segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Esquema movimenta R$ 640 milhões para financiar corrupção no MT

No centro da investigação, ex-governador, ex-presidente da assembleia legislativa e ex-secretário que gastou R$ 1 bi em obras para a Copa do Mundo.

 Repórter Secreto do Fantástico entrar em ação. Dessa vez, em Cuiabá, capital do Mato Grosso, ele vai investigar um esquema que movimentou pelo menos R$ 640 milhões para financiar todo tipo de corrupção.
No centro da investigação, um ex-governador, um ex-presidente de uma assembleia legislativa e um ex-super-secretário do estado que gastou R$ 1 bilhão em obras para a Copa do Mundo, como o VLT, Veículo Leve sobre Trilhos, mas que até hoje não estão prontas.
“Foi prometido pelo governo do estado para mim R$ 5 milhões para arena e R$ 5 milhões no VLT”, diz Éder Moraes.
Éder está falando sobre corrupção nas obras da Copa do Mundo em Cuiabá. Diante de promotores e acompanhado pelos advogados, ele diz que levaria ao todo uma propina de R$ 10 milhões nas obras da Arena Pantanal e do VLT, o Veículo Leve sobre Trilhos.
Quem é ele para valer tanto? Éder Moraes foi titular da Secretaria Extraordinária da Copa no Mato Grosso. Ele e mais o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Geraldo Riva, eleito pelo PSD, e o ex-governador Silval Barbosa, do PMDB, estão sendo investigados por um esquema que movimentou pelo menos R$ 640 milhões e, segundo o Ministério Público, financiou muita corrupção.
Por isso, o repórter Eduardo Faustini está em Cuiabá para perguntar: Cadê o dinheiro que tava aqui?
Em maio de 2014, uma operação da Polícia Federal prende Éder Moraes e o então presidente da assembleia, José Riva. Na mesma operação, o então governador, Silval Barbosa, foi detido durante busca no apartamento dele. Tinha uma arma com registro vencido. Mas o foco da investigação era outro: uso de dinheiro público por debaixo do pano.
“Eram diversos esquemas. Todos passavam pelo filtro da lavagem e da tramitação dos recursos pelos bancos clandestinos”, diz o Ronaldo Queiroz, procurador da República do MT. 
Ou seja, segundo a investigação, as maiores autoridades do estado usavam bancos piratas para pagar todo tipo de compromisso suspeito. Bancos sem autorização para funcionar e, portanto, longe da fiscalização do Banco Central.
“Envolvia desde dinheiro para financiamento de campanha, antecipação de recebimento de alguma obra pública, corrupção em geral. Estima-se que mais de meio bilhão de reais circulou nesse mercado financeiro paralelo, ilegal, clandestino”, avalia Queiroz
O repórter Eduardo Faustini localizou um dos banqueiros piratas, um dos financiadores dessa dinheirama ilícita. É um comerciante que resolveu colaborar com a Justiça.
“Quando houve a operação, aí que espontaneamente eu procurei o Ministério Público. Eu tinha cometido alguns erros e queria reparar esses erros, pagar por esses erros”, diz Júnior Mendonça.
Fantástico: Que erros?
Júnior Mendonça: Minha participação se dava com realizações de alguns empréstimos. Eu era procurado pelo Legislativo, pelo senhor Riva; pelo Executivo, pelo senhor Éder, que representava o governo do estado de Mato Grosso.
Fantástico: Quanto o José Riva ficou devendo ao senhor?
Júnior Mendonça: R$ 5,721 milhões.
Segundo Júnior Mendonça, a nota promissória da dívida tem as assinaturas de José Riva e do deputado Mauro Savi, do PR, que era primeiro-secretário da assembleia quando Riva presidia a casa. Riva alega que esse dinheiro era um empréstimo pessoal. Júnior Mendonça diz que não: “Ele me disse que era para atender às necessidades com o sistema, que seriam os deputados”.
“Só das cinco ações penais ajuizadas pelo Ministério Público já tem aí mais de R$ 100 milhões de recursos públicos”, afirma o procurador da República.
José Riva tem, na Justiça, mais de 120 ações cíveis e criminais, que fazem dele o político mais ficha-suja do Brasil.
“O senhor José Riva vem sendo processado já por desvio de recurso público há mais de 13 anos”, destaca o promotor de Justiça Gilberto Gomes.
Em uma cartilha oficial do governo do estado, não há espaço entre as palavras. “Tudo emendado, não há um espaço entre uma palavra e outra. Esse é um manual de redação que foi produzido pela Assembleia Legislativa supostamente. Ao longo de dois anos foram aplicados entre assembleia e estado de Mato Grosso mais de R$ 140 milhões em serviços gráficos, supostamente”, mostra o promotor. 
Por que supostamente? Quem conta é o dono de uma das gráficas. Ele denunciou o esquema ao Ministério Público.
“Esse material nunca era entregue. As gráficas tinham o objetivo de desviar dinheiro público. Junto com o presidente José Riva. Ficavam com 25% desse dinheiro e 75% retornavam para o presidente da Assembleia Legislativa”, detalha.
Várias gráficas entraram no esquema. Nenhum responsável por uma delas quis conversa com o Fantástico. Uma curiosidade: e se os R$ 140 milhões de dinheiro público tivessem de fato sido usados para imprimir as tais cartilhas?
“Dá para você enfileirar carretas e carretas de papel daqui a São Paulo”, conta a testemunha.
Então por que o Ministério Público recebeu publicações como aquela cheia de erros?
“Isso foi produzido às pressas, alguns exemplares para atender à nossa requisição”, diz o promotor. 
“Rodava dois livros, três livros, só para justificar ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público”, diz o dono de uma gráfica.
“Me procuravam, sempre, para extrair da minha, vamos dizer assim, da minha cabeça, as engenharias para se resolver várias situações”, diz Éder Moraes.
Além de ter trabalhado nos preparativos da Copa, Éder foi secretário da Casa Civil e da Fazenda do estado do Mato Grosso. “Eu sempre desenvolvi essas engenharias”, diz Éder. 
Éder deu cinco depoimentos ao Ministério Público. Ele afirma que cumpria ordens do então governador Silval Barbosa para pagar dívidas com Júnior Mendonça, o financiador do esquema.
Éder Moraes: Peguei sacola, né? Peguei mochila com R$ 400 mil, R$ 500 mil. Eu sabia onde estavam as dívidas. Então, ‘ó, isso daí é para resolver lá com o Júnior’.
Promotor: Quem que falava isso que era para resolver com o Júnior?
Éder Moraes: O governador.
Éder insinua que, quando era secretário da Fazenda, o dinheiro ilegal que ele arrumava servia para comprar deputados da Assembleia Legislativa.
Éder Moraes: Havia uma carga de pressão violenta da Assembleia Legislativa sobre o governo, o que também demandava recursos financeiros - para se aprovar uma conta no final de ano, para se tramitar as coisas com velocidade.
Promotor: A pressão era para a secretaria levantar dinheiro e passar para Assembleia.
Éder Moraes: Isso.
Éder afirma que recebeu oferta de propina. Ao todo, R$ 10 milhões por conta das obras da Copa. “Foi prometido pelo governo do estado para mim R$ 5 milhões da arena e R$ 5 milhões no VLT”, conta Éder Moraes.
Mas, no mesmo depoimento, ele diz que a propina acabou não sendo paga.
Pois bem. O VLT, o Veículo Leve sobre Trilhos, que deveria estar pronto antes da Copa, foi divulgado com fanfarra. Um vídeo mostra o então presidente da assembleia José Riva e o então governador Silval Barbosa passeando de VLT em Portugal.
Em outro vídeo, Silval aparece inaugurando uma estação do VLT em Cuiabá. A única. Faltou construir mais 32 que tinham que ter ficado prontas, com duas linhas e um total de 22 quilômetros para Copa do Mundo.
“Não havia a menor possibilidade de dar viabilidade econômica para um sistema de VLT”, explica Luiz Miguel, professor do Departamento de Engenharia Civil da UFMT.
O projeto inicial para Copa não era de trens e, sim, ônibus. Muito mais barato. Ia sair por mais ou menos R$ 322 milhões. Segundo o Ministério Público, que está investigando a obra, a mudança no projeto foi feita às pressas e de forma criminosa.
O VLT já passou a casa do bilhão de reais, a cidade está com um rasgo aberto para os trilhos passarem, e até agora bulhufas.
Para continuar a obra, são necessários mais R$ 500 milhões. E quanto tempo para finalmente o VLT sair rodando? “Isso é obra que não se faz em menos de quatro anos”, afirma o professor.
Tem mais. Dois viadutos fazem parte do pacote Copa. “O viaduto foi inaugurado e logo em seguida, um mês depois, ele foi interditado por força de identificação de fissuras na estrutura. Não podem entrar dois ônibus, porque eles não cabem dentro na curva. Então, funcionalmente, ele está errado. Foi mal feito, foi mal projetado”, explica o professor.
Para resolver essa pendenga, fica quanto? “No mínimo, 40% mais caro esse viaduto em relação ao preço original dele”, diz o especialista.
O segundo viaduto também tem problemas. “Não resolveram esse ponto baixo, onde nós estamos. Aqui dá um metro de água diante das chuvas mais fortes. Não fizeram a drenagem para coletar toda essa água que acumula aqui”, ele avalia.
Dias depois de ter dado o depoimento, Éder Moraes fez uma retratação ao Ministério Público, para que o primeiro depoimento seja desconsiderado pela investigação. Ele se diz inocente.
E veja o motivo que Éder apresenta para tentar voltar atrás: “Estava extremamente tomado pela emoção de não ter sido atendido em uma escolha para então ocupar uma vaga no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso”.
O Ministério Público não considera que o depoimento tenha sido anulado. E tanto o Ministério Público Federal quanto o Estadual entraram com ação contra o ex-governador Silval Barbosa por conta do VLT.
Em nota, Silval afirma que nunca autorizou Éder Moraes a fazer qualquer transação com Júnior Mendonça. Sobre a acusação de desvio de dinheiro público, ele diz esperar o teor das investigações e, se necessário, prestará esclarecimentos.
Sobre o VLT, Silval afirma que a obra teve acompanhamento integral de todos os órgãos de controle e fiscalização. Ele afirma também que o atraso se deve a fatores como desapropriações judiciais, ações do Ministério Público e a própria complexidade da obra.
Já os advogados do ex-presidente da assembleia José Riva dizem que as acusações de Júnior Mendonça não têm base em provas e que a documentação relativa aos períodos em que ele presidiu a casa vai afastar qualquer possível suspeita de ato ilícito.
Acontece que neste sábado (21) José Riva foi preso pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, do Mato Grosso. Com o anúncio desta reportagem ao longo da semana, a Justiça entendeu que o ex-deputado poderia fugir.
Em nota, o deputado Mauro Savi nega qualquer acusação de desvio de recursos públicos e diz que a nota promissória que avalizou para José Riva é somente uma prática comercial lícita.
Enquanto a farra com dinheiro público é investigada, existe em Cuiabá, há 30 anos, um prédio que deveria ser um hospital para a população.
“Aquele que desvia um recurso que deveria ir para saúde, e não vai, a sociedade acaba não vendo a gravidade do seu ato. Quantas pessoas já não perderam a vida e deixaram de ser atendidas por força de carência de recursos?”, destaca o promotor.
E afinal: cadê o dinheiro que tava aqui?

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