quarta-feira, 31 de maio de 2017

Falha humana causa 94% dos acidentes fatais em São Paulo


31/05/2017 Folha de SP
ANTP
Distração, imprudência e desrespeito às regras são protagonistas quando se fala em acidentes de trânsito. Das ocorrências com morte no Estado de São Paulo, 94% são resultantes de falhas humanas, segundo levantamento do governo estadual.
Além disso, 17% dos casos envolvem pessoas entre 18 e 24 anos —ou seja, que tiraram a habilitação recentemente. Isso sugere que existem problemas na formação dos motoristas brasileiros.
Para ser condutor da categoria B, de carros de passeio, é preciso ter 18 anos, saber ler e escrever, passar nos exames médico e psicotécnico, cumprir 45 horas de aulas teóricas, 20 aulas práticas e mais cinco no simulador. Para motos o processo é semelhante, mas não há simulação.
A estudante Camila Trindade, 22, e a analista Claudia Jacobsen, 29, tiraram recentemente a licença de carro e moto, respectivamente, mas não se sentiram preparadas para enfrentar o trânsito.
Elas pensam em contratar aulas particulares para continuar praticando.
"Antes de eu tirar a carteira, imaginava que ia sair da autoescola 'dirigindo tudo', mas não foi o que aconteceu. Morro de medo quando um caminhão passa por mim na estrada", conta Trindade. "Tudo o que é ensinado é 'pegue a moto e saia com ela'. Não sei passar marcha, não sei frear", completa Jacobsen.
O instrutor de pilotagem da Abtrans (Academia Brasileira de Trânsito) Tite Simões conta que a maior parte de seus alunos é recém-habilitada e só aprendeu a ligar a moto e a usar a primeira marcha. "Eles não sabem como se comportar, porque o curso e o exame são feitos em um ambiente fechado, sem simulação de dia a dia. Não fazem ideia do que é passar entre dois carros", afirma.
Para Aldari Onofre Leite, presidente do Sindautoescola (sindicato do setor), é preciso mudar as regras da formação dos novos motoristas. Ele critica a fixação de 25 aulas práticas: "Essa carga poderia ser boa para um determinado condutor e não funcionar para outro".
"Precisaria haver uma nova resolução para que o próprio instrutor avaliasse essa condução. O exame prático precisaria ser mais rígido do que é hoje", afirma Leite.
Para ser um instrutor de direção no país é preciso ter pelo menos 21 anos e estar habilitado há dois, ter ensino médio completo e passar por um curso de formação de 180 horas, além de exames médicos com fins pedagógicos.
A cada cinco anos, esses professores fazem um novo curso de atualização, com duração de 20 horas.
GPS E CÂMERA
A tecnologia poderia servir de aliada na formação de novos motoristas, diz Leite. Ele defende o monitoramento das aulas práticas. "O veículo teria uma câmera e um GPS para que se pudesse acompanhar o itinerário e o tempo de aula. O aluno vai pagar por 50 minutos de aula e vai ter exatamente esse tempo em prática", diz.
A Procondutor, empresa de educação no trânsito, desenvolveu uma plataforma multimídia que pode ser acessada de computadores e celulares. A ideia é que em vez de apostilas, a tela desses aparelhos sirva como acesso para o conteúdo teórico, com o uso de vídeos, animações, infográficos e games.
"Estamos falando de um jovem que está acostumado com tecnologia. Temos de trazer esse universo para dentro da aula. É possível transformar um conteúdo técnico em algo mais interessante", diz a diretora de produtos da empresa, Claudia Moraes.
COM LICENÇA
Como é o processo de obtenção da carteira em outros países*
ESTADOS UNIDOS
Idade mínima para dirigir 16 anos, mas há variações por Estado
Aprendizado O futuro condutor deve baixar pela internet as leis de trânsito e estudá-las para fazer uma prova teórica. Depois de aprovado o candidato vira um "motorista em treinamento", que pode aprender a dirigir com outra pessoa habilitada, não necessariamente em uma autoescola. A última etapa é a prova prática
ARGENTINA
Idade mínima para dirigir 16 anos, mas é preciso ter a autorização dos pais
Aprendizado O candidato passa por aulas teóricas que ocorrem em dois dias consecutivos, com três horas de duração cada uma. A parte prática pode ser aprendida sem a obrigatoriedade de se frequentar uma autoescola. Durante os seis primeiros meses, o motorista deve deixar no para-brisa um papel que o identifique como iniciante
PORTUGAL
Idade mínima para dirigir 18 anos
Aprendizado Os alunos precisam cumprir 28 aulas teóricas e mais 32 aulas práticas de condução. Aprovados nas duas etapas, estão aptos a receber a carteira de motorista
Prevista em lei, aula de trânsito não decolou no país
Apesar de prevista no Código de Trânsito Brasileiro como atividade extracurricular, a educação no trânsito raramente é encontrada nas escolas.
A responsabilidade da implementação da disciplina é das escolas em conjunto com o Ministério da Educação e prefeituras.
Para Roberta Torres, especialista em segurança no trânsito da Procondutor —empresa especializada em educação no trânsito— outra solução seria abordar o tema como conteúdo transversal em outras matérias e não em uma disciplina única.
"A ideia não é colocar a criança como um minimotorista, mas como um sujeito que vai e vem com segurança. Assim, quando chegar aos 18 anos, na formação dos condutores, ela estaria melhor preparada", afirma ela.
"Ao fim das contas, o bom condutor não é o que sabe apenas o significado das placas, mas que faz escolhas adequadas na hora de dirigir", diz Torres.
Criar campanhas educativas para quem já dirige é outra possibilidade para diminuir os acidentes, diz Silvia Lisboa, coordenadora do Movimento Paulista de Segurança no Trânsito, uma iniciativa criada há dois anos com o objetivo de reduzir pela metade o número de mortes em acidentes de trânsito no Estado de São Paulo até 2020.
"A educação deve atender todos os atores do trânsito, de crianças a quem já possui habilitação. Daí a importância de fazer campanhas permanentes", afirma ela.
"Mudar a cultura das pessoas não é fácil e exige mobilização e união de esforços. Além de investir em melhorias como sinalização, condição das vias e fiscalização, sensibilizar a todos é fundamental", completa.
Para isso, o movimento que Silvia Lisboa coordena trabalha em parceria com órgãos e agentes públicos, buscando mapear os pontos mais críticos -como locais sem iluminação, por exemplo.
Atenção a grupos de risco reduz mortes no trânsito na Austrália
O foco nos grupos de risco foi uma das saídas encontradas pela Austrália para melhorar a segurança no trânsito. A atenção especial aos vulneráveis, como jovens e idosos, ajudou o país a diminuir em 38,9% as fatalidades nos últimos 13 anos.
Para os iniciantes, obter a carteira permanente demanda tempo e disciplina. Já os mais velhos precisam provar, regularmente, que o passar dos anos não comprometeu suas condições físicas.
Dependendo da região do país, a idade mínima para habilitação varia entre 15 e 18 anos. Como algumas áreas remotas não têm transporte público abrangente, a saída é começar a "motorizar" as pessoas mais cedo.
Em New South Wales, por exemplo, o tempo entre a primeira licença e a habilitação definitiva é de quatro anos. Os principiantes têm que fixar no veículo placas que indiquem o nível de experiência: letra "L" ("learner", em inglês) para aprendizes e "P" ("provisional") para quem atinge as etapas provisórias.
Aprendizes devem dirigir acompanhados por um condutor com habilitação permanente. Além disso, a tolerância é zero para álcool e celular, mesmo com viva voz.
Nada de carona também para grupo de amigos na balada. Entre as 23h e as 5h, quem tem menos de 25 anos e carteira provisória pode transportar só um acompanhante com menos de 21 anos.
A lógica é identificar e limitar os riscos comportamentais e psicológicos inerentes à faixa etária. Para isso, o governo recorre a instituições como o Curtin-Monash Accident Research Centre, da Monash University, em Melbourne.
Segundo especialistas do centro de pesquisa, fatores psicológicos como experimentação, impulsividade e ousadia são típicos de pessoas com menos de 25 anos.
O transgressor está sujeito a punições duras, como confisco do carro, multas altas e processo criminal, caso seja pego pelo bafômetro.
Do outro lado do espectro de grupos vulneráveis estão os motoristas com mais de 75 anos. Para renovar a carteira, todos acima dessa idade devem apresentar avaliações médicas anuais. A partir dos 85, são exigidos testes práticos a cada dois anos.
Em 2015, o número de motoristas com idade avançada superou o de jovens entre 18 e 24 anos, e 87% dos condutores com mais de 80 anos continuavam a dirigir. Apesar de maduros e experientes, idosos têm redução de reflexos e visão. Flexibilidade e força muscular também ficam comprometidos com o tempo.
Como o erro humano é inevitável, o governo sabe que não basta melhorar a infraestrutura e fazer campanhas.

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