terça-feira, 16 de abril de 2013

Artigo - A Mobilidade Urbana no Brasil e a necessidade do barateamento das tarifas de transportes



Evaristo Almeida*

Apresentação
A rápida expansão urbana do Brasil na segunda metade do século XX, o dinamismo da economia e o aumento da motorização da população na primeira década do século XXI  fizeram com o tema da mobilidade urbana viesse para o centro do debate político.
Até o início do governo Lula, o governo federal desenvolveu poucas políticas públicas para tratar do tema, principalmente porque a Constituição Federal atribui esta competência aos governos estaduais e municipais. Com os PACs da mobilidade urbana, em implantação pela presidenta Dilma Rousseff, a  questão da  infraestrutura avançará bastante no país inteiro.
Cabe agora tratar da modicidade tarifária para incentivar o uso do transporte público e diminuir o impacto no orçamento da população, que segundo o IPEA, gasta, em média, 15% da sua renda com transporte. O governo federal já tomou várias medidas que vão reduzir o custo dos sistemas de transportes, entre elas a desoneração da folha de pagamento das empresas do setor e a redução das tarifas de energia elétrica.
 Ainda estão em estudo a redução do PIS/COFINS das operadoras de transportes e dos impostos federais no diesel, principal insumo do ônibus, modal atende a maioria da população.
Recentemente se cogita criar um tributo sobre a gasolina para constituir um fundo para reduzir as passagens.
O aumento da tarifa de transporte público tem mobilizado uma parcela da sociedade que se organizou principalmente no Movimento Passe Livre - MPL, que luta pela gratuidade do transporte público nas cidades. Segundo proposta do MPL a idéia é custear o transporte através do aumento do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU.
Porém há resistência a aumento de impostos na sociedade. É nesse sentido que deve ser aberto o debate para que a população, principalmente a mais beneficiada, saiba do que se trata e possa se posicionar.
O trabalho não é conclusivo e pretende abrir a discussão sobre o tema. A responsabilidade pelo texto é exclusivamente minha.       


Mobilidade Urbana
A mobilidade urbana no Brasil entrou de vez na preocupação cotidiana dos brasileiros. Nos anos 1960, apenas 44,7% da população brasileira estavam nas cidades. No censo de 2010 essa taxa atingiu 85% das pessoas nas áreas urbanas. Esse movimento nos países europeus levou centenas de anos para ser efetivado.
Isso se traduziu em problemas na mobilidade urbana em função do aumento taxa de motorização. É um processo natural à medida que as economias vão se desenvolvendo e com aumento da renda da população, como aconteceu no Brasil após 2003, ela vai comprando mais automóveis. Na Holanda no início da década de 1970 aconteceu processo similar o que levou o governo local a implantar um amplo sistema de ciclovias.
No Brasil, a mobilidade urbana, segundo a Constituição Federal, é de competência dos governos estaduais e municipais. O artigo 21° da Constituição, no inciso XVI , alínea “e” estabelece que a competência da União é sobre os transportes interestaduais e internacionais e no inciso XX cabe ao governo federal estabelecer diretrizes para o transporte urbano.  Houve  inércia de vários governos federais.
A situação só mudou a partir do governo Lula com a criação do Ministério das Cidades que trouxe o governo federal para tratar do tema. Com a Lei 12.587 de 2012, conhecida como Lei da Mobilidade Urbana a União deu início ao estabelecimento de diretrizes para o transporte urbano como reza a Constituição.  
No governo da presidenta Dilma Rousseff, dois programas importantes foram implantados, um deles o PAC de Mobilidade Urbana Grandes Cidades, que atende municípios com população acima de 700 mil pessoas. Foi o primeiro programa de mobilidade urbana implantado nacionalmente. Os valores são da ordem de R$ 32 bilhões que beneficiarão 24, beneficiando 51 municípios em 18 estados, ou 53 milhões de pessoas.
A segunda ação de grande envergadura foi o PAC Mobilidade Médias Cidades para municípios entre 250 mil e 700 mil habitantes. Serão investidos R$ 7 bilhões em 64 municípios do país inteiro. A soma dos recursos para mobilidade urbana, somando o que os estados vão investir passa dos R$ 100 bilhões no  Brasil.
Assim, do ponto de vista da infraestrutura o tema da mobilidade urbana está bem encaminhado.


Modicidade Tarifária
Falta agora abordar o barateamento das tarifas de transportes coletivos para diminuir o impacto do custo das tarifas para as famílias de menor renda e para incentivar uso do transporte público.
A pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA, Gastos das famílias das regiões metropolitanas brasileiras com transporte urbano mostra que as famílias gastam em média 15% da renda para se locomover, e houve aumento do gasto com transporte individual, pela facilidade da aquisição do automóvel e pelo preço da gasolina ter subido abaixo da inflação no período 2003 e 2009.
Nesse período o IPCA medido foi de 41,8%, enquanto o preço da gasolina variou 27,5% e os automóveis 19%. Na contramão as tarifas de ônibus urbano subiram 63,2%.
Isso levou ao aumento exponencial do transporte privado individual o que fez  por exemplo, na cidade de São Paulo apenas 56% das viagens motorizadas serem feitas por transporte coletivo.
Segundo a pesquisa do IPEA, Tempo de Deslocamento Casa-Trabalho (1992-2009); Diferenças entre regiões metropolitanas, níveis de renda e sexo, mostra que no período compreendido da pesquisa houve aumento médio no deslocamento casa-trabalho em todas as regiões metropolitanas do país, principalmente as de São Paulo e Rio de Janeiro. Quem é penalizado com essa situação é a população mais pobre que gasta em média 20% de tempo a mais no deslocamento do que as mais ricas. Cerca de 19% das pessoas mais pobres gastam mais de uma hora nos seus deslocamentos, enquanto nas classes mais ricas esse índice é de 11%.
A única solução possível para o deslocamento é o transporte coletivo e para isso além dos investimentos já anunciados na infraestrutura, a exemplo dos países europeus, é preciso subsidiar as tarifas. Na França o usuário paga apenas cerca de 30% da tarifa técnica (a que mede o custo do sistema), enquanto no Brasil, com exceção de alguns sistemas metroferroviários e de ônibus das grandes capitais, o passageiro arca com 100%, pagando inclusive as gratuidades que acertadamente beneficiam estudantes, pessoas idosas e com deficiências.
A presidenta Dilma Rousseff já tomou algumas medidas para desonerar o transporte público coletivo. Uma delas é a desoneração da folha de pagamento, visto que é um dos itens que mais oneram o custo do sistema. A outra medida é a redução de em média 32% para os custos de energia elétrica, que vai beneficiar principalmente o sistema metroferroviário. Cabe aos governos exigir o reequilíbrio econômico-financeiro em favor do usuário.
Sistemas privados de metrôs como o do Rio de Janeiro e o da linha 4 – Amarela de São Paulo e a Supervia fluminense terão um redução substancial dos seus custos, pois a energia representa em média 30% dos custos operacionais do sistema metroferroviário. A lei 8666/93 garante que quando há fato relevante nos custos, as empresas ou o poder concedente podem solicitar a revisão tarifária. Cabe aos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro fazerem isso.
O mesmo acontece com os sistemas de ônibus, com a redução dos custos trabalhistas, em que os municípios e os estados deverão rever as tarifas.
Ainda em estudo pelo governo federal a desoneração do óleo diesel, outro componente importante na planilha de custo do transporte sobre pneus, que atende a maioria da população brasileira e o seu barateamento deve ser repassado para as passagens de ônibus.
Também em estudo a redução das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) sobre o faturamento das empresas que também está sendo debatida no Ministério da Fazenda a partir do Projeto Lei do Deputado Federal Carlos Zarattini.
Essas medidas conjugadas representarão um passo importante para obtenção da modicidade tarifária, que precisarão vir acompanhadas por contrapartidas pelos governos estaduais e municipais, como:
a)    Exigência de que os municípios acima de 20 mil habitantes tenham o plano de mobilidade urbana, como já consta na Lei de Mobilidade Urbana;
b)    Licitação para todos os sistemas de ônibus de transportes coletivos públicos, fato que atualmente não ocorre na maioria dos casos;
c)    Racionalização e integração física e tarifária dos sistemas de transportes públicos;
d)    Constituição de conselhos municipais de mobilidade urbana para ter controle social sobre as planilhas e a qualidade do serviço;
e)     Bilhetagem eletrônica para todos os grandes sistemas municipais e estaduais, com preferência ao Bilhete Único, com passagem temporal. 
f)     Criação de Autoridades Metropolitanas de Transportes - AMTs com participação de todas as esferas de governo, sociedade civil, sindicatos, empresários e estudantes para formatação de projetos, implantação e operação de sistemas de transportes públicos, com controle social e transparência, nas regiões metropolitanas brasileiras.
g)    Exigência de contrapartida dos Estados e Municípios para desonerar o ICMS e o ISS da cadeia produtiva dos transportes.

Imposto sobre a gasolina para desoneração do transporte público
Recentemente o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad levantou a bandeira, que achamos acertadamente com a volta da Contribuição de Domínio do Domínio Econômico – CIDE oriundo da gasolina para financiar as passagens de ônibus na capital.
Em artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo no dia 12 de abril de 2013, o economista Samuel Pessoa, a partir da idéia apresentada por Haddad, defende que uma alíquota adicional na gasolina para desonerar o transporte público seja cobrada nas regiões metropolitanas. Na visão do autor a proposta tem duas justificativas, a primeira, distributiva, visto que é a população mais pobre que utiliza o transporte público. E a outra é o pagamento, pelo transporte individual, do congestionamento que causa nas vias públicas o que prejudica a mobilidade de todos indistintamente e pela poluição do ar, um bem comum.
É bom lembrar que para transportar 35 pessoas um ônibus comum utiliza 15 metros de espaço viário, enquanto são necessários 25 automóveis que usam 150 metros das vias públicas.  

Conclusão
O problema da mobilidade urbana no Brasil não atinge unicamente as regiões metropolitanas. Médias e pequenas cidades também já começam a apresentá-lo. É importante inclusive se pensar também na mobilidade rural, visto que cerca de 30 milhões de brasileiros, quase uma Argentina, vivem nessas áreas e necessitam de mobilidade para usufruir de serviços que somente as cidades lindeiras oferecem.  Dessa forma prefeitos poderiam comprar micro e mini-ônibus para atender regiões rurais.
Através do PAC mobilidade ora em implantação o governo federal tem ampliado a solução financeira para a implantação física de sistemas de transportes no Brasil inteiro.
Um desafio que agora se coloca é a modicidade tarifária, sendo que decisões importantes já foram tomadas para desonerar o setor de transporte público e com isso diminuir o preço das passagens.
Outras medidas já estão em estudo que somadas diminuirão o impacto das tarifas na renda da população e conseqüentemente incentivará a utilização do  transporte público, tornando as cidades brasileiras mais sustentáveis.  
Um imposto adicional sobre a gasolina para desoneração da tarifa de transporte é uma das formas estudadas para redução das tarifas.  Além do mais, beneficia a todos, pois vai incentivar o uso do transporte coletivo, reduzindo os congestionamentos e a poluição ambiental, aumento da velocidade dos ônibus o que torna as viagens mais rápidas e os sistemas de ônibus mais baratos. O trânsito lento encarece a passagem.
A aquisição de um automóvel pela população é bem vinda, visto que é um sonho de consumo da maioria das pessoas. Graças à política econômica exitosa implantada a partir do governo Lula, isso é possível. Nos países desenvolvidos ocorreu o mesmo quando houve um processo distributivo de renda.
Devemos construir um sistema de mobilidade urbana com qualidade e modicidade tarifária para que assim como em outros países, os deslocamentos para o trabalho, escola, entre outros, sejam feitos por transporte coletivo e não individual.
Em Estocolmo, 96% das viagens-trabalho são por transporte público.
Entendo que é um debate que deve ser feito pela população brasileira. Essa é a proposta deste texto para discussão.

*Evaristo Almeida – Mestre em Economia Política, Assessor Técnico de Transportes da Bancada do PT na Alesp e Coordenador do Setorial Nacional dos Transportes 

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