“Viajantes na Cidade”, de Christina Marchiori Borges, será lançado no dia 29 de novembro debate o tema por uma perspectiva humana
ADAMO BAZANI
IPK, pax, pass/hora-sentido, tronco-alimentador, TPO, paradora, expressa, semi-expressa, BRT, VLT …
São vários os termos do segmento de transportes que se tornaram verdadeiros jargões, muitos dos quais apesar de influenciarem na vida de todos, estão bem distantes da visão humana necessária para mobilidade, afinal transporte é feito por pessoas para pessoas.
Parece que ainda existe um grande abismo entre os elaboradores de políticas públicas, o mundo acadêmico, os operadores de transportes e os passageiros, que são clientes e precisam ser compreendidos em suas necessidades.
Mostrar que são necessárias pontes entre estes entes é um dos papéis que cumpre o livro “Viajantes na cidade”, de Christina Marchiori Borges, integrante da Comissão Técnica de Pesquisa de Opinião da ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos.
A obra tem fotografias de Leonardo Neri e já deixa bem claro que a viagem numa cidade não consiste apenas no tempo dentro do meio de transporte. A viagem começa na porta da casa da pessoa passa por calçadas esburacadas, estações, escadas, vielas até chegar ao destino final que pode ser a escola, o trabalho, o médico, a fisioterapia, a igreja, o clube, o estádio de futebol, etc.
Acompanhado a rotina dos passageiros, especificamente no Metrô e ônibus em São Paulo no início do Século XXI, é possível entender que se o cidadão for ouvido, muitas vezes as soluções podem ser mais rápidas, simples e eficazes.
A escritora, com bases teóricas das Ciências Humanas, conseguiu identificar três tipos de viajantes da cidade.
O Diário do Transporte conversou por e-mail com Christina Borges que dá detalhes sobre a obra que será lançada no próximo dia 29 de novembro partir das 18h30, no Espaço Parlapatões, localizado na Praça Franklin Roosevelt, 158 – Consolação, São Paulo.
- Como que surgiu a ideia para fazer o livro?
A edição do livro tem por finalidade divulgar alguns aspectos sociais relacionados à mobilidade urbana para além dos círculos acadêmicos e possibilitar ao público uma reflexão sobre a construção coletiva da cidade. Sempre pesquisei esse tema por entender que a mobilidade, na cidade de São Paulo, como em tantas outras do Brasil, merece maior atenção da sociedade e dos administradores públicos.
O modelo brasileiro de mobilidade foi fortemente calcado no transporte individual, no automóvel que foi adotado como modelo desde o início da industrialização brasileira, na década de 1950. Mas, o que constatamos hoje é que esse modelo é perverso, se, por um lado outrora ele facilitou os deslocamentos por automóvel, por outro, atualmente ele representa a ocupação de grande parcela o espaço de circulação viária. Esse fato traz como consequência congestionamentos enormes, deseconomias, poluição e perda de tempo para todos os que se deslocam seja em automóvel, seja pelos transportes públicos.
O deslocamento calcado no automóvel acaba por incentivar o individualismo, o distanciamento das pessoas e a rechaçar a ideia de coletividade. O uso das ruas fica restrito apenas para a circulação motorizada individual e não, como ocorre em sociedades mais avançadas, para a convivência e o encontro com a diversidade e riqueza humanas que existem nas cidades.
As ruas da cidade, a partir desse olhar são vistas como perigosas e como lugar dos mais pobres, são lugares de passagem e, não de vivência.
Os planos de mobilidade de países mais evoluídos carregam em sua matriz de mobilidade a bicicleta, caminhadas a pé, priorizando o espaço viário para os transportes públicos.
Pesquisei as viagens de ônibus e de metrô com o suporte da antropologia urbana, usando o método etnográfico estudando hábitos, percepções, comportamentos dos viajantes e as interações sociais que ocorrem nos transportes públicos e nas ruas da cidade de São Paulo. Denominei os usuários de transportes de viajantes devido às longas distâncias que percorrem nos meios de transportes e as longas caminhadas que fazem em ruas escuras, calçadas esburacadas e sem segurança. São verdadeiras viagens dentro da cidade, que requerem preparação, habilidades, força física e psicológica dos indivíduos.
- Pela sua experiência na publicação, é possível traçar um perfil do usuário do transporte em São Paulo?
A partir dos comportamentos e atitudes dos viajantes foi possível traçar um perfil dos viajantes de ônibus e de metrô, agrupando-os em três segmentos.
O primeiro deles é o de narradores e adotei esse título por inspiração do filósofo Walter Benjamin, que valoriza a transmissão oral como forma de transmissão da história humana e da cultura. Os narradores são pessoas que têm conversa fácil, interagem com os demais passageiros, conhecem as regras e funcionamento do meio de transporte. Conhecem os itinerários, as ruas e as referências urbanas. Sabem onde ficam escolas, hospitais e, quase sempre, ajudam e informam os demais passageiros. Demonstram gostar de viajar nos meios de transportes da cidade.
Eu intitulei o segundo grupo de viajantes de “flâneurs” contemporâneos, aqui por influência de Charles Baudelaire, poeta francês, que identificou no século XIX o flâneur como habitante característico da Paris da modernidade. Nesse período houve grande crescimento das cidades e a presença de grande massa de trabalhadores urbanos. O flâneur observava a cidade e as pessoas em movimento, os transportes e a grande diversidade de costumes.
No nosso caso, o flâneur é um tipo de passageiro atento a tudo o que acontece ao seu redor. Cuida de sua bagagem, observa as paisagens urbanas em silêncio e com bastante discrição. O flâneur parece gostar mais das viagens nos ônibus, uma vez que esse meio de transporte revela cenas corriqueiras e cotidianas de maneira mais intensa do que no metrô. Observam motocicletas, congestionamentos, atropelamentos e ouvem atentamente as estórias contadas por outros passageiros.
O terceiro grupo de viajantes é o dos “blassé” ou abduzidos. São pessoas distantes do espaço em que se encontram, demonstrando nenhum interesse seja pelos demais passageiros, seja pelas cenas e acontecimentos da cidade.
Os comportamentos são variados: alguns dormem, outros leem, trocam mensagens pelo celular, fazem joguinhos, palavras cruzadas. Parecem amortecidos pelo movimento mecânico do transporte e ficam absortos nos seus afazeres. Os nervos parecem que pararam de reagir e o empréstimo intelectual que fiz para esse grupo foi de George Simmel, sociólogo alemão que analisou como a metrópole afeta o estado psicológico de seus habitantes. Algumas mulheres que compõem esse grupo fazem sua maquiagem durante a viagem, de tão ausentes que ficam no meio de transporte em que viajam.
De uma maneira geral, como o transporte pode revelar aspectos da sociedade que muitas vezes não são percebidos pelos gestores públicos e formadores de opinião? Caso estes aspectos fossem levados em conta de fato, poderiam ser tomadas ações para melhorar a qualidade de vida e fomentar a cultura da vida em coletividade nos centros urbanos?
O livro aponta para alguns aspectos que devem ser considerados pelos gestores públicos. Um deles diz respeito à necessidade de compreender que a viagem urbana não começa nos meios de transportes públicos; ela apenas continua nos transportes, mas, se inicia na calçada da casa onde mora o viajante que pode encontrar, como já falei, toda a sorte de dificuldades a ser superadas como: escuridão, pavimento quebrado ou inexistente, risco de assalto e de estupros, no caso das mulheres.
O deslocamento na cidade deve ser entendido sob a ótica da mobilidade urbana, pressupondo um conjunto de fatores facilitadores como calçadas transitáveis e acessíveis, ciclovias, iluminação, faixas de segurança, dentre outros. Para isso, é necessário que os órgãos públicos trabalhem em conjunto para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes dos grandes centros urbanos nos quais a cidade de São Paulo se insere.
Outro aspecto se refere ao desconhecimento dos viajantes em relação aos bens culturais da cidade, como monumentos, igrejas, museus, bibliotecas, marcos e prédios históricos, embora muitos deles passem anos a fio pelas suas portas e pelos locais. Esses bens culturais poderiam ser divulgados junto aos viajantes nos itinerários que, por exemplo, as linhas de ônibus, percorrem.
Talvez essa medida ajudasse a tornar as viagens mais agradáveis e menos monótonas para alguns.
Christina Maria De Marchiori Borges é mestre em Antropologia e doutoranda na PUC/SP. Socióloga e Pós-Graduada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Fesp/SP. Pesquisadora no Metrô, Dersa e SPTrans.
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