sexta-feira, 4 de setembro de 2015

'Paradoxo Haddad' ampliou velocidade nas marginais


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REINALDO DEL DOTORE

Graduado em Odontologia e Direito. Servidor público na área da saúde

Alguns grandes portais têm, nos últimos dias, divulgado informações interessantes a respeito dos primeiros resultados concretos referentes à redução da velocidade máxima permitida nas avenidas marginais, em São Paulo, medida polêmica instituída pelo prefeito Fernando Haddad, do PT. Assim que Haddad anunciou que a velocidade máxima nas principais vias da cidade (especialmente nas marginais) seria reduzida, teve início uma autêntica cruzada contra o prefeito. Não faltaram as acusações de "incentivo à indústria das multas" e, no campo das críticas mais racionais, cidadãos alegaram que não haveria sentido em se fazer os motoristas demorarem ainda mais em seus deslocamentos diários. Foram feitas contestações a essas críticas por meio da divulgação de estudos empíricos realizados em outras cidades do mundo, estudos que provavam que não haveria redução significativa no tempo de deslocamento com a redução da velocidade máxima na proporção que se propunha para São Paulo, mas sempre a tréplica era algo como "não se pode comparar essa cidade com São Paulo". Contas simples demonstravam, ainda, que, na maior parte dos deslocamentos, o motorista eventualmente poderia demorar apenas alguns minutos a mais, o que certamente não seria relevante diante da provável redução do número de acidentes e de mortes, mas mesmo este argumento não teve receptividade.
Pois bem. O que os números divulgados mostram é que, após seis semanas do início da redução da velocidade, os acidentes com vítimas caíram 27%, acidentes com mortes diminuíram 50%, e, o que é mais surpreendente, a lentidão caiu 22% no pico da tarde e, na cidade como um todo, a lentidão no período vespertino caiu 19%. Quanto à redução dos acidentes em geral e dos acidentes com vítimas em particular, parece difícil que se questione os dados: é até mesmo intuitiva a relação direta entre velocidade e probabilidade de ocorrência de acidentes e da provável gravidade desses eventos. Já com relação à redução da lentidão, a dúvida pode ser efetivamente mais legítima: como é possível que a redução da velocidade máxima gere redução da lentidão, se o lógico a se esperar seria exatamente o oposto? Este é o "paradoxo de Haddad", e tem duas explicações.
Em primeiro lugar, a redução do número de acidentes influi positivamente na fluidez do trânsito. Quem conhece a dinâmica das marginais paulistanas sabe que um acidente, mesmo que bastante simples e sem maiores consequências materiais ou humanas, e ainda que os veículos envolvidos permaneçam apenas alguns minutos parados em uma das pistas do leito carroçável, costuma provocar lentidão e mesmo congestionamentos de vários quilômetros, e que, mesmo após a remoção dos veículos e normalização da passagem, essa lentidão demora muito a se dissipar. É claro, portanto, que quanto menos acidentes (especialmente os mais graves, que chegam a fechar uma ou mais pistas das marginais por algumas horas) maior a fluidez. Além disso, há outro aspecto interessante, publicado e demonstrado por engenheiros de trânsito brasileiros e de outros países. Sob determinados parâmetros (e ao que tudo indica a redução nas marginais se enquadra neles), a redução da velocidade máxima, abstraída a questão dos acidentes, tende a aumentar a velocidade média, pois mais veículos podem ocupar a mesma área da avenida ao mesmo tempo.
De qualquer forma, deixando-se de lado os elementos teóricos, o fato é que os números demonstram que efetivamente a redução da velocidade máxima aumentou a velocidade média nas marginais. É claro que é perfeitamente legítimo o debate a respeito de questões pontuais da medida (por exemplo, se a velocidade máxima em uma ou outra pista é a adequada ou se poderia ser ligeiramente maior, etc.) - me parece cristalino que nenhuma medida administrativa como esta é um "pacote fechado", imune a reavaliações e ajustes. O que salta aos olhos em São Paulo, porém, é a má vontade de significativa parcela da população com relação ao prefeito Haddad, má vontade esta que obstrui a racionalidade e torna a discussão meramente emocional, quase sempre vinculada a paixões políticas e não a uma genuína preocupação com os problemas da cidade. Talvez o maior "paradoxo de Haddad" seja o fato de ele ser sistematicamente apedrejado mesmo quando, inquestionavelmente, ele acerta.

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