por Ricardo Trevisan, arquiteto
e urbanista
O Metrô de São Paulo
poderia ter sido iniciado em 1927, se a proposta da São Paulo Light & Power
tivesse sido aceita pela prefeitura naquela época. A Light estava trabalhando
nesta proposta desde 1924, num esforço de tentar manter seu contrato com a
prefeitura, numa época em que a escassez de energia elétrica favorecia os
ônibus que começavam a substituir os bondes. O chamado Plano Integrado de
Transportes, realizado pelo escritório do urbanista canadense Norman Wilson
propunha uma rede de trens de alta velocidade (que hoje chamamos de Metrô)
integrada com uma rede de bondes. Esse tipo de sistema existe hoje em cidades
europeias e funciona muito bem.
Porém,
a Light encontrou pela frente Prestes Maia, que além de estar disposto a
dificultar as concessões a empresas estrangeiras, estava também interessado num modelo de
desenvolvimento rodoviarista para a metrópole. Nos anos 1930, São Paulo queria
copiar o modelo de Chicago. Alguns anos depois, no pós-guerra, fomos expostos a
intensa propaganda cultural norte-americana, principalmente via cinema e logo
em seguida pela televisão. A cultura do automóvel invadia com facilidade o
imaginário brasileiro.
Nós, numa uma cidade feita
por europeus cujo objetivo fundacional era a exploração econômica sem muita
vontade de fixar população colonizadora, repletos de tradição barroca católica,
querendo copiar um modelo baseado num desenho do liberalismo que vinha do
calvinismo anglo-saxão conseguimos apenas entupir nossas tortuosas e estreitas
vias com o transporte motorizado, e preferencialmente para o individual.
Esquecemos que o modelo norte-americano implanta uma quadrícula hipodâmica nada
barroca, planejada para o automóvel, com vias largas e subúrbios distantes o
suficiente para absorver o alto consumo espacial que este modelo produz. Nada
sustentável. E repare que nem falei de sustentabilidade energética, ambiental,
nem social.
A prova é que as cidades
planejadas para o transporte individual motorizado, em todo o mundo, entraram
em colapso em poucas décadas. Enquanto isso, as cidades baseadas no transporte
coletivo de alta capacidade (como os trens), mesmo quando concentram grandes
escalas populacionais (como Londres), sustentam-se muito melhor enquanto solução
de mobilidade urbana, mesmo com sistemas muito anteriores ao advento do
automóvel. Curiosamente, as principais cidades que se utilizam destes sistemas
são as europeias, origem de nossa tradição urbana.
Prestes Maia, para
viabilizar o automóvel na São Paulo tortuosa e estreita, trouxe o Plano de
Avenidas e começou a pavimentar as únicas áreas livres e/ou mais baratas de São
Paulo: os fundos de vale, ou seja, as várzeas dos rios e córregos que na época
eram parte da paisagem paulistana. São hoje nossas principais avenidas, e só
lembramos que estão no fundo do vale quando as chuvas de verão refrescam nossa
memória…
É impossível imaginar que
as cidades serão sustentáveis baseadas no modelo do automóvel. Isso não
significa que ele deixará de existir, e talvez nem que ele seja menos vendido
no futuro. Significa apenas que o sistema básico de mobilidade, aquele que as
pessoas utilizam diariamente para ir para a escola, para o trabalho, para o
lazer ou simplesmente para ir pelo prazer de ir, não poderá continuar sendo
este. A indústria automobilística não gosta muito de ouvir isto, mas acho que a
indústria de combustíveis e de autopeças de consumo é que estão realmente
preocupadas, pois se você for trabalhar todos os dias de trem não significa que
não exista um automóvel na sua garagem para passear no final de semana, para
viajar nas férias ou mesmo para cultivar e mostrar aos amigos (quem não gosta
de um charmoso carro antigo?). Um forte sinal disto é a defesa que as
montadoras estão fazendo do BRT (Bus Rapid Transit), um sistema de ônibus por
calha exclusiva que funciona de forma parecida com o Metrô, e com a vantagem de
ter capacidade de transporte e custos de implantação altamente competitivos.
Quem mora em Curitiba sabe que o BRT pode funcionar muito melhor que o ônibus
convencional.
O declínio da hegemonia do
automóvel começou há muitos anos, e agora está atingindo um ponto de maturidade
suficiente para que os padrões culturais comecem a mudar. Vejamos se nossos
políticos e administradores públicos conseguem acompanhar…
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