quarta-feira, 8 de abril de 2015

Para quem quer falar sobre corrupção, que tal a Alemanha?

Do Blog Juca Kfouri


TOMAS DA COSTA, estudante brasileiro de Filosofia, que vive na Alemanha.

Acredite, a Alemanha é uma bagunça


Uma das primeiras coisas que fiz quando me mudei para Colônia foi comprar um ingresso para ver o FC Köln, o Colônia FC, jogar. O jogo era sábado, contra o Union Berlin, e pela segunda divisão. Nevava, na rua fazia -10°C, a partida começava à 1:30 da tarde. Saí de casa com a certeza de encontrar o estádio vazio e um jogo ruim. Naquele dia passei a acreditar: a Alemanha tem jeito.


FOTO: “Eu adoro quando um plano dá certo!” Torcedor alemão exibe cartaz com frase imortalizada pelo coronel Hannibal Smith, do seriado americano “Esquadrão Classe A”, na festa de comemoração do quarto título mundial da Alemanha em Berlim.


Em 2010 o governo do estado de Baden-Württemberg iniciou a modernização da estação de trem de sua capital Stuttgart ao custo de 6,5 bilhões de euros, ou 20 bilhões de reais. O valor do projeto assustou alguns moradores da cidade, que passaram a protestar diariamente contra a construção. Afinal, como se dizia no Brasil até pouco tempo, o dinheiro poderia ser investido em coisas mais importantes, como nas universidades públicas de Stuttgart, que na época não eram gratuitas. Em pouco tempo os protestos reuniram dezenas de milhares de pessoas e a polícia passou a reprimir com violência as manifestações. Algumas terminaram com mais de 100 feridos. Um referendo foi organizado, mas em vão: daqui a 8 anos a cidade de Stuttgart, comparável em população com Cuiabá, terá uma estação de trem modernizada pelo custo equivalente ao de 32 Arenas Pantanal.

Esse desastre de administração pública lembra o da construção, iniciada em 2006 e ainda longe de ser concluída, do aeroporto internacional de Berlim. A obra, marcada por erros de planejamento, de engenharia e por corrupção, custa hoje aos cofres do estado de Brandenburg e da prefeitura da capital alemã o dobro do dinheiro gasto em todos estádios da Copa do Mundo juntos. Até a entrega do aeroporto, adiada – sem garantias e pela quinta vez – para 2017, esse valor deverá chegar a 7 bilhões de euros.

Uma desorganização sem limites.

Sem falar na incompetência da polícia alemã para deter o terrorismo neonazista do grupo NSU, que chegou a realizar 7 atentados antes que as autoridades considerassem a possibilidade de sua existência, em 2006; no ex-diretor do Banco Central da Alemanha, que em 2010 enriqueceu com as vendas de um livro com teorias racistas; no ex-jogador da seleção alemã condenado em 2013 a três anos e meio de prisão por sonegar o equivalente a 90 milhões de reais, mas que não cumprirá nem metade da pena em regime fechado; ou, ainda, no governador do estado da Baviera, reeleito em 2014 por quase 50% dos eleitores apoiado na promessa populista de introduzir pedágios rodoviários somente para estrangeiros.

FOTO: Uli Hoeneß, condenado por sonegar o equivalente a 90 milhões de reais, e Horst Seehofer, primeiro-ministro do estado livre da Baviera, reeleito com a promessa de introduzir pedágios para estrangeiros.

De tudo há, desde pessoas que chegam ao hospital para operar o joelho direito e saem de lá com a perna esquerda enfaixada até ministro da defesa com tese de doutorado plagiada; de chanceler que depois de cumprir o cargo passa a ser conselheiro de multinacional petrolífera até presidente da república investigado por corrupção.

Sim, presidente da república.

Pois antes tivéssemos enfrentado, em uma semifinal de Copa, essa desordem típica da Alemanha. Mas o Brasil foi justamente enfrentar seu futebol.

Futebol em que seus maiores clubes estão há 51 anos livres da disputa de campeonatos estaduais ou regionais. Com a criação da Bundesliga em 1962, esperava-se acabar com a “mentalidade de amador”, o “Amateurgedanke”, a ideia de que ganhar dinheiro como jogador de futebol tinha algo de imoral, ideia que de fato existia, e profissionalizar o jogo. No final dos anos 1950, Espanha, Itália e Inglaterra já tinham suas ligas de futebol profissional, enquanto, na Alemanha, jogadores dependiam de outros empregos para se sustentar, sem se dedicar exclusivamente ao futebol. Aos clubes era proibido pagar salários ou premiações que ultrapassassem 400 marcos por mês (em 1962, o salário médio do trabalhador alemão era de 890 marcos). Helmut Haller, que jogou três Copas do Mundo pela seleção alemã, deixou o Augsburg pelo Bologna no início da década de 1960 por um salário de 15.000 marcos. Para vestir a camisa do também italiano Catania em 1961, Horst Szymaniak recebeu 100 mil marcos em luvas. E a Alemanha perdia bons jogadores para clubes estrangeiros.

A proposta de criação da liga sempre encontrou resistência e levou mais de 30 anos até encontrar aceitação. Determinante foi a eliminação da seleção alemã já nas quartas de final da Copa de 1962. Seis semanas depois da derrota por 1 a 0 contra a Iugoslávia em Santiago foi fundada a Bundesliga. Por 103 votos a 26.

FOTO: A Alemanha e seu 7x1 - Radacovic marca o gol da vitória da Iugoslávia nas quartas de final da Copa do Mundo de 1962, no Chile. Mês seguinte estava fundada a Bundesliga.

Na temporada anterior ao primeiro campeonato da Bundesliga em 1963/1964 havia 74 equipes (!) na disputa pelo título de campeão da Alemanha, espalhadas pelas ligas sul, sudoeste, norte, oeste e Berlim. Os dois melhores times de cada regional se classificavam para o campeonato alemão. Depois de uma repescagem em que duas equipes eram eliminadas, formavam-se dois grupos com quatro clubes cada. Os campeões de cada grupo disputavam a final.


A temporada 1962/1963 também serviu para determinar os 16 clubes que disputariam a primeira temporada da Bundesliga no ano seguinte, vencida pelo Colônia FC e que alcançou média de público de 27.000, acabando com o receio de que os clubes não conseguiriam arcar com as despesas das longas viagens e dos salários de uma liga profissional. Antes, nos regionais, a arrecadação era baixa, apenas alguns jogos atraíam mais de 10.000 pessoas aos estádios.

Com a Bundesliga, o teto dos salários foi elevado, mas para apenas 500 marcos. Um pouco de amadorismo continuava a existir. Willi Schulz, um dos melhores volantes da história do futebol alemão, trabalhava em um bar para pagar suas contas mesmo vestindo a camisa do Schalke nos finais de semana. Willi Lippens alugava um quarto embaixo da arquibancada do estádio do seu clube Rot-Weiss Essen. Até Gerd Müller fazia bicos, ainda em 1965. 

Na temporada 1970/1971, três anos antes da primeira Copa do Mundo na Alemanha, foi comprovado o envolvimento de mais de 60 jogadores de 10 clubes diferentes em um esquema de manipulação de resultados na reta final do campeonato.


Por causa da falta de confiança, o público caiu cerca de 20% nas duas temporadas seguintes, para 17.000 torcedores por jogo. E só a Copa do Mundo no país para trazer o torcedor de volta ao estádio.

Mudanças exigem tempo.

Na temporada 1995/1996 a média de público ultrapassou pela primeira vez a marca de 30.000.


Em 1983 o campeonato brasileiro chegou à metade disso (22.953), sua melhor média na história.

Uma das primeiras coisas que fiz quando me mudei para Colônia foi comprar um ingresso para ver o FC Köln, o Colônia FC, jogar. O jogo era sábado, contra o Union Berlin, e pela segunda divisão. Nevava, na rua fazia -10°C, a partida começava à 1:30 da tarde. Saí de casa com a certeza de encontrar o estádio vazio e um jogo ruim, mas o time da casa fez bonito, ganhou por 2 a 0, com 48.000 pessoas cantando sem parar nas arquibancadas. Não vi cadeira sobrando. No intervalo, de tanto frio, quase não sentia meus pés, mas fiquei até o final. Pouco antes de meu celular parar de funcionar por causa da baixa temperatura, tirei essa foto: 



Não era clássico, não tinha briga por título, nem nada.

Só um jogo de segunda divisão a 10 graus negativos em uma tarde de sábado. 

Quarenta e oito mil torcedores. 

Naquele dia passei a acreditar: a Alemanha tem jeito.

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