Em Osasco, os ônibus de dois andares circularam em 1990
O histórico Thamco ODA não foi encomendado apenas pela gestão de Jânio Quadros na Capital Paulista
ADAMO BAZANI
blogpontodeonibus
Foi em São Paulo, trazido por Jânio Quadros, que os ônibus de dois andares ganharam as manchetes no Brasil e geraram enorme polêmica. Ao contrário do que a maioria imagina, porém, estes modelos não transportaram passageiros apenas na capital paulista. O modelo Thamco ODA sobre chassi Scania K 112 CL operou também em Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, e em Recife, com os mesmo resultados: uma decepção. Nem tanto pelos ônibus em si que tinham bom desenho, estabilidade e potência, mas pela falta de estrutura viária e por modelos mais adequados ao mercado.
Fofão era o apelido desses ônibus batizados oficialmente de Thamco O.D.A – ônibus de dois andares. Eles começaram a rodar em Osasco na gestão do prefeito Francisco Rossi (1989-1993). As primeiras quatro unidades foram compradas pela CMTO- Companhia Municipal de Transportes de Osasco, em novembro de 1990.
A CMTO usava os Thamco ODA da mesma forma que a CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos – na cidade de São Paulo. Eles transportavam passageiros em linhas centrais que serviam os terminais e pontos de transferência. A altura destes veículos, porém, era incompatível com o circuito que faziam e os ônibus por onde passavam arrancavam galhos de árvores e fios elétricos, provocando a mesma polêmica da capital. Não demorou muito para serem aposentados.
Apesar disso, a sensação de ter um veículo como os londrinos for marcantes, relatam moradores que usaram os ônibus de dois andares. Havia pessoas que esperavam o ônibus no ponto só para passear no andar de cima. Desdenhavam a passagem de um modelo convencional apenas pela oportunidade de rodar no Fofão.
Apesar da vida curta, o modelo foi um clássico e deixou sua marca na história do transporte no Brasil.
Depois de serem aposentado para o transporte urbano, modelo ainda foi usado em linha turística
Dois modelos “Fofão” de Osasco ainda chegaram a usados num projeto chamado “Redescobrindo Nossa História” com um desenho que lembra mais os ônibus de turismo que rodam em Nova Iorque do que os de transporte urbanos de Londres.
Tinha o teto cortado e ofereciam uma visão melhor para as visitas a pontos turísticos da cidade como o Viaduto Metálico Reinaldo de Oliveira, av. dos Autonomistas e Parque Chico Mendes
O Fofão de Osasco para turismo foi pintado de vermelho e ilustrado com imagens antigas da cidade e de pontos turísticos. Nem sempre foi assim. Apesar de Francisco Rossi, a exemplo de Jânio Quadros, ter tentado “londrinizar” o transporte na cidade, na época em que estava em operação nas linhas municipais o ônibus de dois andares era branco, padrão da empresa que operava o transporte em Osasco.
Apenas por curiosidade: a CMTO imitou diversos passos da CMTC, segundo profissionais do transporte de Osasco. Não apenas pela compra do Fofão. Assim como em São Paulo, a companhia inicialmente operava o sistema – isto ocorreu em 2006 – para depois ser apenas a gerenciadora. Na capital, a transformação ocorreu em 1993. Se é verdade ou não que a companhia de Osasco copiava a paulistana é coisa que demanda longa discussão, mas que a empresa se tornou economicamente inviável como operadora, a exemplo da CMTC, é um fato.
Em Recife, também houve circulação do Thamco ODA.
Em Recife, pela CTU, modelo foi na cor amarela e, depois da mudança de prefeito, ficou azul
Era um veículo, de prefixo 90, da CTU Recife – Companhia de Transportes Urbanos de Recife, apresentado pela empresa em 1990.
O veículo teve duas cores por causa de troca de administrações: amarela, quando foi apresentado pelo prefeito Joaquim Francisco, e azul, quando o vice Gilberto Marques Paulo assumiu após renúncia de Joaquim Francisco, que disputou eleição ao governo de Pernambuco.
Em Goiânia, o Fofão também deu as caras
Goiânia recebeu três unidades. Os ônibus de dois andares foram operados pela Transurb e operavam na região central
Fofão incentivou os articulados
Como uma banda de música que fica pouco tempo no cenário mas muda as concepções da época, assim foi o Fofão no setor de transporte de passageiros. Marco na história das cidades, seu “fracasso” serviu de base para as administrações públicas investirem em outro modelo de grande capacidade: o articulado, que era também uma experiência na época do Fofão.
O ônibus de dois andares dos anos 80 chegou ao Brasil pelas mãos do prefeito Jânio Quadros, em São Paulo. Ele queria um transporte com a qualidade europeia, mas que, acima de tudo, chamasse a atenção. Não se deve esquecer que ônibus e campanha política sempre estiveram lado a lado. Vide a história do ex-Fura-Fila de Celso Pitta, ex-Martão e ex-Passa Rápido, da Marta Suplicy, e, atual, Expresso Tiradentes, de Gilberto Kassab.
A CMTC teve papel importante na criação do modelo de dois andares. A Companhia contribuía com um corpo de técnicos e engenheiros para o desenvolvimento de várias tecnologias. Foi assim com os trólebus – muito da tecnologia dos ônibus elétricos foi implantada através de parcerias entre fabricantes, encarroçadoras e CMTC. Foi assim como o Fofão.
Diferentemente do que queria Jânio, a CMTC não pode desenvolver sozinha um modelo de dois andares. Foi aí que entrou a parceria com a Thamco, empresa fundada em 1985, após o empresário Antônio Thamer (por isso o nome Thamco – Thamer Comércio e Indústria de Ônibus) ter comprado a massa falida da Condor, antiga Ciferal Paulista. Em 1987, a empresa aceitou o desafio proposto pela CMTC e no fim do mesmo ano entregou as primeiras unidades para a cidade de São Paulo.
Com colunas reforçadas, o ônibus foi uma inovação. Era um “monstro” nas cidades. O modelo saía de fábrica com 10,80 metros de comprimento e 4,26 metros de altura, com capacidade para 72 passageiros sentados e 40 em pé. Na parte superior, muito baixa, com altura interna de 1,70 metro, não podia viajar passageiro em pé. O modelo foi encarroçado pela Thamco sobre Chassi Scania K 112 CL, de 203 cavalos de potência.
Dois anos depois, a Thamco lançou o Gemmini, ônibus rodoviário de dois andares. Hoje no Brasil, podem ser vistos alguns desses modelos pelas estradas. São o DD – Doublé Decker, como o Busscar Panorâmico DD, e o Marcopolo Paradiso DD.
O simpático Fofão chamou a atenção de várias cidades brasileiras. Além de São Paulo e Osasco, circulou por Goiânia, Recife e Uberlândia, em todas rodou por pouco tempo, inviabilizado pela estrutura desses municípios. Ao contrário do que ocorre na Europa, América, Ásia e África, onde os ônibus urbanos de dois andares são sucesso. Entre as cidades que os empregam em grande escala, estão a tradicional Londres, Johannesburgo, Cidade do Cabo, Hong Kong, Cingapura, Berlim e Porto. Lá, os gigantes circulam sem nenhum problema.
No Brasil, além de modelos urbanos adaptados para passeios turísticos, como o Busscar Urbanuss Pluss no sul do País e em Manaus, e o Viale DD Sunny., da Masrcopolo, que faz linha turística na Capital Paulista e no Parque Nacional do Iguaçu, não há mais operação com ônibus de dois andares em serviços municipais ou intermunicipais. Mas por ironia, o País continuou sendo exportador de ônibus urbanos deste tipo.
A Marcopolo, em 2001, foi responsável pelo envio de uma enorme quantidade de ônibus que integraram o projeto de transportes Metrobus, de Johannesburgo na África. Os ônibus foram construídos sobre a base de um modelo de um pavimento no Brasil: o Viale, que sofreu adaptações. O Viale DD, que ainda roda com sucesso na cidade sulafricana, tem piso baixo para acesso de pessoas com mobilidade reduzida e foi encarroçado sobre chassi Volvo B 7 TL.
Primeiro modelos rodaram em 1927
O Daimler Guy de 1927 da Viação Excelsior. O primeiro ônibus de dois anadres no Brasil que se tem conhecimento, rodou na cidade do Rio de Janeiro. Acervo: NTU
Apesar de ter ganhado fama com Jânio Quadros, o ex-prefeito de São Paulo não é o “pai” do ônibus de dois andares no Brasil. Nos anos 20, o País já havia tido sua experiência com o modelo.
Em 1927, a Viação Excelsior criada naquele mesmo ano – em 23 de novembro -, subsidiária da “The Rio de Janeiro Tramways, Light anda Power Co”, ou, simplesmente, Light, importou 14 unidades de um ônibus de dois andares para serviços municipais no Rio. O veículo com motor Daimler e chassi Guy transportava 28 passageiros no piso inferior e 34 no superior.
Inicialmente chamado de Imperial, nome usado na Europa e em Buenos Aires, o ônibus logo foi apelidado pela população da cidade do Rio de Janeiro de Chope Duplo, um nome irreverente, mas que mostrava a dimensão do veículo.
A fiação baixa e as vias estreitas fizeram com que, anos depois, os Daimler Guy de dois andares tivessem o pavimento superior recortado sendo transformados em ônibus convencionais. Já no mundo, os primeiros ônibus de dois andares datam dos primeiros anos de 1900, na Alemanha e Inglaterra.
Como se vê, a falta de uma concepção urbana mais organizada, com vias que apresentam melhor estrutura para circulação de veículos de massa de grande porte, é problema antigo que não foi resolvido ainda. Quantos bairros populosos teriam demanda para ônibus grandes e articulados, mas não podem por falta de vias adequadas – que, aliás, muitas vezes não são capazes de receber sequer ônibus convencionais. Não se trata de ressuscitar o Fofão – embora o modelo sempre seja uma atração -, mas de repensar as prioridades para os diferentes modos de transporte.