Da Carta Capital
Da Carta Capital
Inquérito apura a existência de fraudes na licitação do transporte escolar envolvendo políticos do PSDB
por Henrique Beirangê
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo está mergulhada em suspeitas de irregularidades em contratos sem licitação. Não bastassem os desvios na merenda, reportagem de CartaCapital deste mês mostrou que uma investigação foi aberta para apurar denúncias de um suposto esquema defraudes na licitação do transporte escolar.
Segundo o denunciante, a empresa Benfica Transportes participava de um conluio com o presidente da Fundação de Desenvolvimento para a Educação, o tucano Barjas Negri, e o chefe de gabinete, Mauro de Morais, para vencer todas as contratações.
A transportadora obteve os direitos de exploração do serviço de forma quase ininterrupta nos últimos 23 anos, período em que o PSDB está à frente da administração estadual. Negri e Morais negam as acusações. Alegam que nunca aprovaram nenhuma contratação com a empresa-alvo da investigação.
Só nos últimos cinco anos, a Benfica faturou 500 milhões de reais em ordens de serviço, parte sem licitação. Outras prorrogações contratuais passam de 100 milhões de reais. Na última concorrência pública que a companhia participou, o pregoeiro identificou uma tentativa de fraude e formação de cartel. O procedimento acabou cancelado. Segundo as empresas denunciantes, as concorrentes são eliminadas com base em questões burocráticas, mesmo quando oferecem preços menores.
Uma delas afirma existir um esquema de venda de pareceres para prejudicar quem não participa do suposto esquema. As empresas concorrentes dizem que a transportadora também recebe do Estado por linhas de transporte escolar que não atende. Segundo um motorista de uma van, funcionários da Benfica pagaram para ele adesivar seu veículo com logos das concorrentes, com o intuito de forjar o transporte clandestino de alunos da rede estadual. As fotos teriam sido usadas para incriminar as denunciantes na Secretaria de Educação.
Mesmo com as investigações em andamento, a Secretaria parece ignorar o trabalho do Ministério Público. Novos contratos milionários na área de transporte escolar sem concorrência pública foram publicados no Diário Oficial deste mês.
Em 15 de março, a Benfica foi agraciada com um contrato de 14,5 milhões de reais para a prestação de serviços na região de São Bernardo do Campo. Assinado em 9 de março, a contratação estende-se até julho de 2017. Não bastasse, também vai prestar serviços em Guarulhos em troca de um pagamento de 6,4 milhões de reais por 72 dias de contrato.
No total, e apesar da suspensão da licitação provocada por suspeita de fraude, a Benfica levou mais 21 milhões de reais da Educação em novos serviços.
Em nota, a pasta informa: “Para que nenhum aluno fosse prejudicado, a Secretaria da Educação do Estado esclarece que uma contratação emergencial foi aberta pelas diretorias regionais após identificar uma suspeita de fraude na concorrência e cancelar imediatamente o pregão”.
O texto acrescenta que o caso foi encaminhado ao Ministério Público e uma investigação interna também foi instaurada. Se for constatada a fraude, as empresas serão descredenciadas.
E conclui: “Os contratos emergenciais são feitos por tomada de preço e ficam vigentes até que a nova licitação, realizada de forma descentralizada, seja finalizada. Nenhuma empresa investigada fica impedida de participar dessa tomada de preço, desde que ofereça o menor valor e tenha condição de prestar o serviço”.
Na sequência de contratações sem concorrência pública, outras transportadoras se beneficiaram nos últimos dias. Na região de Guarulhos, foi firmado mais um acordo no valor de 5,7 milhões de reais para o transporte de estudantes. Desta vez, a vencedora foi a Ação Transportes Turismo Ltda. Outras aquisições feitas nas duas últimas semanas, também sem concorrência pública com outras duas transportadoras, somam 5 milhões de reais.
O estado dispensou ainda a licitação para firmar novos contratos no setor de merendas. NoDiário Oficial do dia 10, a chefia de gabinete autorizou a aquisição de serviços de manipulação de alimentos em caráter emergencial em um valor superior a 2 milhões de reais. A prática de vendas de alimentos sem hasta pública foi alvo da investigação que envolve fraudes na venda de suco de laranja às escolas estaduais.
Só no ano passado estima-se que foram desviados ao menos 25 milhões de reais.
Quanto à suposta fraude no leilão da área de transporte, o pregoeiro afirmou que a Benfica teria tentado praticar o crime de cartel. Em 15 de fevereiro, o governo estadual ofertou seis lotes na área de transporte escolar que totalizavam contratos de mais 500 milhões de reais. A empresa investigada venceu o lote 3 e ficou com o maior acordo, de 147,6 milhões. Tudo corria bem até um documento enviado pela empresa despertar a atenção do leiloeiro.
Realizado o pregão por meio eletrônico, os concorrentes enviam seus lances sem ter conhecimento dos demais participantes. Em meio à papelada encaminhada pela Benfica foi mandado, porém, um manuscrito com o nome e as respectivas siglas das transportadoras concorrentes.
Segundo o pregoeiro, a empresa ainda tentou, por meio do sistema “fale conosco”, pedir a exclusão da papelada. O pedido acabou negado. O documento enviado, ainda de acordo com o leiloeiro, evidenciava que a Benfica sabia quem eram as demais concorrentes em 17 de fevereiro, um dia antes do início do pregão. A empresa alega que uma falha no sistema expôs os nomes das concorrentes antes do leilão e nega ter cometido fraude.
*Reportagem publicada originalmente na edição 894 de CartaCapital, com o título "Eles nunca perdem o ônibus"
Nenhum comentário:
Postar um comentário