10/07/2016 13:00 - Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco)
A estatística de acidentes e mortes de trânsito no Brasil mostra uma situação alarmantemente crescente. Contam-se, hoje, mais de 43 mil mortes por ano, algo como 120 mortes e 400 feridos por dia. As consequências deste fato é o custo social absurdo envolvido, como demonstra estudo feito pela ANTP e o IPEA, há dez anos, que atualizados remontam cerca de 70 bilhões de reais anuais. Em 2011, a ONU conclamou os países membros a fazerem parte de um esforço mundial para redução de acidentes, uma campanha denominada “Década de Ações para Segurança Viária”, com a recomendação de redução de 50% das mortes até o ano de 2020.
Tradicionalmente, as medidas para enfrentar esta grave questão pública concentram-se na engenharia, na fiscalização e na educação. Cidades que empreenderam medidas eficazes e duradouras nestes três aspectos lograram êxitos significativos, como é o caso da cidade de São Paulo, que partiu de 19 mortes a cada 100 mil habitantes há 30 anos e hoje apresenta um índice por volta de 8.
No entanto, tomando-se como indicador volume de recursos utilizado e também o conjunto de ações desenvolvidas, o que se observa é que a ênfase da ação pública recai predominantemente para as soluções de engenharia de tráfego e de fiscalização, e pouco investimento na mudança de comportamento, ou seja, nas ações educativas.
A partir da edição do Código de Trânsito Brasileiro em 1997, e sua vigência em 1998, tornou-se obrigatória a constituição de uma coordenação de educação em cada órgão de trânsito. Apesar do reconhecido esforço de equipes de educadores nos órgãos de trânsito, o que se observou daí em diante foram ações esporádicas de campanhas educativas, em geral caríssimas por envolver um custo elevado de mídia, e também cartilhas, ao lado de ações isoladas e assistemáticas como peças teatrais, jogos, palestras e inúmeras outras formas criativas destinadas especialmente ao público escolar, notadamente do Ensino Fundamental I e II e raramente para o Ensino Médio, relevantes, porém insuficientes.
No âmbito da educação formal (escolas), infelizmente, muitos profissionais do setor de trânsito ainda creem que seja possível a inserção de uma nova disciplina na grade curricular, fato que o MEC por diversas vezes já rechaçou. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), no entanto, está prevista a elaboração de projetos transversais, nos quais a questão do trânsito se encaixa perfeitamente. Mas, neste aspecto pouco se tem feito, embora se observe em muitas escolas a existência de programas abordando o tema, mas são eventuais e assistemáticos.
Outro aspecto importante é que a tônica da educação para o trânsito tem adotado desde o início a ideia da compreensão dos sinais de trânsito e dos perigos e como se proceder para evita-los ao andar nas ruas. Muitas vezes, o foco dos programas é o comportamento dos condutores e não a discussão sobre que cidade queremos. Em outras palavras, parte-se do princípio que a cidade é essa que esta aí, que o trânsito é perigoso e que as pessoas devem aprender a se proteger. Não se discute nestes programas educativos porque a cidade e o trânsito são assim. Essa forma de agir precisa mudar. Por quê? Hoje, o centro do debate em todo o mundo e que também ganhou força extraordinária no Brasil, é a qualidade de vida nas cidades, em que uma das sínteses é retratada sob o nome de mobilidade urbana. Esse enfoque ganhou peso a partir da Lei de Mobilidade Urbana, em janeiro de 2012, e enorme impulso após as manifestações de junho de 2013.
Debates como a equidade do uso do espaço viário, a prioridade para o transporte coletivo, pedestres e ciclistas, o tempo perdido em congestionamentos pelo uso intensivo de automóveis, a poluição ambiental derivada desta escolha, as condições das calçadas e travessias de pedestres, a velocidade dos automóveis e a criação de infraestrutura para ciclistas, tarifa zero (ou quem deve custear o transporte público) e a posição da mídia sobre isso têm presença em todos os setores da sociedade.
É necessário que essas abordagens possam fazer parte dos programas educativos das escolas, mas não mais apenas sobre como conviver com (ou respeitar) os automóveis, mas que também contemple uma discussão mais ampla sobre a mobilidade urbana e cidade, sobre temas como a destinação equitativa do espaço viário, porque os ônibus precisam de via exclusiva, porque as moradias estão muito distantes dos locais de trabalho e da escola, porque a rua ainda é hostil aos pedestres e ciclistas, enfim, o que é uma cidade e a quem ela pertence.
Estamos vivendo um momento raro em que alguns prefeitos de cidades importantes ousaram (é estranha a palavra, mas é essa mesma) em adotar medidas que deslocaram o foco dos automóveis para as pessoas, em especial na cidade de São Paulo, que suscitaram um grande debate público e que, ao fim e ao cabo, demonstraram eficazes e aceitas pela maioria da população. Nada mais oportuna e pedagógica do que esta discussão, já que os prefeitos (e agora os candidatos a futuros prefeitos) são sempre mais sensíveis aos que ainda não se conformaram com tais medidas, como demonstra recente notícia vinda de Niterói, em que a prefeitura permitiu a circulação para automóveis nas faixas de ônibus daquela cidade (no horário de pico!!).
Por outro lado, é necessária uma mudança na forma de produzir a educação para a mobilidade urbana, saindo do processo tradicional de ações isoladas, em geral, elaboradas apenas pelos professores mais interessados no tema, para uma ação sistemática para todos os alunos, pelo menos uma vez na vida.
Neste momento em que uma nova legislatura municipal se aproxima, uma proposta seria instituir num determinado ano escolar (a ser definido por educadores) um projeto transversal sobre mobilidade urbana e cidade, com duração de um semestre, ou mesmo de um ano, em que todos os aspectos relacionados com o tema sejam desenvolvidos pelos alunos daquele ano. Esta medida está na competência municipal, a cargo exclusivamente do Prefeito e, com ela, todos os alunos, pelo menos uma vez durante seu período escolar, terão uma ampla oportunidade de conhecimento, discussão e formação de valores e consciência sobre o modo de melhor viver nas cidades.
Fora do ensino formal, no âmbito da comunicação pública, medidas educativas para toda a população devem ser feitas, aí sim, por emprego de comunicação de massa e outras ações de grande visibilidade. Mas, campanhas de massa são caríssimas e, por isso, se forem sobre temas genéricos é jogar dinheiro fora. Para que seja possível alcançar maior adesão da população, é fundamental que as campanhas versem sobre as coisas que de fato estão sendo implantadas na cidade e estimulem o debate. Na medida em que a Prefeitura vai desenvolvendo suas ações, em especial aquelas de forte conotação de mudança cultural, como por exemplo, a criação de faixas exclusivas para ônibus e para ciclistas, redução de velocidade, ampliação e melhoria de calçadas e outras medidas que favoreçam a qualidade de vida urbana, e que quebram velhos paradigmas, faz-se a campanha educativa, buscando a adesão da população às ações em curso. Não vamos esquecer que a educação das crianças transcende e muito à educação formal. Está dentro da família e no convívio com outras pessoas e que os gestos e atitudes dos adultos acabam sendo assimilados e incorporados.
Neste momento em que a mobilidade urbana e o trânsito estão em discussão na formulação dos planos de governo, é natural que eles sejam mais sensíveis aos temas da engenharia (medidas físicas, operacionais e de regulamentação). Por isso, é fundamental a aproximação de educadores (mais ainda dos educadores de trânsito) na formulação desses programas. Fica aí a sugestão.
Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco) - Superintendente da ANTP
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