quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Passagem de ônibus fica congelada até 2017?

 


PAULO SANDRONI

03 Dezembro 2014
O Estado de São Paulo

É pouco provável que o congelamento continue por tanto tempo, mas o processo precisará ser cuidadoso para reduzir o subsídio e encontrar novas fontes de financiamento


ônibus depredado em junho de 2013, durante os protestos contra o reajuste de tarifas (José Patrício/Estadão)
ônibus depredado em junho de 2013, nos protestos contra o reajuste (José Patrício/Estadão)
No inicio de sua gestão, o Prefeito Fernando Haddad sofreu três reveses no campo econômico-financeiro:
1) Os protestos de junho de 2013 impediram o reajuste da tarifa do transporte público na Capital, o que se repetiu em 2014 devido à Copa do Mundo e às eleições presidenciais. Os custos do serviço aumentaram e os subsídios também. A tarifa congelada desde 2011 obrigou o governo municipal a cobrir a diferença entre receitas e custos. Essa diferença aumentou de cerca de R$ 900 milhões naquele para cerca de R$ 1,7 bilhão atualmente.
2) Não foi possível renegociar a dívida pública municipal com o Governo Federal e as elevadas taxas de juros pactuadas em 2003 continuaram devorando as receitas de maneira significativa entre 2013 e 2014.
3) A tentativa de aumentar o IPTU de forma robusta em 2014 foi bloqueada na justiça. Estes três fatores somados reduziram a capacidade de investimento da Prefeitura e o ritmo das obras tornou-se mais lento. Durante dois anos, o Governo Municipal apareceu mais pintando faixas exclusivas para ônibus e “construindo” ciclovias – o que é, convenhamos, muito pouco para as necessidades de uma cidade caótica como São Paulo, e especialmente em relação às promessas feitas durante a campanha eleitoral de 2012.
A Virada?
Passadas as eleições presidenciais, o Senado aprovou neste final de 2014 a renegociação da dívida de Estados e Municípios e a lei sancionada pela Presidente Dilma reduzirá os encargos pagos anualmente pela Prefeitura “liberando” mais de R$ 6 bilhões anuais que poderão ser transformados em investimentos.
A Prefeitura obteve também aprovação da Justiça para aumentar o IPTU em 2015. Se não houver nenhum inesperado tropeço na Câmara Municipal, ou em instancias superiores da Justiça, as receitas aumentarão e haverá mais recursos para investimentos em obras nestes dois anos finais de mandato.
Resta então cruzar o Rubicão no que se refere ao reajuste das tarifas dos ônibus. Assunto espinhoso. Politicamente explosivo, pois o movimento do passe livre já se prepara para novos combates e pode contar com apoio de uma população especialmente irritada com o provável aumento robusto do IPTU e com a permanente ineficiência dos serviços públicos.
Um problema adicional: o Governo do Estado até agora se faz de morto em relação aos reajustes das tarifas do metrô. Se estas permanecerem congeladas será politicamente insustentável ou mais desgastante ainda reajustar as tarifas dos ônibus de maneira isolada. Os danos financeiros para a Prefeitura – terá que aumentar o subsidio para cerca de R$ 2 bilhões anuais caso as tarifas dos ônibus não sejam reajustadas – serão proporcionalmente maiores do que aqueles provocados no Metrô, pois a operação deste serviço é mais equilibrada no embate entre receitas e despesas.
Na iminência de ter que decretar um rodízio no consumo de água o Governador do Estado – apesar da expressiva vitória nas urnas nas ultimas eleições – não quer se desgastar com a população anunciando duas noticias ruins no início do primeiro ano de seu novo mandato.
Outro problema para o Prefeito de São Paulo é: se for decidido um reajuste qual será seu montante? Para tirar o atraso ou parte dele calcula-se uma paulada de 15% a 20%. É bom lembrar que tanto o Governador como o Prefeito, numa época na qual a esperança de vida esta aumentando, fizeram o mesmo com as gratuidades nos transportes públicos concordando em reduzir a idade de 65 para 60 dos usuários gozando deste direito, isto é, aumentando o contingente dos “tarifa zero”, e expandindo ainda mais a “conta subsídio”.
Empurrremos para 2017?
Se o reajuste não for praticado em 2015, vai ser muito complicado tomar esta medida em 2016, ano no qual o atual Prefeito pretenderá ganhar um novo mandato. O ajuste estará reservado para 2017 e nesse caso o rombo a ser coberto será bem maior exigindo um reajuste de 30% a 40%.
É bom lembrar que grandes revoltas populares nas cidades brasileiras tiveram origem no aumento das passagens dos transportes públicos. Dois exemplos: em outubro de 1879, com as finanças falidas devido a Guerra com o Paraguai o Parlamento aprovou um imposto ( do vintém), a ser cobrado nas tarifas dos bondes que circulavam no Rio de Janeiro a partir de janeiro de 1880. A população, estimulada por republicanos e abolicionistas, se revoltou. No confronto com tropas do exército, três pessoas foram mortas e dezenas ficaram feridas. O governo Imperial voltou atrás e suspendeu o imposto.
Estadão em 2 de agosto de 1947: revolta contra as tarifas de transporte (Acervo/Estadão)
Estadão em 2 de agosto de 1947: revolta contra as tarifas de transporte (Acervo/Estadão)
Em 1947, depois de mais de 8 anos de tarifas congeladas dos bondes e ônibus na Capital, estas sofreram forte reajuste – nos bondes as tarifas aumentaram 100% passando de 25 centavos para 50 centavos (de Cruzeiro) e o quebra-quebra que se seguiu destruiu boa parte da frota de ônibus e bondes em circulação na cidade: dos 600 ônibus, somente 380 estavam em condições de rodar no dia seguinte; dos 550 bondes, apenas 200 operaram um dia depois da revolta. O aumento foi revisto e as tarifas foram reduzidas para 40 centavos.
O trauma foi de tal magnitude que o Eng. Luiz Pereira de Queiroz fez a primeira proposta de tarifa zero na cidade de São Paulo: a tarifa seria coberta por um aumento de 50% nas contas de luz e força, e na época quem mais utilizava deste serviço eram as famílias mais ricas da cidade. A proposta não foi aceita.
Creio pouco provável que a tarifa permaneça congelada até 2017. Mas, se isso acontecer, será necessário um processo muito cuidadoso de transição que contribua a reduzir o subsídio repartindo equitativamente as inevitáveis cargas, mas aliviando-as dos mais pobres através da criação de novas fontes de financiamento.

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