de sete vezes e foi adequadamente atendida pelos portos modernizados.
É compreensível que ainda prevaleça uma ideia antiga e ultrapassada dos portos nacionais no imaginário coletivo. Habituadas a pouco se pronunciarem publicamente, as empresas desse setor se veem agora prejudicadas pela sua própria omissão na divulgação dos progressos realizados.
O modelo portuário brasileiro não é jabuticaba, algo exótico, só visto por aqui. A lei atual é boa, é moderna e funciona, mas necessita de ajustes de hierarquia inferior para sua correta aplicação. A lentidão nas licitações pode ser bem resolvida com a determinação pelo governo de que a autoridade portuária, Companhias Docas, passe a se concentrar apenas em sua atividade fim.
Atividades que extrapolem, como a de dragagem, podem ser atribuídas a empresas privadas mediante contratos específicos, liberando a Companhias Docas para se concentrarem exclusivamente na atuação de autoridade portuária, como licitações e fiscalização dos contratos de concessão.
Evitariam-se situações como a de Santos, em que foram gastos milhões de reais de dinheiro público com a limpeza e aprofundamento do canal e, passado mais de um ano da finalização dos trabalhos, até hoje ninguém tenha podido usufruir dos benefícios por falta de homologação obrigatória pela Marinha.
Mesmo a questão – sempre polêmica e delicada – dos estivadores e outros trabalhadores portuários avulsos, tem sido adequadamente tratada em função de significativa evolução na relação capital-trabalho.
Em 1993 havia 35 mil desses trabalhadores, requisitados para trabalhos temporários nos portos que movimentam todos os tipos de carga. De lá até hoje, o comércio exterior brasileiro cresceu mais de sete vezes, enquanto o número de trabalhadores passou para cerca de 23 mil.
Desses, 8 mil desejam e estão prontos para se aposentar. Os 15 mil restantes são necessários às operações portuárias, em especial às realizadas em cais públicos fora dos grandes terminais arrendados, que trabalham com menor escala e sistemas não totalmente automatizados.
Essas e outras questões foram apresentadas como sugestões ao governo em setembro. Desde agosto o novo marco regulatório é tido como iminente. Se há tensão entre o empresariado, há também motivo para otimismo com os sucessivos adiamentos do anúncio.
O governo tem se mantido aberto ao diálogo e cuidadoso na elaboração dessa nova política que definirá a plataforma de desenvolvimento da economia do país. O setor agradece o rigor da presidenta, ciente do impacto potencial da mudança porvir. Não há pressa para o que precisa ser bem feito. O setor aguarda e confia.
Mauro Salgado é presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop)
Fonte: Valor Econômico

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