segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Do sítio Diário do Transporte
https://diariodotransporte.com.br/2016/09/23/custos-e-gratuidades-muitos-equivocos-e-pouco-conhecimento/
gregorio
LUCIO GREGORI
Enorme é a confusão existente nas discussões e análise sobre custo dos transportes coletivos, forma de remuneração dos serviços, tarifas e subsídios.
É possível que haja raízes históricas para isso. Em 1991, no governo de Erundina  no qual fui secretário dos transportes no período 1990 a 1992, o sistema deixou de ser um contrato de concessão, pelo qual a tarifa é garantia do seu equilíbrio econômico-financeiro  e passou a ser um contrato de prestação de serviço. A prefeitura contratava o serviço de empresas que fretavam ônibus e cobravam pelos seus custos operacionais mais taxa de remuneração do capital. Nesse contrato a tarifa não intervém. Ou seja, diferentemente da concessão, o custo do serviço contratado nada tem a haver com o valor da tarifa, preço público, a ser cobrada, ou não do usuário. A receita tarifária poderá ser igual, menor ou maior do que o custo operacional  contratado .
Ao empresário contratado nessa modalidade, deixa de ser vantajosa a superlotação dos ônibus, já que ele recebe pelo frete, desde que cumpra as viagens contratadas e transporte os passageiros estimados .
Nessa modalidade de contrato, também deixa de existir a ideia de linha rentável ou não, ou como são conhecidas, linhas de alto ou baixo índice de passageiros por quilômetro (IPK).
Mas em 2003, governo de Marta Suplicy, é introduzida uma modificação notável nos contratos O serviço passa a ser remunerado por passageiro transportado e não mais por custos operacionais.
Por mais variadas que sejam a justificativas para essa mudança, o fato é que essa forma de remuneração incorre em grave erro conceitual que ao final resultará em vários possíveis  desvios  no montante pago às contratadas e na qualidade do serviço e, mais, nessa modalidade equivocada de pagamento a superlotação interessa ao empresário.Além disso, essa forma de remuneração por passageiro transportado resulta em números de custos do sistema completamente viciados e  a prefeitura contratante acaba não conhecendo seus custos efetivos,  que são o custos operacionais.
Então  um sistema de ônibus urbanos pode e deve ser dimensionado a partir da demanda e concepção da cidade, o que implica definir, por parte do contratante, as linhas, os trajetos, as frequências, conforto da vigem, o nível de ocupação dos ônibus e outros elementos. A partir de indicadores como passageiros por metro quadrado (no horário de pico ou de vale), tempo de viagem, tempo de espera no ponto, qualidade oferecida nos veículos (ar condicionado? Motor traseiro? Transmissão automática? Piso baixo? Nível de ruído interno e externo e outros, tipo de combustível se fóssil, elétrico ou motor hibrido, etc. ) é que se pode dimensionar a frota necessária e os custos da operação. Com esse dimensionamento ficam, pois, definidos os chamados capex e opex , ou seja respectivamente, os gastos de capital (capital expenditures) e da operação propriamente dita ( operational  expenditures) vinculados à oferta do serviços em condições previamente planejadas pelo contratante, que não pode se furtar a planejar o serviço, definindo esses e outros indicadores.
O fato crucial é que, porém, dado um nível de serviço, o seu custo é fixo em relação aos passageiros transportados. Ou, por outra, se o ônibus realiza uma viagem, não importa quantos passageiros está transportando. O custo variável por passageiro, ainda que real, é desprezível em relação ao custo fixo da operação. Um passageiro a mais não custa nada a mais (rigorosamente, custa uma fração infinitesimal do custo). Os economistas dirão que, na margem, os passageiros custam zero.
Apenas quando variações significativas do nível de serviço – e, consequentemente, dos insumos – acontecem, os custos mudam.
Em resumo, o passageiro transportado é fonte de receita para o contratante. Outras fontes de receita como recursos do orçamento público, por exemplo, poderão ser utilizadas para o pagamento do custo contratado.
Um exemplo disso é o ônibus da madrugada em São Paulo, cujo serviço é contratado por custos operacionais, pois  o número de passageiros é relativamente pequeno ou seja,  a receita que eles geram é insuficiente para cobrir tais custos. Já no serviço que foi contratado em 2013 para os ônibus do período não da madrugada e que, infelizmente, ainda será vigente até pelo menos 2017, a remuneração é por passageiro transportado, pois ao contrário da madrugada, não há falta e, sim, excesso de passageiros. Ou seja, não falta receita, ao contrário.
Assim, não tem o menor sentido falar-se em custo ou remuneração por passageiro, ou em outras palavras, o número de passageiros transportados não é, em si mesmo, o objeto de cálculo do custo do sistema, mas a base do seu dimensionamento.
Exemplos evidentes disso: sistemas de TV a cabo onde o novo assinante não representa custo, já que a rede está instalada para uma determinada capacidade de ligações; ou igualmente sistemas de telefonia celular e fixo; ou o passageiro adicional no avião que vai decolar logo mais e tem lugares vazios, quando uma receita adicional (que não tem nada a haver com o custo por passageiro, na realidade é uma receita que seria perdida) é bem vinda, desde que seja maior do que o custo variável e marginal do passageiro. Se o voo ocorrer, este custo resume-se ao combustível gasto pelo peso do passageiro adicional, que tende a zero comparado com os custos fixos da viagem. Por isso em todos estes negócios o que importa é maximizar a receita e usar o máximo do investimento feito, porque o custo é, para todos os efeitos, fixo. O problema da companhia aérea é não transportar poltronas vazias…
Não por outra razão existem os planos promocionais desses serviços, de telefonia por exemplo. Fale “x” minutos e não pague a mais, etc., sempre com o intuito de ocupar inteiramente a rede operacional cujo capex  já foi feito na instalação do sistema e o opex  não é aumentado por conta da ligação a mais que o usuário completa.
Outro exemplo é o taxi. Um passageiro entra no taxi e diz o endereço de destino. A meio  caminho encontra um ou mais amigos andando a pé e os convida para entrar no taxi. Esses novos passageiros obviamente não pagam nada por isso, pois não significaram quase nenhum custo adicional, pois este será calculado pelo custo (capex mais opex)  registrado no taxímetro.
Então, se o custo é fixo, porque remunerar os contratados pela Prefeitura por passageiros? Porque licitar e contratar por um valor de remuneração por passageiro se isso implica que, por exemplo, que mais passageiros transportados proporcionam maior receita, e nenhum custo?
O que é surpreendente, para dizer o mínimo, é a quantidade de chamados especialistas, seja no setor público, seja nas empresas de ônibus, seja na mídia, que continuam discutindo a questão dos custos, subsídios etc, a partir de uma concepção de contratos remunerados por passageiro transportado.
O subsídio é uma fonte de receita que deve se somar à receita tarifária, objetivando diminuir a tarifa paga pelo usuário.
A discussão do subsídio passa pelas receitas da prefeitura, sejam elas oriundas dos impostos municipais, transferências etc.
O que acontece é que no Brasil o nível de subsídio à tarifa de transportes é muito baixo. Assim em São Paulo, que tem um dos mais altos subsídios no país, é necessário trabalhar-se 13,30 min. para pagar uma tarifa de ônibus/metrô ,  ganhando-se o salário médio da cidade. Em Paris/Shangai , 4,5 min, Buenos Aires agora após reajuste de 100% promovido pelo governo Macri, 5,2 min, Santiago, 7,90 min e N.York 5,80 min.( ver Folha de S.Paulo, 20/01/2015).
Em outras palavras, prefeituras e governos de estado, supostamente, têm receitas insuficientes para aumentar os subsídios. Ou gastam mal ou tem arrecadação insuficiente ou  ambas situações. Além  disso o governo federal não possui fundos que financiem subsídios tarifário aos transportes coletivos. Claro, pois em 2015 seu déficit total se deveu 82% ao pagamento da dívida, aos estratosféricos juros de 14,25 %  ao ano !
Essa é a real questão envolvendo os subsídios à tarifa de transportes coletivos.
Com a concepção de contratos remunerando por passageiro transportado, quem fica sabendo qual a receita a ser gerada pelo conjunto dos  passageiros transportados, tanto os com ou sem subsídio, para cobrir os custos operacionais?
Ninguém.
Francamente, nem parece que estamos no século 21…
Lúcio Gregori é engenheiro e foi secretário de Transportes no governo Luíza Erundina. Escreveu gentilmente para este espaço

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