Adamo Bazani
É inegável que o País passa por uma crise econômica e política e que, neste momento, a ordem mesmo é tomar cuidado em relação aos gastos, tanto públicos como privados. Isso interfere diretamente no nível de investimentos.
Assim, é natural que haja, por exemplo, no setor de transportes, um ritmo menor de renovação de frota e a desaceleração de algumas obras, principalmente as que exigem mais dinheiro e são mais complexas do ponto de vista de intervenções civis e tecnologia.
No entanto, é bem claro de se perceber que a crise econômica tem virado desculpa para incompetência administrativa, tanto do poder público como de alguns entes da iniciativa privada, e tem mascarado as faltas de políticas e prioridades na área de transportes, essas bem mais arraigadas.
Quando os jornalistas fazem matérias sobre atrasos nas obras de corredores de ônibus, de linhas de metrô e de trens, logo as respostas quase padronizadas das esferas diferentes de governo, em diversos estados e municípios, é que a crise econômica impactou os investimentos. Tudo bem, pode ter impactado agora. E antes? Muitos destes atrasos são anteriores ao período de 2012/2013. Algumas obras, muitas simples, inclusive como corredores de ônibus comuns, deveriam estar a serviço da população há mais de 15 anos.
A verdade é que apesar dos discursos e leis novas, o transporte coletivo ainda não é prioridade (e nunca foi) nas decisões dos gestores públicos.
O Diário do Transporte, por exemplo, fez um levantamento sobre os planos de corredores de ônibus do Estado de São Paulo, alguns corredores metropolitanos BRT e outros comuns. Nenhum dos espaços foi concluído conforme o previsto. Alguns trechos deveriam estar disponíveis para a população em 2012. (Leia aqui: https://diariodotransporte. com.br/2017/03/08/%EF%BB% BFcom-menos-verbas-emtu- divulga-previsoes-para- entregas-de-corredores-de- onibus-intermunicipais/ ).
A resposta do poder público para o atraso foi crise econômica. O Corredor Metropolitano ABD, um dos mais importantes da Grande São Paulo e bem avaliado, necessita de modernização. As paradas são de 1988, época em que os passageiros embarcavam pela parte de trás dos ônibus e os abrigos foram colocados nesta posição. Em 2017, porém, ainda não houve mudanças. Os pontos estão alinhados ainda com a porta traseira, mas o embarque é feito pela porta dianteira. O abrigo não serve mais para nada. Mesmo com ele, os passageiros precisam ficar expostos sob o sol e chuva, senão perdem o ônibus. Ocorre que no início dos anos de 1990, começou a ser implantado o sistema de embarque pela porta dianteira, mas até agora os pontos não foram mudados. Isso é crise? Aliás, falar em “ponto de ônibus” em corredores de ônibus mostra que nosso ar de subdesenvolvimento é grande ainda. Corredores devem ter estações com pré-embarque, pagamento antecipado de tarifa.
A desculpa das crises também está entre as obras metroferroviárias, estas mais caras e complexas. No entanto, muitas linhas de trens e metrô por todo Brasil deveriam estar prontas ainda nos anos de 1980. Tudo bem, houve crise nestas épocas também, mas o Brasil infelizmente tem vivido de crise em crise, e o poder público não pode usar a situação econômica como pretexto para a falta de bom planejamento e também de prioridades.
São Paulo, pelo tamanho de sua população possui uma das malhas metroferroviárias mais medíocres do mundo. A implantação começou no anos de 1970, mesma época da Cidade do México. Hoje os mexicanos contam com quase 230 quilômetros de Metrô. Os paulistas só têm a disposição cerca de 80 quilômetros. Poderiam ter mais de 340 quilômetros, se a malha de trens (desde 1992 da CPTM) incorporasse os conceitos de metrô. A malha está aí há décadas. Por que não fazer?
Muitos podem pensar: “Mas é muito fácil para frente do computador escrevendo, enquanto que os problemas necessitam de ações técnicas”. No entanto, ninguém aqui está falando que os problemas de transportes deveriam ter sido resolvidos em 5 ou 6 anos. São questões de décadas e mais décadas, muito semelhantes à de outros países, com realidades muito parecidas com a brasileira, e que foram resolvidos ou bem encaminhados lá. Por que não aqui?
Aliás, é só ver o caso dos BRTs. A solução é brasileira, criada em 1974 por Jaime Lerner e equipe em Curitiba. Mas só no início dos anos 2000, depois de ter dado certo em muitos países, é que se começou a pensar em corredores de ônibus com padrão de metrô por aqui.
O braço privado do transporte coletivo também sofre com a crise. É inegável.
No entanto, infelizmente ainda, muitos investidores têm usado a situação econômica como disfarce aos seus erros administrativos, às resistências às mudanças ou até mesmo, em alguns casos, mesmo sendo exceções, às ações espúrias que fazem com que seu prejuízo num negócio se transforme em enriquecimento pessoal. Isso existe e seria hipocrisia negar. A falência é lucro para muita gente e prejuízo para a maioria.
Vamos deixar de blá,blá , blá e planejar e executar ações em prol da mobilidade, que é muito mais que transporte.
Com mobilidade decente, o cidadão, consumidor e contribuinte, chega mais rápido em casa, tem melhor qualidade de vida, trabalha menos cansado, chega facilmente à escola, hospital, parque....
Mobilidade não é um monte de trem e metrô nos trilhos ou carros e ônibus nas ruas, mas é o que permite que milhões de seres humanos vivam suas vidas.
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