Dilma não foi omissa quanto a questão dos caminhoneiros. O governo deve sentar para negociar com as lideranças sérias, isolando o golpismo.
A expressão ‘greve de caminhoneiro’ condensa um clássico latino-americano. No Chile de Allende, a paralisação nacional dos caminhoneiros, em outubro de 1972, insuflada pelos proprietários de frotas que seccionaram o país e causaram grave e longo desabastecimento, foi um divisor de águas na escalada golpista.
A greve, que segundo alguns pesquisadores teria sido sustentada por dinheiro do Departamento de Estado norte-americano, inaugurou o capitulo ‘faça-se o caos’.
E foi o que se fez. O resto é sabido: ele culminaria com o bombardeio do La Moneda, 11 meses depois.
A greve dos caminhoneiros no Brasil sugestivamente iniciada no Paraná do juiz Moro e do tucano Beto Richa, não acontece com o pano de fundo de um embate de vida ou morte da burguesia contra um governo progressista.
Há distintas motivações a fermenta-la, sendo o reajuste nos preços do diesel uma delas. Leis trabalhistas que contrariam os interesses dos donos de frota, outra.
Mas a sua ordenação política, as palavras de ordem e o tratamento obsequioso da mídia - a mesma que antes exigia o realismo tarifário e o fim dos subsídios da Petrobras - borbulha uma cumplicidade sugestiva com os paladinos da moral, do impeachment e do desmonte da Petrobras para rifar o pré-sal.
O conjunto evidencia o subtexto de uma convergência que não pode mais ser ignorada pelo governo.
Acumulam-se sinais - alguns ostensivamente desrespeitosos, como os da elite que destratou o ex-ministro Mantega, no Hospital Albert Einstein, dia 19, onde a esposa se trata de um câncer, aos gritos ‘vai para o SUS’ - de que setores crescentes do conservadorismo resolveram aqui também desencadear o capítulo ‘Faça-se o caos; semeie-se a guerra’.
A meta nada dissimulada é convergir distintas iniciativas para o grande dreno das correntezas golpistas em 15 de março próximo, no ato pró impeachment de Dilma.
Para entender o caso específico dos caminhoneiros e a importância de se abortar o objetivo evidente de chegar a 15 de março com estradas seccionadas, desabastecimento de combustíveis e de alimentos, Carta Maior conversou com o especialista em infraestrutura José Augusto Valente, que dirigiu a Secretaria de Política Nacional de Transportes do governo Lula em 2004.
Suas considerações e o aconselhamento de medidas urgentes a serem tomadas merecem a atenção do governo. Leia a seguir:
Carta Maior --Valente, qual a sua avaliação desse movimento de caminhoneiros, com paralisações nas principais rodovias do país?
Em março de 2004, assim que assumi a Secretaria de Política Nacional de Transportes, no Ministério dos Transportes, havia um indicativo de paralisação nacional, no meio daquele ano. Convidei todas as lideranças de autônomos e das empresas e, após reunião, conseguimos fechar uma pauta de reivindicações para soluções no curto, médio e longo prazos. A paralisação foi suspensa e grande parte da pauta foi cumprida até o final de 2006, graças a um trabalho conjunto da Secretaria de Política com todas as lideranças do segmento.
A greve, que segundo alguns pesquisadores teria sido sustentada por dinheiro do Departamento de Estado norte-americano, inaugurou o capitulo ‘faça-se o caos’.
E foi o que se fez. O resto é sabido: ele culminaria com o bombardeio do La Moneda, 11 meses depois.
A greve dos caminhoneiros no Brasil sugestivamente iniciada no Paraná do juiz Moro e do tucano Beto Richa, não acontece com o pano de fundo de um embate de vida ou morte da burguesia contra um governo progressista.
Há distintas motivações a fermenta-la, sendo o reajuste nos preços do diesel uma delas. Leis trabalhistas que contrariam os interesses dos donos de frota, outra.
Mas a sua ordenação política, as palavras de ordem e o tratamento obsequioso da mídia - a mesma que antes exigia o realismo tarifário e o fim dos subsídios da Petrobras - borbulha uma cumplicidade sugestiva com os paladinos da moral, do impeachment e do desmonte da Petrobras para rifar o pré-sal.
O conjunto evidencia o subtexto de uma convergência que não pode mais ser ignorada pelo governo.
Acumulam-se sinais - alguns ostensivamente desrespeitosos, como os da elite que destratou o ex-ministro Mantega, no Hospital Albert Einstein, dia 19, onde a esposa se trata de um câncer, aos gritos ‘vai para o SUS’ - de que setores crescentes do conservadorismo resolveram aqui também desencadear o capítulo ‘Faça-se o caos; semeie-se a guerra’.
A meta nada dissimulada é convergir distintas iniciativas para o grande dreno das correntezas golpistas em 15 de março próximo, no ato pró impeachment de Dilma.
Para entender o caso específico dos caminhoneiros e a importância de se abortar o objetivo evidente de chegar a 15 de março com estradas seccionadas, desabastecimento de combustíveis e de alimentos, Carta Maior conversou com o especialista em infraestrutura José Augusto Valente, que dirigiu a Secretaria de Política Nacional de Transportes do governo Lula em 2004.
Suas considerações e o aconselhamento de medidas urgentes a serem tomadas merecem a atenção do governo. Leia a seguir:
Carta Maior --Valente, qual a sua avaliação desse movimento de caminhoneiros, com paralisações nas principais rodovias do país?
Em março de 2004, assim que assumi a Secretaria de Política Nacional de Transportes, no Ministério dos Transportes, havia um indicativo de paralisação nacional, no meio daquele ano. Convidei todas as lideranças de autônomos e das empresas e, após reunião, conseguimos fechar uma pauta de reivindicações para soluções no curto, médio e longo prazos. A paralisação foi suspensa e grande parte da pauta foi cumprida até o final de 2006, graças a um trabalho conjunto da Secretaria de Política com todas as lideranças do segmento.
Esse movimento de paralisações, que ocorrem agora, tem duas vertentes, na minha opinião. A primeira visa a reivindicar algumas questões que são importantes para os motoristas autônomos. A segunda, trata-se de uma movimentação visando engrossar as manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma.
CM - Como você distingue esses dois movimentos?
Há um pleito permanente do caminhoneiro autônomo visando ao aumento da remuneração do seu trabalho, da sua segurança e de perspectiva de futuro. Isso se reflete em propostas de redução do preço do diesel – que tem um peso muito elevado no custo operacional do caminhão –, de aumento do frete, da segurança contra acidentes e roubo de cargas, de transferência do pagamento do pedágio do caminhoneiro para o dono da carga, de programa de renovação da frota de caminhões, entre outras.
Esses temas vêm sendo trabalhados pelo governo e pelo Congresso Nacional, tendo resultado na Projeto de Lei 4.246-D/2012, que encontra-se na Casa Civil para sanção presidencial.
Embora não haja consenso no segmento, todos são unânimes em dizer que é um ponto de partida importante, possível de melhorias futuras. O fato dessa lei ter sido construída coletivamente nos permite dizer que não há porque fazer paralisações neste momento, a não ser que os manifestantes explicitem que estão fazendo isso para pressionar a presidenta a sancionar a lei sem vetos ou a vetar alguns artigos. Desse modo, penso que a radicalização da movimentação atual não faz muito sentido com as questões reais dos caminhoneiros, já que estas estão sendo tratadas. Decididamente, o governo Dilma não foi omisso!
CM -Então você avalia que essas paralisações têm motivação política?
Parece-me que sim. Basta ver que as lideranças empresariais e dos autônomos não estão participando desse processo. No entanto, há um nível de organização bastante razoável, baseado nas redes sociais, em especial no whatsapp. Tudo isso me leva a suspeitar que há uma coordenação por cima das lideranças e visando o desgaste da presidenta Dilma.
Por outro lado, como não há lideranças visíveis nesse movimento, fica muito difícil para o governo Dilma negociar a suspensão das paralisações. Negociar com quem?
Ninguém me convence que essa movimentação não está mirando nas manifestações chamadas pela oposição para o dia 15 de março próximo.
Imaginem como seriam apresentadas pela imprensa gente nas ruas e caminhões criando o caos nas estradas e cidades!
CM - O que o governo Dilma pode fazer para evitar o sucesso dessa movimentação pelo impeachment, via caminhoneiros?
Não há como intervir nas negociações de frete, mas penso que a presidenta deveria sancionar o Projeto de Lei 4.246-D/2012, sem vetos, o mais rápido possível e criar um subsídio emergencial para o diesel/caminhão e, imediatamente, iniciar uma negociação com os governadores para reduzir a alíquota de ICMS sobre o diesel e, com isso, compartilhar com eles esse problema, que não é apenas da esfera do governo federal.
A assinatura da sanção deveria ser um evento para o qual seriam chamados todas as lideranças do setor, isolando, dessa forma, o movimento com viés golpista, que não teria como se sustentar.
Convém lembrar a importância que tiveram as greves dos caminhoneiros, no Chile, para a queda de Allende.
CM - Como você distingue esses dois movimentos?
Há um pleito permanente do caminhoneiro autônomo visando ao aumento da remuneração do seu trabalho, da sua segurança e de perspectiva de futuro. Isso se reflete em propostas de redução do preço do diesel – que tem um peso muito elevado no custo operacional do caminhão –, de aumento do frete, da segurança contra acidentes e roubo de cargas, de transferência do pagamento do pedágio do caminhoneiro para o dono da carga, de programa de renovação da frota de caminhões, entre outras.
Esses temas vêm sendo trabalhados pelo governo e pelo Congresso Nacional, tendo resultado na Projeto de Lei 4.246-D/2012, que encontra-se na Casa Civil para sanção presidencial.
Embora não haja consenso no segmento, todos são unânimes em dizer que é um ponto de partida importante, possível de melhorias futuras. O fato dessa lei ter sido construída coletivamente nos permite dizer que não há porque fazer paralisações neste momento, a não ser que os manifestantes explicitem que estão fazendo isso para pressionar a presidenta a sancionar a lei sem vetos ou a vetar alguns artigos. Desse modo, penso que a radicalização da movimentação atual não faz muito sentido com as questões reais dos caminhoneiros, já que estas estão sendo tratadas. Decididamente, o governo Dilma não foi omisso!
CM -Então você avalia que essas paralisações têm motivação política?
Parece-me que sim. Basta ver que as lideranças empresariais e dos autônomos não estão participando desse processo. No entanto, há um nível de organização bastante razoável, baseado nas redes sociais, em especial no whatsapp. Tudo isso me leva a suspeitar que há uma coordenação por cima das lideranças e visando o desgaste da presidenta Dilma.
Por outro lado, como não há lideranças visíveis nesse movimento, fica muito difícil para o governo Dilma negociar a suspensão das paralisações. Negociar com quem?
Ninguém me convence que essa movimentação não está mirando nas manifestações chamadas pela oposição para o dia 15 de março próximo.
Imaginem como seriam apresentadas pela imprensa gente nas ruas e caminhões criando o caos nas estradas e cidades!
CM - O que o governo Dilma pode fazer para evitar o sucesso dessa movimentação pelo impeachment, via caminhoneiros?
Não há como intervir nas negociações de frete, mas penso que a presidenta deveria sancionar o Projeto de Lei 4.246-D/2012, sem vetos, o mais rápido possível e criar um subsídio emergencial para o diesel/caminhão e, imediatamente, iniciar uma negociação com os governadores para reduzir a alíquota de ICMS sobre o diesel e, com isso, compartilhar com eles esse problema, que não é apenas da esfera do governo federal.
A assinatura da sanção deveria ser um evento para o qual seriam chamados todas as lideranças do setor, isolando, dessa forma, o movimento com viés golpista, que não teria como se sustentar.
Convém lembrar a importância que tiveram as greves dos caminhoneiros, no Chile, para a queda de Allende.
Créditos da foto: Ed Santos / Acorda Cidade
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