Grupo “Cidadeapé” diz que acessibilidade não se limita a rampas e piso-baixo nos ônibus, mas também informação ao passageiro. Associação apresentou propostas para licitação de São Paulo
ADAMO BAZANI
Blogpontodeonibus
Como uma licitação de serviços de ônibus pode auxiliar a vida de quem anda a pé? Na prática, em muitas coisas.
É o que mostra o Cidadeapé, uma associação pela mobilidade a pé, que apresentou uma série de sugestões para a licitação dos transportes coletivos em São Paulo.
O Blog Ponto de Ônibus conversou por e-mail com uma das integranrtes do grupo, Joana Canêdo.
A assoicação faz parte da câmara temática de mobilidade a pé do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito da capital paulista.
De acordo com Joana Canêdo, uma licitação de transportes não deve especificar apenas lotespara as empresas operarem, linhas e tipos de ônibus, mas também como serão os terminais e as estações.
“No momento de licitar serviços de ônibus de trem ou metrô, especificar também as características das estações, terminais e baldeações, levando em conta acessibilidade, conforto, caminhos curtos e segurança para as pessoas que entram e saem dos sistemas e trocam de sistemas.”
Joana Canêdo ainda diz que em grande parte dos planos de mobilidade de diversas cidades, os pedestres não são levados em consideração de fato, o que para ela é um erro, já em que todos os deslocamentos urbanos, sejam por ônibus, trens, metrôs e até mesmo por carro, em algum momento a pessoa é pedestre.
Ela também fala sobre o conceito mais amplo de acessibilidade, que é permitir que todas as pessoas, portadoras de deficiência ou não, tenham acesso à cidade. Segundo Joana, acessibilidade passa também por informação ao usuário de transporte público, o que em São Paulo é insuficiente, ainda mais em relação ao sistema de ônibus. Confira entrevista na íntegra:
1) Como a Cidadeapé vê a atual realidade no país da integração (ou complementação) entre deslocamentos a pé e por transporte público? Uma crítica que passageiros fazem, por exemplo, é que o ônibus é até acessível, duro é chegar nele. O que fazer para melhorar a situação?
Praticamente todos os deslocamentos urbanos têm pelo menos um componente a pé, quando não têm mais de um. A grande maioria das pessoas que usam o sistema de transporte coletivo costuma chegar aos pontos de ônibus/terminais/estações a pé, fazem a baldeação (troca de carro e/ou de meio de transporte) a pé, e saem do transporte coletivo a pé. O sistema de transporte a pé é complementar ao de transporte público coletivo. E por isso mesmo deveriam ser considerados como parte de uma grande rede de transporte/mobilidade.
O que falta em nossas cidades é pensar na mobilidade urbana como um sistema em rede, multimodal e integrado. Para tanto são necessários Planos de Mobilidade que contemplem a rede toda, cada etapa do deslocamento, mas também os acessos aos diversos equipamentos e partes do sistema. Não se pode pensar no sistema de ônibus isoladamente ou no metrô como apenas o serviço dos trens. Tanto os ônibus como os metrôs, trens, e demais meios, precisam contemplar em suas estações, terminais, pontos e acessos, a maneira como as pessoas se deslocam para chegar aos veículos e sair dos veículos, passando pelas plataformas, corredores e espaços dos terminais/estações até chegar à rua. Como se diz: as pessoas não brotam nos pontos de ônibus, elas chegam até eles, em geral usando as calçadas dos arredores, atravessando as ruas, etc. – ou seja, a rede engloba calçadas, travessias, acesso aos pontos/terminais/estações, caminhabilidade dentro dos terminais/estações etc.
Para tanto é necessário:
1) Um Plano de Mobilidade Compreensivo, que considere toda a rede de transporte (a pé e coletivo)
2) Ter a pessoa como parâmetro construtivo e não sua forma de locomoção, para fazer a cidade em torno dos cidadãos e não só dos meios de transporte.
3) No momento de licitar serviços de ônibus de trem ou metrô, especificar também as características das estações, terminais e baldeações, levando em conta acessibilidade, conforto, caminhos curtos e segurança para as pessoas que entram e saem dos sistemas e trocam de sistemas.
Quanto ao PlanMob de SP, a Câmara Temática de Mobilidade a Pé do CMTT (que conta com associados da Cidadeapé entre seus membros) discutiu exatamente isso na semana passada. O PlanMob de São Paulo deve ser apresentado ao público no dia 16/12, e a parte de mobilidade a pé ainda precisa de ajustes no que se refere a se pensar no modo a pé como uma rede conectora e continua, chave da intermodalidade, além de constituir cerca de 30% dos deslocamentos exclusivos da cidade.
2) Na fase de consulta pública da licitação dos transportes de São Paulo, a Cidadeapé elaborou sugestões para a prefeitura. Quais foram as principais e como uma licitação de ônibus pode melhorar a vida de quem anda a pé?
A Cidadeapé foi uma das várias entidades da sociedade civil que analisaram e discutiram juntas a licitação do transporte coletivo de São Paulo. Junto com o IDEC, o Greenpeace, a Rede Nossa São Paulo, o Apé, a Rede Butantã, entre outras, foi formado o grupo de discussão e de propostas “Busão dos Sonhos”. Após reuniões, inclusive com a Sptrans, cada entidade enviou sugestões mais específicas de suas áreas para a Sptrans.
A Cidadeapé focou em dois aspectos: caminhabilidade e informação ao usuário.
1) A caminhabilidade deve estar inserida em todos os espaços relacionados ao Sistema de Transporte Coletivo, quais sejam: terminais de ônibus, pontos de conexão e transferência, paradas em ruas e em corredores, calçadas do entorno, assim como travessias de acesso. Todos esses espaços precisam ter pavimentos largos, uniformes, regulares, acessíveis, sem buracos ou obstáculos. As entradas e saídas de terminais, assim como seu entorno, precisam ser tão amplas e acessíveis quanto seu interior. Os acessos, como travessias, cruzamentos, passarelas, precisam também de toda atenção para comportar, com conforto e segurança, o fluxo de pessoas que utilizam o Sistema. Sinalização também contribui para a caminhabilidade: ao saber onde ir, os trajetos são mais curtos, eficientes e seguros. Não basta ônibus de última geração – é preciso calçadas e travessias de qualidade também.
2) Além disso é necessário atentar para a informação aos usuários dos ônibus. Os deslocamentos pela cidade são muito mais confortáveis e eficientes quando se sabe onde pegar um ônibus, onde descer do ônibus, quando tempo demorará o trajeto e como será a baldeação. É essencial que os ônibus disponham de informações básicas dentro deles, indicando pontos de parada, conexões e horários. Se a tecnologia existe, se equipamentos de áudio e vídeo já estão previstos nos carros, por que não garantir esse serviço essencial aos passageiros, que aumentaria a qualidade do deslocamento?
Aqui está o que foi apresentado:
Mas sempre há outras medidas relacionadas à infraestrutura de ônibus que não estão previstas em licitação, mas que podem e devem ser adotadas pela prefeitura. A primeira diz respeito aos pontos de ônibus, que devem ser dimensionados em adequação à demanda de usuários, e à sua sinalização, que pode integrar a rede de sinalização para pedestres. Para isso, os pontos de ônibus deveriam contar não somente com informações sobre as linhas de ônibus e horários, mas também sobre os equipamentos de interesse e mapa dos arredores. A segunda medida diz respeito ao acesso aos pontos de ônibus, que deve ser planejado em integração com o restante da rede de ônibus e de mobilidade a pé. Por exemplo, garantindo que as baldeações sejam curtas, os pontos de ônibus sejam sempre próximos da esquina e dos pontos para onde se vai trocar de ônibus. A deve ser travessia segura nas suas proximidades (uma vez que um ponto de ônibus no meio de uma quadra torna-se um “polo gerador de travessias”) e o tamanho adequado das calçadas, a fim de acomodar tanto as pessoas que por ali transitam quanto as que aguardam os ônibus.
3) No Brasil, quando se fala em acessibilidade, logo o primeiro pensamento é em relação ao deficiente físico. Mas acessibilidade não é mais que isso? Não é deixar as cidades e os transportes mais acessíveis para todos os cidadãos?
Acessibilidade á muito mais do que isso! É verdade que se pode partir da premissa que se uma calçada, uma rua, uma cidade é boa para quem anda de cadeira de rodas, ou para um idoso, ou para uma criança, ela é boa para todos.
Um bom exemplo são os ônibus de piso baixo – além de serem o tipo mais adequado para o acesso rápido de cadeirantes (ao contrário dos ônibus com elevadores), garante mais conforto para idosos, crianças pequenas, adultos com crianças de colo, carrinhos de bebê, bagagens ou mobilidade reduzida.
Pensando também no crescimento da população idosa, a acessibilidade torna-se condição primordial para o conforto a maioria dos usuários de transporte público e do transporte a pé.
Mas acessibilidade significa, de uma maneira mais ampla, permitir o acesso aos espaços públicos e privados e ao transporte como um todo. Isso inclui aquilo que já falamos: como chegar ao ponto de ônibus e à estação. Travessias seguras e nos locais certos (perto dos pontos); calçadas largas o suficiente para acomodarem todos que estão esperando o ônibus ou passando pelo ponto; estações de trem e de ônibus nas quais é possível chegar com tranquilidade da rua até as plataformas, de maneira mais curta e sem aperto (a estação Pinheiros, por exemplo, é o contrário disso: não sei quantos andares de escadas em todas as direções e espaços apertados); centros de compra nos quais os estacionamentos e as passagens para carros não se sobrepõem ao acesso de quem chega a pé, andando pela rua; ter terminais, estações e linhas de ônibus próximas a equipamentos de educação e saúde, com facilidade de acesso; etc.
O papel de associações como a nossa é criar novos paradigmas, conceitos, hábitos de olhar para uma questão do senso comum. Se buscamos a ideia do “acesso universal” e, se estiver acessível para quem tem mais restrição, vai estar ótimo para quem não tem.
4) Como a Cidadeapé vê as tecnologias dos veículos de transporte público em relação à acessibilidade: elevadores, piso baixo, etc? Elas são satisfatórias?
Como dissemos acima, piso baixo é mais eficiente e confortável para todos, não apenas para cadeirantes. Mas não basta o ônibus ser acessível, o ponto de ônibus também tem que ser, para que se possa passar da calçada para o carro. Assim como as ruas do entorno têm que ser, para que se chegue ao ponto de ônibus. Tudo está conectado!
Também é preciso considerar outros tipos de tecnologia, como para cegos, que precisam de avisos sonoros, comunicando sobre próximas paradas e coisas assim.
5) Se as ruas tivessem melhores condições, com menos valetas, buracos e desníveis, os ônibus, na visão da Cidadeapé, poderiam ser mais adequados?¨Dizemos isso porque muitos empresários alegam que não colocam ônibus de piso baixo por causa da condição das vias, que estragaria todo o veículo, sendo necessário o ônibus piso alto com elevador que, na prática, só é acessível para cadeirante.
Melhorar a qualidade das vias, sempre, que para nós inclui necessariamente as calçadas (parte do viário e do sistema de transporte), é condição “sine qua non” para a melhoria de todo sistema de mobilidade.
No entanto, não se pode ficar sempre esperando que alguém faça alguma coisa antes para só depois fazer a sua parte. É preciso ir fazendo sempre, e cobrando melhorias pelos outros lados. Cada um faz sua parte e contribui junto para melhorar o sistema como um todo. O viário estar inadequado não pode ser uma desculpa para não melhorar os ônibus.
6) Fale um pouco mais sobre a Cidadeapé.
Somos uma associação da sociedade civil que defende os direitos de quem anda a pé (incluindo em cadeiras de rodas; com muletas; bengalas; ou seja, os direitos de todas as pessoas) pela cidade. Lutamos por uma cidade mais humana, confortável, acessível e segura para todos.
A Cidadeapé nasceu em março de 2015, buscando dar representatividade a uma grande parte da população que ainda não tinha voz na cidade: as pessoas que andam, e que, apesar de serem a maioria das pessoas, nunca tiveram força política.
Atuamos fazendo divulgação do conceito de mobilidade a pé, assim como do prazer e dos benefícios de caminhar pela cidade (tanto pessoais como sociais, econômicos e ambientais).
Também fazemos pesquisa (legislação, contagem de pedestres, etc.)
E lutamos por políticas públicas e investimentos na área de mobilidade a pé.
Lutamos pela criação e fazemos parte da Câmara Temática de Mobilidade a Pé no CMTT.
Participamos recentemente como consultores/colaboradores da proposta de PAC Mobilidade Ativa lançada pela União dos Ciclistas do Brasil (http://cidadeape.org/2015/12/07/pac-mobilidade-ativa/)
Mais sobre a Cidadeapé:
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